Senhora Iberê Camargo

 Maria Camargo, mulher de Iberê Camargo morreu. 002 (3)

Pensei nela durante a viagem do Rio para Porto Alegre. Estava de alguma forma perto de mim. Companheira apaixonada e fiel. Ocupou-se com esmerado cuidado do homem Iberê, tanto quanto do pintor. Participei durante 30 anos da vida deles, fui testemunha desta intimidade e fidelidade. Vários pontos nos uniam. Rio Grande do Sul, arte, amizade com o escritor de Pioneiros e Bandeirantes, meu sogro, Vianna Moog, viver no Rio de Janeiro.  Foi na Aliança Francesa de Botafogo que  nos conhecemos pessoalmente, 1974. Maria na luta contra a doença que o matou…  Maria divide injustiças e  justiça quando do famoso “acidente” que os levou de volta a Porto Alegre de Nonoai.  Organizou por data de chegada minhas cartas  de três décadas com o pintor. Lutou para que a Fundação Iberê Camargo saísse do projeto idealizado por Iberê e pelos amigos para a realidade.  E também assumiu a publicação de GAVETA de GUARDADOS. Maria pediu que devolvesse os originais do livro para entregá-los a Massi. O fato foi constrangedor, e me afastou. Flávio Tavares e eu interrompemos o trabalho, mas isso já é outra história… Na viagem desta lembrança penso que deveria ter sido menos rígida, menos apaixonada pela questão, talvez, mais generosa. A rigidez interior alardeia ciúme, ou foi a morte de Iberê que desintegrou  amizade, gerou silêncio.

Ela, como Iberê, não gostava dos meus cabelos brancos.

PALAVRAS

Carta, gente, memória, tempo, mar, silêncio, tinta, lápis e repetições, não são palavras expressivas, mas minhas. Será? Como se escolhe a cor de uma fruta, de um vestido? Um perfume para ser cheiro. Água, luz, escuridão, neblina. E esta escolha se perde porque nunca pensei em palavras, volteios sobre elas. Arandelas! Expressar. Expressivo sorriso escondido que eu vejo nos teus olhos! As palavras se puxam, ou travam com nossa falta de habilidade, ignorância, desconhecimento. Elizabeth M.B. Mattos

Na ponta dos dedos

Estupefata! Não com a possibilidade de não vires porque uma bomba  sempre pode cair em terras aleatórias. Estupefata com a descoberta deste meu novo egoísmo, e desta racionalidade. Tardia observação tão bem manifestada me surpreende. Surpreende porque volta com renovada carga de culpa, e responsabilidade. Então foi somente minha a culpa de não ter visto, nem acreditado nos teus esforços dirigidos ao amor.  Aliás, como tudo o mais, no que se refere tua longa narrativa sobre unilateral encontro infinitas possibilidades de amorosidade antes desconhecidas. Como pude não perceber? Então devo acreditar que não te amei com tamanha intensidade e sofrimento! Seguro esta bola de fogo penitentemente. Desapareceram idas e vindas furtivas, esperas amorosas, e também o para sempre. Nunca te ocorreu que o racional chega meio ao choro e decepções de encontros frustrados?  Uma carga de defesa natural? Palco de desejo e possibilidades anulado. Fantástico teres imaginado, volteado, ou pavoneado sobre vivermos juntos!  Não compartilhas sequer da virtualidade. Tua carta surpreende, não por não teres chegado, mas por duvidares, afinal, do que denominávamos nós. Tenho apreço pelas tentativas. E paradoxalmente  ainda te espero. Não neste verão atípico, agora, mas amanhã, ou em qualquer futuro. Assim, seguramos o amor na ponta dos dedos. Elizabeth M.B.Mattos – fevereiro 2014

Experiências caminham

030Pessoas incomuns, meus pais.  Cultivaram estranhezas porque sem medo, avançaram sem medo, plantaram árvores, escreveram livros, criaram filhos, e sempre tiveram cães, mais de um… e amor de amor.  Adoro esta foto.  Eram bonitos. Humor. Acreditavam! Pura beleza a lembrança e a imagem, esta foto! Os tormentos são todos meus! Incêndio no coração. Que saudade! E.M.B. Mattos – Porto Alegre – 2014

Namoramento

Por que não entendo nada de casamento? Porque faltou piscar o olho, namoro, rompimento, e volta. Encontro, discussão, voz. Tempo. Em tempo, e fora da hora. Do encantamento. Faltou coragem. Só covardia no sentimento: Antônio, José, Artur, Julio, Carlos, Fernando, Roberto, Alberto, Pedro, Francisco, Manoel, Antônia, Fernanda, Roberta, Julia, Carla, Marcela, Renata, Albertina, Francisca.  Namoramento, amores, casamentos.

 

 

Esquecido na gaveta

Talvez um trabalho comunitário pudesse me encantar quando jovem… Despida de vaidade, afeita aos sacrifícios, numa vida mais monástica, voltada para o outro, ou apenas monástica no ritual que produz beleza. Abnegação, pitada de heroísmo. No entanto vivi na boca do turbilhão. Hoje a solidão, a quietude tem uma vontade despida. Descanso somado a nostalgia natural do envelhecer.

Um beijo esquecido na gaveta me acorda, mas logo estou dormitando.

Dizer adeus

No fundo de seus olhos azuis houve um lampejo, um brilho intenso de tristeza. E raiva. Que cena tão simples havia sido lembrada? Tão mansa e tão dilacerante. O dia que tudo terminou? Ou a certeza que neste tempo já não há mais luz? A entrega definitiva, sem volta, sem perguntas esvazia expressão, altera voz, e olhar. Os sonhos não são os seus sonhos, nem são suas as escolhas, ou decisões. Aos poucos se assimila a vida do outro… A esta entrega chamamos amor. Perdoa se eu o feri ao abandoná-lo, também não deixei de me ferir. Descobrir o vazio, este enorme nada também doeu. Temi você pensar que eu me reservava à parte mais agradável de nosso amor sem me preocupar em deixar-lhe o lado desagradável. Não é verdade. Se fracassei em dar-lhe a felicidade que um grande amor deveria proporcionar, quero te dizer que também eu me senti infeliz por fracassar. Você me fez falta de todas as maneiras, em todos os instantes, e a ideia de meu erro, por mais de uma vez me fez absolutamente infeliz. Assim eu procuro restabelecer a mesma convicção. Vozes, odores, toques, rosas, petúnias, hortênsias e cravos, laranjas, pêssegos e morangos. Sem esquecer as amoras azuis, e das lágrimas que me sufocam neste momento de adeus.

FEIO e BELO + beleza = o escrito

Depois de disputas e desencontros com a beleza retomo a vontade avassaladora de ser bela, linda, enquadrada no prazer de um olhar, na suavidade ligeira e tocante do desejo. Como resgatá-la? Como desfazer o equívoco? Ou como foi não recebê-la como dádiva? A beleza tem um tempo efêmero de consciência. Depois termina. Depois se desmancha na mesmice de caminhos sempre abertos, facilidades comuns, desperdício de qualidades, de dons. Tantos foram os não aproveitados. Misteriosos sim, mas o resultado?  Zero. Timidez? Equação comum da beleza, facilidades. Desvio. Súbito uma foto, um olhar, o escárnio, a ausência. O peso desta dor-difícil. Desaparece o brilho. Retoma coragem. O feio se arrasta como grilhão, prisão…  E agora como compartilhar esta feiúra ofegante, construída? A negativa. Tantos não conhecem a facilidade desta beleza doada com tanta bonomia… A fome, o desejo, a futilidade, um desprezo do fácil chega como apelo. E a nominada beleza se transforma em falta. Surge como falta essencial ao abre-te sésamo da conquista. E o feio se estratifica numa foto, num meio sorriso tímido, na careta transtornada da emoção. E o nublado da tristeza se afigura passado, fim, término. O enterro atropelado, às pressas, de sentimentos outrora fáceis, fluídos… A velada e contida tristeza está no peso daquele gesto que parece folha outonal, amarelada, dourada, perfeita, mas sem conotação do avizinhado inverno… O feio, o disforme, o deslocado, o tropeço ensaiado de não poder ser, fazer, ou estar se estratifica congelado no que será um sempre. O feio é o limite, o último passo pesado do ponto. Por que não podemos suportar o desfazer da beleza, a troca, o despojamento frágil de aceitar a feiúra sem graduá-la nem julgá-la? A beleza se apresenta triunfante. O pequeno ser feio, ou o grande despojado irregular, disforme se fecha na inteireza do momento solitário. Um estranho paralelo. Este é bonito, este é feio. Este começa aquele segue. Este triunfa, aquele outro se afunda. E a beleza se apaga… lá dentro a luz, o brilho, as certezas obscurecem nesta caverna invernosa. Toda a fragilidade se apresenta como certeza certa, terminou. A beleza na sua essencial vitalidade constrange, se reconhece superficial, mas assim mesma essencial. A beleza seria o suporte de um tempo de permanência e facilidade… Um conto de fadas que eterniza o E foram felizes para sempre. Não existe um para sempre no vagar deste olhar pro belo, deste alimento fortificador que a beleza produz. Como se pode um dia afirmar que o belo não seria agregador?

Carreguei a beleza como um peso morto, um obstáculo. Em que curva esquisita do caminho significou dificuldade, obstáculo? Ou foi apenas um capricho do meu julgamento? Desfigurar o belo é pecado contra a vida. Um pedido de perdão! Ser belo, segurar a beleza, encerrar o prazer desta fluidez é sinônimo de eterno, de pra sempre. Assim mesmo percebo o perigo de forjá-la porque é voluntariosa. Tem o seu próprio caminho, e não se desfigura, ou desaparece… E também não está mais lá, não é mais a mesma curva, nem o mesmo ritmo, ficou esquisito, estranho, feio, outro caminho, sem perceber a essência desta beleza pousada. A beleza vem de dentro, como o reflexo no espelho. O outro lado.  Simples assim? Aquela tela, este mar, aquele caminho, a pedra, o livro, a mesa, uma cadeira Pantoche da Lattoog,  a palavra, o lápis, a rosa, o vermelho tanto como o amarelo estão ali, belos. O que estou a procurar? A sombra nesta foto não é da beleza, mas a tomada de um momento… Esquerdo.

Mulheres doloridas e belas

images (2)Explicar o sentimento. Dar a receita. Transformar em risada tua angustia. Solucionar entraves. Desfazer o zelo em consolo. Contar da ansiedade miúda. Engodo, mentira, e o faz de conta da infância… Igualar sentimentos. Afeto certo. Respeito. Visão destorcida da paixão que por si só explica, ou justifica. Desmentir o pavor interno de possível rejeição. A escolha de estar apenas em si mesma, luxo excêntrico. O jeito errado de não ter medo. Ser indesejável na solidão consciente. A festa de balões verdes… Trauma da infância ilegítima, e sem mãe.  Marilyn Monroe. O sentimento do abandono. Expor, recontar, repartir, inventar. Queixas ranhetas, lembranças esquecidas: um guardanapo com monograma. Livro encadernado de vermelho. Ordem. Beleza. Excesso na simplicidade. Um tapete branco. Hortência. O retrato. É preciso sentir amor no milagre escondido, na natureza humana, do desabrochar da flor, na chuva, na terra, na areia do mar…. Procurar no sentido absoluto porque tudo já está encontrado, achado. Explicar desejo. Certeza absoluta. O fio imaginário na estante cheia de livros não lidos, sem pó. O escuro.

Subiu as escadas até o terceiro pavimento sem dificuldade. Bateu, tocou a campainha. Logo a porta se abriu devagar, por inteiro. Eugênia vestia azul. Cabelos puxados para trás. A expressão lisa, talvez feliz, abraça Olivia. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro 2014 – Torres

Sem ROTEIRO

Depois da dor, daquela dor dura e persistente, o corpo parou de suar. A cabeça afundou no travesseiro. A mulher enrolada nas cobertas, braços apertados ao corpo, ou presos, ou amolecidos… O volume humano na cama.  A cadeira de riscas geométricas ficou menor, a mesa abarrotada de livros, papéis, e caixas completou o desalinho. Desordem. No chão vestido, meias, sapatos virados. O quarto foi mudando de cor:  azul, violeta, depois vermelho. Finalmente o perfeito da noite. Ruídos da rua sobem pelos degraus com a velocidade natural do som; entram lentos, comovidos. Janelas se fecham mansas. Ela não acordou no dia seguinte, apenas no meio da tarde do outro dia. A dor desafiando, pretenciosa, com pompa.  Eugênia se conformou. Olhou para os comprimidos, o copo vazio, levantou medindo os passos. Abriu janelas pro vento fresco. O rosa, o branco, o amarelo das folhas se dobraram… Tempo enganoso. É preciso medi-lo com relógios, badaladas, números. O sentimento se acomoda no medo. Ela não sabe por que está ali tão cansada! Não há motivo. Apenas sentiu a dor, tomou o remédio, e se entregou.

A beleza daquele copo esquecido na mesa, junto as frutas, perto do pote violeta, transparente, neste momento redefine o espaço… sentimentos. O banal precioso. Olhar o tempo através dos objetos. Recontar a história matizada… A percepção zela este caminho. E se não puder olhar, pode escutar o silêncio, o gato, os carros, a luz no movimento das cortinas. Pode? E o cheiro de jasmim, doce, enjoado também descreve…

Deixou a água escorrer, encher a banheira. O cabelo ficou azul, o corpo uma espuma. E voltou para o mergulho. Repetidas vezes brincou com o perfume. Acomodar-se na vida do outro, entender, ouvir e ficar. Uma ideia confusa sobre a convivência. Expandir a dia numa hora solta com aquela conversa banal sobre peras e maças, farinha e beijos. Uma matemática difícil. Uma gramática impossível. Da dor para o olhar, do olhar para a ideia.

A dor invade, atrapalha. Volta para a cama. Desta vez as pernas se alongam, retoma a medida certa do colchão. Ocupa o espaço inteiro da cama, e volta a dormir.

 

Então?! Temos que voltar a escrever. Como? Assim mesmo, sem pensar, como se fosse um…Exatamente o quê? Diário? Carta, uma carta. Relato na terceira pessoa? Um nada. Um pulo. Eu.