Qualquer Eu és Tu. Qualquer fresta, o outro/a outra. Alguém. Invasão sorrateira, mortal. Rastro, odor estranho/bizarro, ou gosto de leite? Não. Gosto de chá preto, parece café, mas dizes ser vinho… Não importa, indiscrição. Atrás de cada frase, ou de cada palavra tu te agitas incomodado, eu recuo. Complicada. Cada vez que conto/investigo/ventilo ou…, sei lá! Céus! Digo sem pensar. Esbravejas! Não posso contar o que imagino/desejo no jogo de ser Eu. De manhã acordo doce, de tarde esquisita, de noite desconfiada, e na madrugada, apaixonada. Ora, ora? Qual a melhor hora? Graças! Os livros e as releituras de ocasião. Escreve/diz Saramago (risos), confabula! Em Manual de pintura e caligrafia. E lá vou eu… “Será agora tempo de deserto? E porquê de deserto? Por ter Adelina saído também da minha vida, como reza a consabida e estupida frase que presume poder alguém estar na vida de alguém? E que é, afinal o deserto. Aquele que o Lawrence da Arábia contemplou, na fita, durante uma longuíssima noite? É uma cena de efeito seguro, bem pensada, mas, se formos ver, pouquíssimo original. (p.153)
Verdade! Não consigo ser original. Como não me autorizo contar histórias familiares (não me pertencem). Pai e mãe, tantos e tantos filhos nas memórias embaralhadas com gosto de entretenimento, bem que eu me atrevo e conto, escrevo nas gotas. Não temos nada apenas nosso. Deságua no mar, se consome na terra, ou se espalha no céu. Céus! Tudo gasto, usado e rasteiro. Se Cristo não tivesse morrido naquela cruz, diz Saramago […]”a história dos homens e das suas obras; tanta gente que não se teria emparedado em celas, tanta gente que teria morrido de diferente morte, não nas santas guerras nem nas fogueiras com que a Inquisição respondia a si própria, ela relapsa, ela herética, ela cismática. Quanto a estas tentativas de autobiografia em forma de narrativa de viagem e de capítulo, estou que haveriam de ser diferentes também. Por exemplo: que teria pintado Giotto na capela dos Scrovegni? as orgias pânicas duma mitologia prolongada até esses dias, se não a estes?[…] Estupendo! Segue. (p.154- 156)
Avanço avanço em narrativas escorregadias e vacilantes de uma Beth inventada, ou de uma Elizabeth surtada, esquisita e perdida num dizer derramado na/da experiência deste e daquele, daquela e daquela outra, misturadas coloridas . No sentimento, mas muito/bastante no outro (o que me esqueceu/ ou eu esqueci). Esquisito e esdrúxulo sentir da noite que já amanhece.
“Abandonados, deixados, desistidos, ou despovoadores nós e fabricantes do ermo.” Frase a pensar. Depois.“Abordei a consciência disto quando comecei a escrever: todo o meu esforço consistiu, afinal, em recuperar o deserto, para (tentar) compreender depois aquilo que ficasse, aquilo que ficou, aquilo que ficar. A solidão, decerto, mas talvez não a esterilidade. Desabitado, convenho, mas não inabitável. Seco, mas com água dentro, terrível água de lágrimas, frescura possível sobre as mãos duas moléculas de Hidrogênio e uma de Oxigênio. A água primordial e o que nela se suspende. (p.157)
Reencontrar o eixo. Saber, afinal, que este eixo sou eu mesma, e não as possíveis Adelinas, ou Flávios imaginários. Augustos, Antônios, Manuelas ou apenas o Francisco ou quem sabe o José? Não. Sou eu mesma e o amor quando o amor encontro depois de viver aos pedaços esta ou aquela Adelina sempre na tentativa de abandonar o deserto. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres