Falei o que devia e não podia, cascata de passado, do que já foi / antes, muito antes e também do depois, não pensei amanhã ou futuro, tão longe! Só conversa: resultado de falação ascende / ilumina / traz de volta vida, pedaço do tempo menina! Quando converso solto, ou confidencio, esqueço limite gentileza polidez. Tudo solto, tão leve! Entregue escorrego nas bolhas coloridas. Conversa e dizer. A visita se alonga por beiradas inesperadas, e já penso nas frutas da feira, no sol de amanhã, nas baleias que veremos lá alto, do Morro do Farol. Elas passam por Torres com filhotes. Agosto em Torres: visita e surpresa! Amanhã vamos ver as baleias. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2019 – Torres
Mês: julho 2019
terror de envelhecer
Guardei pudor, encabulação, auto estima, vergonha dentro de ser eu, estranho e enraizado sentimento (milhões de explicações, nenhuma clara, objetiva ou lógica). Eu me escondia… Deveria ter me explorado, poderia ter sorrido mais vezes, decotado os vestidos, mostrado as costas, encurtado as saias e aceitado a luz da juventude. Não consegui. Aos setenta e quatro fico a me pensar/desejar solta, leve e até bonita! Céus! No entanto os rios se apresentam profundos, as vielas, sulcos estranhos se apoderam do meu rosto. No pescoço as infindáveis dobras, e tudo me parece devastado! Não consegui segurar/parar o tempo. Inacreditável! Mandei uma foto tirada no espelho para meu filho aniversariante: oxalá me vejam de outra forma, igual, fotografei e levei um susto! Não sou eu, era outra, enfim! Oxalá seja eu! Não devemos nos fotografar… Hoje, acidentalmente, vejo a foto de uma colega de trabalho, mais nova, não sei quantos anos, talvez cinco, e estremeci de horror maior: rosto deformado por plásticas, não é ela, mas arremedo… (Pior!, não pode pedir de volta a expressão, entregou ao diabo, sem comércio!). É o medo. A foto do medo, do grande medo de envelhecer! Está estampada a reforma facial. É preciso aceitar a nova máscara: envelhecemos. Reformar é o grito do medo. Mas o terror está em todos os lugares! Sinto medo! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres
…, destas flores, esta trepadeira tinha na casa da Magda na rua Vitor Hugo: imagem de memória de ser criança! Descobri a caminhar por ruas novas: pedacinho festivo de lembrança o reencontro.
VOAR / no balão
VOAR / no balão, passei estes anos a voar. Difícil explicar. A ideia parece exata, entre nuvens. Voar, olhar de enorme pequena distância, ou perto sem poder tocar. Esta meninice segue dentro de mim: o bebê silencioso. Atento aos ruídos da casa, sem dizer no choro, arregalado. Jeito de estar na vida. Desta atitude, desta forma moldada pela casa movimentada, e o jogo das irmãs, na convivência com avó e depois a tia, cresci. Moldada para ser arredia, desconfiada e atenta, diria medrosa. Qualquer erro pode ser catastrófico. Agradar, conquistar, fazer a jogo: colorir. Eu posso ser em preto e branco, o mais, no entanto iluminado papel colorido e brilhante. Vibra, e se move na beleza o que me cerca. Beleza detalhe, absoluta. Cresci tentando / imaginando como seria poder tocar e estar dentro / integrada neste mundo… Apenas espiava: o colorido festivo e musical mundo. Na força deste esforço, prevenida e cautelosa apreendi a ser eu comigo mesma: alegre, disposta e pronta embora solitária. Saudade indefinida de uma coisa / um alguém que ainda não encontrei. Procuro. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019
segredo de envelhecer
O segredo da velhice / de envelhecer: saber / entender que é aparente / aparência. Ela apenas existe e acontece na superfície, na pele, no corpo, por fora. Por dentro somos sempre quem somos, ou menina ou mulher, ou um eu que não vai crescer, ou súbito, num repente envelhecerá / envelhecerei. Não sei se traduzi correto, Claude Mauriac escreve assim:
“ Le secret de la veiellesse, c’ est qu’elle n’ a d’autre realité qu’apparente. Drame et mystère qui sont déjà, je le sais ceux de l’ âge mûr. Veiellir, c’ est ne point changer: même. Je ne vois aucune différence, si ce n’ est de lucidité et de culture accrues, entre ce que j’étais il y a quinze ans et ce que je suis aujourd’ui. Vieiller, c´est découvrir peu à peu l ‘ angoisse de notre condition. (p.96) Claude Mauriac – Toutes les femmes sont fatales.
Envelhecer é muito mais descobrir pouco a pouco a angustia de nossa condição.
E que a vida se desencanta na medida em que nossos sonhos se realizam. E a vida acontece, paciente a realizar nossos sonhos e fantasias que nos surpreendem pelas facilidades e pelo volátil sentimento de um momento, contas feitas, os amores não foram antes nem depois, foram / serão amores se hoje esticarem o braço, segurar o meu rosto e ainda conseguir me beija. um ato contínuo / permanente. No meu desejo a tua transformação será parte da minha, parte tua, misturadas, uma só. …completo amanhã por ser longa viagem, e por ser nossa e prazerosa. Elizabeth M.B. Mattos – Torres 2019
Adolescente na energia e no sonho que surpreende. Aos setenta, aos oitenta, com certeza, aos noventa, adolescendo.
tua memória / minha memória
sempre que me visto
durante muito tempo
quando tinhas
no Rio de Janeiro nos encontramos sem nos vermos
fios emaranhados
houve um antes
e a Lucila morreu
esta memória importa,
então, eu repito, eu te penso
Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres
PS1 gosto de hoje / agora / ontem / de carne de panela / do campo / gosto de pensar que estamos juntos e rimos muito, pura alegria, ao trabalho
PS2 cinquenta e cinco anos se passaram /
este hoje é eterno / eu te sinto (magia)
PS3 história / lembrança e memória se fecham: conseguiste apagar vestígios
de encontros / de perdas… DESAPARECERAM! tu ficaste / tu e eu ficamos
eu comigo
Férias! Um dia ou três, um mês ou umas horas. Eu absolutamente, e tão completamente envolvida com o nada! O sono, o movimento, respirar ou comer: a primeira vez. Não posso levar pessoa ou coisa: preciso do vazio, deste nada. Sem filhos compromissos, marido amigos ou parentes, um lugar longe onde eu sou eu. O novo sou eu mesma comigo mesma. O inusitado sou eu. Reencontro. Este esvaziado sou eu a plenos pulmões, nas férias. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019
suicídio
Bolinhos de arroz, loucura domingueira. Se confesso odiar a cozinha lá estou: com fritura até na alma, e o cheiro! Enjoada. De certo mereço. Tenho que tirar os vestígios! Loucura completa. É suicida esta alimentação. Nem a Ônix consegue me impedir… Ímpetos! Bem, ainda dia! De noite aos pesadelos adequados… Mereço!Beth Mattos no final de julho, divagando! Céus! Ainda está frio. Que chegue o sol! 2019
-“Não posso, não quero! Digo definitivo! Sou de ser e executar, não me ajusto de produzir ordens…”
As coisas acontecem tão do mesmo jeito, mas palavra gesto, não sei!!! O mundo não vai nem vem, se fecha e se abre igual. Impotente gotejando resvalando, em frente, mas o mesmo. Se assumo crescer, eu vou não sendo, mas acaba sendo o mesmo… Estas leituras dizem de forma nova inovando o sentimento no expressar, mas tão igual! O mesmo / o igual se remexe poderoso dentro de outra palavra, exala e repete, o novo no mesmo.Beth Mattos
“Como é que pode gostar do verdadeiro, no falso? Amizade com ilusão de desilusão. Vida muito esponjosa. Eu passava fácil, mas tinha sonhos, que me afatigavam. Dos que a gente acorda devagar. O amor? Pássaro que põe ovos de ferro. Pior foi quando peguei a levar cruas minhas noites, som poder sono.” (p.93)
” Eu abaixava os olhos, para não reter os horizontes, que trancados não alteravam, circunstavam.” (p.81) Achei tão lindo este dizer! Não reter os horizonte, não imaginar que pode terminar ou ter fim / sendo horizonte estão fixos e permanecem infindáveis.
“A tarde foi escurecendo. Ao menos Diadorim me chamou adeparte; ele tramava as lágrimas. – Amizade, Riobaldo, que eu imaginei em você esse prazo inteiro… – e apartou minha mãe. Avesso fiquei, sem jeito. […]
Ele só falava por pedacinho de palavras, Mas eu vi que o olhar dele esbarrava em mim, e me encolhia,”
e tudo é João Guimarães Rosa num lapidar numa soltice/ leveza / beleza criadora e genial que carrega o sertão por dentro e materializa em palavras.
O que é dito revira, o que se pensa e diz, dá volta de falar como se fala no sertão. Na palavra o gosto. Eu volto.
“Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre.” (p.67)
Há que se entregar no prazer, nas voltas reviradas de pensar, neste ir e ficar e deixar passar sem ver, enxergar o detalhe a minúcia e a tristeza de ser tudo igual, solidão. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres Ana Maria em Recife
tão de perto
Tenho que me esconder do sono, não sei bem como arei isso, ele me persegue tão de perto! Se eu tivesse certeza dele ser mesmo ele, o sono! Mas não tenho… Ansiedade e inquietude também me assombram, e me perseguem. Medo, desejo, uma paralisação! Tantos sustos! Bom este hoje se agitou com roupa lavada, passada, sol e beleza e agora este vento gelado cinzento! Tudo muda tão rápido! Elizabeth M.B. Mattos – julho -Torres
insônia passiva
Improdutiva insônia. Tão quieta! Tão aborrecida e lenta! Não sei… Deve ter um atalho para chegar ao proveito. Alteratividade – curiosa palavra me assalta -, depois eu volto. Rezas / pedidos não sacodem as folhas destas árvores, não trazem flores. Há que acalmar a inquietude do coração varrendo, aspirando, limpando aqui e ali. E sinto o perfume. Sou toda odores e toque e silêncio. Cansei de não dizer, voltear, espreguiçar tão devagar que não é nada, mas sono continuado em preguiça permanente. Este dormir e dormir se estranha artificial. Houve tempo que a noite era dia igual, e os fazeres alegravam nas lajotas vermelhas. Eu me debruço na sacada. O cheiro da maresia entra e o poder de sentir / alegrar / fazer/ destemer / enfrentar traz prazer poderoso, derruba qualquer maquiavélica insônia. Estou em casa / em casa significava com o pai e a mãe, escuto a conversa cruzada, deles os dois. Acompanho manhãs altivas com caminhada. Leio nos jornais a informação precisa do meu pai. A mãe compensa noites alertas e iluminadas com o sono matinal! Depois a sesta de um, e o dia discursante, criativo de outro. Conversa instigante.
A noite, velas lamparinas, cúpulas iluminadas, e o perfume do café. Luz indireta da intimidade confessional. Eu me delicio com a beleza de detalhes inventivos: decoração a cantar e se fazer com pincéis de aquarelas e o perfume dos óleos em telas esticadas. Ainda estão vivos! Elizabeth M. B. Mattos – julho de 2019 – Torres