A mesma pedra

Passados trinta anos, menos. Ou mais, o tempo de uma vida. A carta encontrada não surpreende. O escrito, o dito, o pensado, tão completamente, atual! A revelação apequena o protagonista, ou surpreende? Não importa. Curiosidade. – O que permaneceu assim, o mesmo? – O problema, o olhar, o escrito, o descrito sentimento. Ou detalhe de ser como somos, estagnados. Talvez o cenário. Ou aquela específica interlocução. Sempre o mesmo contexto, o mesmo texto. O tempo escreve perplexidade. Como no mito. Carregamos a pedra morro acima, eternamente. A mesma pedra. E, a mesma carta.
Sísifo, na mitologia grega, é obrigado a levantar enorme pedra ao longo de cada dia até o alto do morro, ocasião em que a mesma se lhe escapa das mãos e rola abaixo. Escrevo a mesma carta, sem nunca resolver o significado da ausência.

Elizabeth M.B. Mattos – 2015 – Torres

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Debaixo da janela, abandonada

O que faz sentir. Pensar, voltar a procurar na memória quem somos, fomos… Um texto. Livro inacabado. Retomo. Yasunari Kawabata. Repasso a questão de ser abandonada debaixo da janela.
fui simplesmente abandonada debaixo de uma janela.” Já escrevi sobre isso. Ser abandonada debaixo de uma janela. A história volta a me surpreender. E procuro, ainda, a minha janela.
Toda pessoa se sente de fato abandonada debaixo da janela. Todos se sentem assim, provavelmente… Sem confessar, é claro. A viagem da leitura leva por aí, carrega, arrasta sentimento. Expõe o que não queremos ser, ou mencionar. É tudo exposição. Fica o estranhamento, estupefacção.
Na juventude, Takichiro tinha um temperamento de artista, mas era acima de tudo um misantropo. Nunca sentira a necessidade de fazer uma exposição de seus desenhos, reproduzidos em tecido. De resto, naquele tempo teriam parecido demasiado modernos e bizarros e, portanto, praticamente invendáveis.
E segue a história do jovem. Angustia esta solidão. Transpira aquela coisa de interno, de reservado, intenso. Elizabeth se debruça consciente na impotência. O jovem ousa, o velho desanima, o remédio? Uma pílula para dormir. Ou o simples, e escondido monólogo.
Depois da guerra, os desenhos para quimono modificaram-se totalmente. As obras que produzira antes, sob efeito de estimulantes, podiam agora ser consideradas modernas, e mesmo apreciadas. Mas, a ele já não agradavam: envelhecera.”(p.36)
De repente não faz mais sentido. Não agrada, não conversa a cor com a palavra. O fazer. Já desaparece incompreensível, a vontade.
Boa leitura: KYOTO – Yasunari Kawabata. Elizabeth M.B. Mattos –  maio de 2015 – Torres – os japoneses me interessam.

Excesso de livros

Dependência, vício. Limitador.

Esvaziada do texto, do autor um branco. ou preto. NadaPensar tem  o braço de pergunta por dentro, pelo avesso, na calmaria. Leitura em excesso, turbulência. Assim, limite. Um estímulo reação sem realizar, fazer…

Quieta nestas ponderações sinto aquele medo covarde. Para escrever é preciso liberdade e coragem. Ser o somos! Difícil! Quem somos? Adoecer, pode ser consciência..

“Uma outra medida de prudência e de autodefesa consiste em reagir o mais raramente possível em esquivar-se de situações e de condições nas quais estaríamos condenados ao sacrifício da própria ‘liberdade’, e da própria iniciativa, tornando-nos simples órgãos de reação. Tomo como termo de confronto o modo como usamos os livros. O douto que, no fundo, não mais do que misturar livros – um filólogo de aptidões medíocres cerca de duzentos por dia -, acaba perdendo completamente a faculdade de pensar por si mesmo. Se não se empanturra com os livros, não pensa. Quando pensa, atende ele a um estímulo – um pensamento escrito -; enfim, não faz mais do que reagir. O douto emprega a sua força em dizer ‘sim ‘ou ‘não’, em criticar o que já foi pensado por outros; quanto a ele, todavia, não pensa mais…O instinto de autodefesa enfraqueceu-se nele; o contrário, defender-se-ia dos livros. O douto é um decadente. Vi com meus próprios olhos: naturezas inteligentes, ricas, livres, arruinadas já aos trinta anos pela grande leitura, reduzidos a simples fósforos, que devem ser riscados para dar centelhas, isto é, ideias’. Logo pela manhã, à alvorada, quando o espírito reflui em leveza, ao despertar das energias, pôr-se a ler um livro! Para mim isto é um Vício!”

Frederico Nietzsche, Ecce Homo