loucura e risco

Causa desta loucura deste risco deste intenso possível porque o corpo responde ao desejo. Posso acreditar, trocar o justo / o melhor pelo incerto. Quero romper a lógica. Não quero outra vida. Ou posso mudar. A vida teria sido outra? Talvez nunca fosse diferente, mas o caos maior, ou menor. Loucura picada, lucidez atenta: define mais que todos os cuidados. A paixão pelo idioma francês, a paixão pelo estrangeiro. O universo íntimo define qualquer avanço. Podia tudo. Era tudo. Atravessar o arame farpado. Plantar/ fazer nascer/ entregar a força. Quanto menos lógico, mais encantador e possível. A febre autorizava, o trabalho faz acontecer porque o fazer dignificava. Eu era ótima / ótima e lúcida / confiante. Deste jeito eu te amei / amo. Corajosamente, ousaste posar teus lábios gelados na minha boca. Eu te abracei, colei meu corpo no teu corpo porque tudo em mim já te pertencia.

Fechei as malas, empacotei os livros. Preciso ir e estar onde quero ser eu: estou a brincar com a ordem / a possibilidade. Desenho todos os cadernos. Sem lógica.

As palavras gotejam e se espalham… Nunca estou pronta, mas logo gritarei aliviada, solta… Vou. Preciso sobreviver.

As confissões se escondem no dia azul e manso, eu fecho a porta. Tantas vezes fecho a porta! Não adianta. Todos os erros entram por baixo da porta, ou pela fresta da janela. E se acomodam nos degraus de escadas entre um andar e outro. Beijos, abraços, promessas, o melhor daqueles dias. Entendo. Posso abrir a porta e te receber, farei a comida, escolherei a melhor cama. Poderás retomar a luz, dormir / não dizer nada. Por favor, eu vou te abraçar e vou chorar nossa alegria, soluçar desejo. Misturo minha vontade com o gosto da tua boca, não me importo, estás aqui. Vou recomeçar Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

Teres chegado assim desarmado e livre me faz rir – a manteiga e o pão e o leite se transformam em nó dois, ah! O prazer.

eu vou embora

Je m’en vais, dit Ferrer, je te quitte. Je te laisse tout mais je pars. Et comme les yeux de Suzanne, s’ égarant vers le sol, s’arrêtaient sans raison sur une prise électrique, Félix Ferrer abandonna ses clefs sur la console de l’ entrée. Puis il boutonna son manteau avant de sortir en refermant doucement la porte du pavillon.” (p.7) Jean Echenoz Je m’en vais

Adoro o título. Adoro este começo/este início: “Eu vou embora, eu te deixo. Eu te deixo tudo, mas eu vou embora.” (livre)

Que vontade de agir/fazer assim, eu vou embora, eu deixo tudo, eu não me importo, eu vou embora. E a força de recomeçar, de poder, de decidir. Terminar aquilo que começou, ou que já se esgotou… Abotoar seu casaco, fechar com tranquilidade a porta, e sair. Por que é impossível? E sempre é impossível, e, por ser assim impossível, a gente vai se deixando ficar… E já é o começo de morrer. Embora se morra tanto e tanto, todos os dias a morrer, mesmo batendo a porta… indo. Indo e deixando, para trás, o sonho / ou a vida de sonho, o outro / ou ela ou ele, ou a casa, ou o desejo, ou a vontade, ou a coragem. Aquele corajoso ir arranca um pedaço. Exagero! Renasço. Brotam, brotam, brotam vontades de nascer! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

…,querendo brotar, querendo ter força para seguir, e escrever, escrever: e recomeçar.

es gota – termina

Termina / finda a gota do tempo,

esgota o tempo de um dia, de um mês,

esgota o tempo de um ano

esgota o tempo: a urgência me estrangula…

esgota a vontade /

e sinto tanta vontade!

um jato,

escrevo, melhoro, e, me sinto acolhida / abraçada,

mas será verdade o que eu disse?

será verdade? Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

caverna

Viver /morar na caverna pode ser opção (idealizada). O processo de proteção se instaura. No princípio foge-se de frustrações banais, do não reconhecimento. O desejo da posse / ou a posse-sonho corrompe…, eu acho. A pessoa quer/imagina poder administrar espaço, tempo. Os tentáculos. A gente rejeita um isso e um aquilo. Seleciona. Procura o companheiro, acredita, se inspira… A ideia de ser dois e multiplicar (certeza de poder), e as conversas compridas, a força de estar perto e repartir / refazer. ( O que desejamos refazer?! Sabemos tão pouco do feito! Se ao menos fossemos precisos, mais exatos com o sonho…). E agora eu pergunto / eu Elizabeth / eu Beth o que desejo/quero exatamente, o que pretendo? Os espinhos / a indisposição da alma, como ouriço. E logo o corpo quer o abraço, o beijo, o afago -, parece simples, mas não é nada simples. Quer dividir a risada. Carece. Se aninha no vazio de ser assim, o vazio. E mesmo quando acendo as velas por toda a caverna, ilumino, os degraus, invento voltas / fazeres, ou renovo, limpo! Um vazio! Carrego jasmins, desenho folhagens. Persigo o som. Num minuto a vontade de chorar sacode a rede, e aquele vazio ancestral, infantil silêncio, medo de estar sozinho, de ser nada, de não significar… Não merecer um olhar, não fazer brotar nenhuma ideia, nem lampejo de luz… E não saber se caminho para a esquerda, ou dobro aquela rua, ilumino aquela praça, adoto mais cães. Ou liberto. Como a gente faz isso? Que droga de sentimento! Como se materializa este sentimento? A saudade. Não a saudade dos nomes, das pessoa, a saudade do tempo de acreditar. E uma voz estranha chama pela mãe, pelo pai… (outra vez criança, meio perdida). Eu quero tudo outra vez. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Quero outra vez querer tudo outra vez, outra vez. Voltar a Ponta Grossa, a Santo Ângelo, apreender a rezar a Ave Maria e o Pai Nosso, e saber ler com os cartazes da tia Mariazinha. Quero tentar outra vez. E prometo! Não vou me deixar engordar e vou estudar. Vou ser bonita. Vou cuidar de mim, vou me encontrar com o verão, entrar no mar…

aniversário – Pedro – 30 de julho

Os olhos ficam úmidos e aquela escondida vontade de chorar aperta a garganta: flores, folhas, ideias, cores, amor desgovernado, saudade poderosa, alegria, presença, palavra, abraço, beijo, outro abraço, uma fita, um jardim, a mesa colorida, a cadeira vencedora, o tímido, o exuberante, o alegre, o alegre e generoso e alegre e talentoso filho! Parabéns! Feliz aniversário!

Pedro Moog

jardim

Vou colocar uma casa pequena neste jardim e cuidar do flamboyant. Vou querer varanda, uma rede e… O chalé ficou exigente. Não posso/não vou pensa. Preciso fechar os olhos / esquecer o que dói, acreditar na pequena alegria. E confessar, o que já foi, não volta. Quando disse não, foi um não definitivo, sem balança. Mazelas para trás… Possíveis e impossíveis: eu não quero. Não vou votar ao minúsculo molusco de jeito nenhum, nem sonambula, nem em tortura… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022- Torres

fechar a gaveta

Limpei a casa / engavetei o resfriado, e vou apertar o desanimo. Uma salada colorida. Cozinhar feijão, arroz cheio de imaginação. Abarrotar o tempo com enorme vontade de escrever, pensar, dizer sem explicitar, assim na brincadeira de esconder palavras, mas mesmo assim desenhar e… As reticências guardam um mundo, uma vontade de gritar, de enlouquecer. A louca precisa ser contida, administrada, e, com certeza, comedida. A fantasia ‘megalonâmica‘ (risos) permite que a inquietude se mude de quarteirão todos os anos, ou entre num avião, ou o no trem, e pelas estradas areje a vontade de crescer. Estas salas arrumadas ou desarrumadas, claustrofóbicas. Eu preciso, ao menos abrir um fresta da janela e esperar que as buganvílias voltem a florir. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022-

repouso

“Repouso! Ser hóspede, um dia. Nem sempre ser o próprio a oferecer a seus desejos mesquinha ração. Nem sempre hostilmente agarrar todas as coisas. Deixar um dia tudo acontecer, e saber: o que acontece é bom. Também a coragem deve um dia distender-se e à beira das cobertas de seda sobre si mesma dobrar-se. Nem sempre ser soldado.” (p.96) Rainer Maria Rilke A canção de Amor e de Morte do Porta Estandarte Cristovão

Abri apenas a fresta da janela, o vento e com o vento a poeira e o susto: de repente, qualquer opinião pode ser o vendaval… não sei se o medo se arrepiou, se as convicções enfraqueceram, mas não estou pronta pra enfrentar! Não o intempérie / ou sou mesmo frágil! Pensei nos escudos, nas certezas, na minha retirada. Votar / dizer e sair do círculo. Ser eu a reagir, não porque sou assim ou daquele outro jeito, apenas pensar. Os filhos espalhados em estados diferentes / e importantes / bem, o Brasil inteiro importa! As escolhas dão colorido / pintam os temperamentos! A sala descreve a alma. E o silêncio desenha! Vou aceitar a sugestão, comprar tintas e pincéis! Saudade dos amigos! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres, ainda Torres, sem as dunas, sem areia na praia, com sinaleiras, ruas atoladas de carros, e as lojas incríveis, qualquer coisa, o tudo nas vitrines: comorar me alegra! Amanhã vou misturar as tintas e passar a tarde inteira na beira do rio Mampituba. Ah! O perfume da cidade-mar, da cidade rio, da vida a descascar um tempo novo…E tantos edifícios! Não sei se resta um chalé, se resta um de antes, vou calçar os novos sapatos e passear! Preciso entender.

e vou achando

não percebo, já sei, e não vou. O espelho não mostra, não adianta,… já sei.

devagar / lento e devagar este folhear.

sou eu desanimada, prepotência do tempo. brotam as buganvílias.

será que as coisas, no lugar destes sentires, mudam de lugar? Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022

Cada palavra é uma pintura abstrata. Uma superfície. Um volume. Superfície sobre a página. Volume na voz.

*

As palavras na correnteza da frase alcançam uma vertiginosa velocidade que as faz perder a substância.

O olho, na poesia nova, capta a palavra globalmente – a palavra objeto -, esta deslancha no psiquismo do “leitor” uma série ilimitada de ecos sonoros – depois de ecos de pensamento.

Então o corpo inteiro se engolfa nessa floresta de ecos.

*

A palavra é a parte visível da ideia como o tronco e a folhagem são as partes visíveis da árvore.

As raízes, as ideias vivem embaixo.

Pierre Garnier Manifesto por uma poesia nova, visual e fônica – tradução de Roberto Acízelo de Souza – Revoluções Literárias – Editora Argos