Duas, ou três…O silêncio sacrifica. E o excesso perturba. Onde estará o meio termo? Aquele equilíbrio descompromissado do começo do amor? Quatro palavras, uma linha. Um sorriso. Tua mão! Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2013 – Torres
Mês: maio 2013
MANGÁ
A correspondência que não caminha pelo correio, nem por letras japonesas, nem desenhos, nem cotidiano, nem cartões, ainda pode ser a descoberta, o caminho para o amado. A cor, o traço, o pincel no mangá. Ainda assim, e quase sempre a mesma história…,a minha, a nossa.
“Eu não te contei nada até agora… Mas vou casar na primavera do ano que vem. Por isso, eu só vou poder escrever cartas a você, deste jeito, até o dia da cerimônia. Eu sei que estou sendo egoísta, mas você pode me compreender, não pode? Eu sou uma pessoa afortunada por ter conseguido trocar correspondências com você durante mais de 10 anos, desde que me formei no ginásio. Independente do conteúdo da carta, receber e ler suas cartas me trouxe muita felicidade.
Você sempre torceu por mim...”
(p.122) Bakuman
Tempo de Magliane
Estou às voltas com o tempo que abocanha esperanças, complementa certezas. Interroga a perplexidade. Incoerência, inconformismo. No entardecer o vizinho coloca seu barco-brinquedo na lagoa, e as horas escoam nas manobras de ir e vir. A distância da margem ao centro da lagoa, o desafio. Este ir e vir da lancha a motor, caça ao tempo… Lazer, prazer, vagar, sem desafio. O nada de horas e horas ditas vazias! Aliviar a tensão. O mesmo efeito da jardinagem: remexer a terra, cavar, podar, afofar, cortar a grama, libertar os galhos, colher as frutas, as flores… É o tempo! O livro certo. Atada na cadeira. Não, logo a mente se desvia. O tempo se remexe… Altera a velocidade. Posso ver o dia se fechando. Os pássaros, o cheiro, a luz invasores! Levanto os olhos pro nada, e já não tenho mais tempo. Posso ver o trabalho agitado, apertado da pintura de Maria Lidia Magliane! Eu me curvo.
Ágata, Esmeralda
Era uma vez um alguém… Esmeralda, Ágata, Rubens, não Eduardo. Era uma vez a ansiedade. Escrevo. Elas, as histórias, esbarram na incompetência. Repito: conto histórias reais porque a vida não é real. Desafio. Reconheço o inferno: ardência, fracasso. Terror imediato. Sinto o movimento no estomago. Sinto o pânico roer a dignidade. Não consigo aceitar o razoável. Nem bons ventos, ou boas chuvas. Bom sol, boa bebida, nada justifica. O corpo pesado aperta minha alma. Apatia, miséria suicida. Miséria visual. E este peso nos braços, no corpo! Se eu morrer é preciso que saibam que foi tudo equívoco, eu queria viver. Vou pedir outro café, acender um cigarro.
Bolsa azulão
— Há tanto de humano nesta rua, nos canteiros, até nas árvores… As folhas se fecham em arco! Mesas e cadeiras. Toldos… A natureza da cidade é diferente. Na mesa o pão, manteiga, suco, fruta cortada. É a melhor refeição. Padre Chagas, Moinhos de Vento, Porto Alegre. Rio Grande do Sul. A queda, uma perda, as marcas! Sinto tua falta. Minhas costuras não têm linha, não uso dedal, nem agulha. Ainda tenho os livros: leio mapeados por anotações tuas! E não estás aqui! Sofrer a felicidade como diz Proust, ou ter apenas o colorido quente do dia? As vitrines, abertas a imaginação! A possibilidade. Então visto aquela saia longa, a botina marrom, uma camiseta verde escura colada no corpo, e aquele blusão cinza com as pontas longas… Linda a bolsa azulão! Bebo mais um gole de café. E me pergunto: Quem são estes novos homens sem lei nem ética que abrem os braços? E brilham! Em princípio não me importo, depois me aborreço…
Crianças da lua
Rousseau inventou as crianças, elas acordaram, saíram das amas de leite e começaram a falar… Até aí tudo bem. Mas as duas grandes guerras inventaram as mulheres. Elas saíram para trabalhar fora de casa, substituir os homens mortos na guerra. Bem, isto é história… Espiaram o mundo pela primeira vez? Não, apenas se libertaram dos machos, e descobriram que pensar, ou fazer era possível. Dolorido. Complicado, mas possível. As mulheres surgiram guerreiras, autoritárias. Queixosas? Não, isto ficou enterrado no fim do século dezenove. Depois das Bovary de Flaubert, veio a Ema de Ibsen que abandonou o marido e vida doméstica. A Marilyn Monroe. Elas queriam o sexo do jeito delas, ser ouvidas. Estar nas ruas, como os homens. Ser reconhecidas. Abandonaram os corpetes, as saias largas, mostraram o corpo. Conhecer o fumo, o cigarro, e o álcool era importante. Ler também. Alfabetizaram-se! E as crianças? Cresceram. A informática, os desejos, as exigências de hoje acompanham este novo mundo infantil-adulto. Pai e mãe saem de casa, trabalham, lutam, investem, querem, e as crianças estão crescendo livres, cada uma com seu psicólogo possível. É bom? Ser livre como a mulher se desejou livre? Deve ser. Ninguém voltou atrás. Como fazer sexo é liberdade e domínio do corpo. Trabalhar pertence ao homem e a mulher em igual condição. Onde estão as crianças? Afogadas na própria condição de ser crianças: cheios de desejos, felicidades e alegrias. Elas, as crianças, querem sua cota de felicidade, não podem imaginar que exista dor ou sofrimento num mundo tão cheio de prazer e individualidades. Elas não têm mais modelos a ser seguidos, mas homens-robôs poderosos, guerras, conquistas, heróis. Eventualmente pai e mãe. Onde estão as nossas crianças? Na lua. Um dia chegamos lá.
Dentro da casa
Faz frio. Tem sol. A luz está dentro da casa. E as buganvílias começam, tardiamente, a florir! Tenho verde, e o cinzento da lagoa. Elizabeth M.B. Mattos – Torres
Retrato
Sinto aquele aperto no coração natural nos apaixonados. Estar contigo parece magia… Mas sinto o mesmo medo de sempre… E foi assim, presa no terror de te amar, ou de sucumbir ao amor que não chegamos ao amanhã. Esquiva, sempre. E ficamos presos enjaulados. E para sempre. E eu me imagino pousando para o portrait que não pintaste… O mais lindo de todos.
Lado a lado
“Senta um pouco aí nesta cadeira, estica as pernas. Vou buscar o vinho.” O perfume da casa, as rosas do vaso, os copos e o tinto… Tudo pronto para que o tempo seja apenas o tempo. A bandeja polida. Ah! Tanto para explicar! Quero ouvi-lo, principalmente, preciso ouvi-lo. Ele continuava imóvel com os olhos fixos nos quadros que ocupam a parede inteira: retratos. Observar, observar e esperar o momento certo. A humanidade presa na moldura, adivinhada… Sinto a surpresa dele. “Trouxeste para o Rio Grande Sul o Rio de Janeiro. Tua casa tem luz natural. O carioca carrega o verde pra intimidade da casa.” Mas aqui o inverno nos transforma por dentro, respondo. A sacada é verdes e violeta, um jardim. Aproximo a pequena mesa do sofá, vou buscar a bandeja. José abre o vinho. Lento, medido nos gestos. Silencioso. Controlo minha agitação. Guardo reserva. Mentalmente lembro-me da última carta invasiva… Do silêncio para a turbulência. Começa a ler em voz alta o parágrafo sublinhado no livro aberto, em cima da mesa grande cheia de lápis, livros, pastas e revistas: “Tédio, tempo arrastado, frio compacto. Mais tarde compreendi que a falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim nesta promiscuidade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho. A vida comum é fenômeno social escolhido, voluntário, ao contrário dos companheiros de presídio, estes são impostos pela sorte aziaga e niveladora de instintos e não pela vontade selecionadora de inclinações. Inconscientemente todos os detentos sofrem quando em promiscuidade, bem mais do que sozinhos com seus devaneios ilimitados.” Dostoievski. “É espantoso! Cada parágrafo é interioridade, fragmento humano. Somatório de homem, alma, e sofrimento.” Levantou a voz: “Estamos os dois confinados! E tantas vezes nos envolvemos com grupos idiotas! Idiotas, inconsequentes. Somos apanhados na rede da vaidade! Um castigo! Nunca estamos onde realmente queremos estar. Aliás, nem sabemos com quem gostaríamos de estar. Nada sabemos. Deixamo-nos levar pela rotina.” Fiquei surpresa com a expressão dos olhos, a voz.. “Reais? Sei lá… mas precisamos uns dos outros!” Voltou a falar pausadamente: “E nos jogamos no cárcere… Aceitamos o carrasco. Ser punido e receber recompensas. Apenas sorrimos quando queremos ver um sorriso. Uma mímica interna. Mas, há sempre a possibilidade de dizer não!” Ficamos silenciosos os dois, e bebemos o vinho devagar, quietos lado a lado.
Educar – identidade
Educar é silencioso, paciente e gentil. Vertiginosamente as pessoas se multiplicam, e nem sempre com gentileza. Equívocos de valores nos surpreendem. A educação se constrói paciente com o exemplo, a curiosidade, na fala. Ensinando o olhar. Apoiando os gestos! Dela fazem parte exposições, idas ao teatro, consertos, conversa. Livros. E bons programas de televisão. Os hábitos de alimentação, as horas de sono, outras conversas, o respeito entre as pessoas… O silêncio. A leitura. A casa é o principal instrumento. Repetimos. Imitamos. Aprendemos a olhar a planta, o animal. Na outra pessoa outro mundo, não estranheza, mas complementação. Respeito. A ignorância pesa! Se as janelas estão fechadas não reconhecemos a luz. Se não escutamos a boa música ensurdecemos. Se não avaliamos o prazer da leitura encolhemos! Estacionamos. A pintura, o que se possa chamar beleza também precisa ser ensinada, medida, o olhar! O olhar através da máquina fotográfica… Não é a tecnologia que qualifica, mas o que selecionamos ao observar. O feio contorna o belo. O limite não pode ser a lente. Não em dólar ou em euros a seleção. Equívoco. E o mundo não tem flores, pássaros e cães bebê, gatinhos, além do mar, do céu, da terra e das pedras, mas pessoas. Os seres humanos e suas escolhas. As respostas estão aonde não imaginamos. O prazer, o reconhecimento da educação. Valores silenciosos: lençóis macios, a higiene, o cuidado com o objeto utilitário, o perfume da boa cozinha. A escolha do que vestimos. O cheiro. O saber fazer. A educação está no alimento, no manuseio com as frutas, os legumes. Entender o sol, a chuva. A casa é como um navio, todos os detalhes importam: luz em excesso danifica, a falta de calor traz umidade, o mofo… O mar maresia, o rio insetos, na mata nos perdemos… A beleza está no respeito a este fazer com as mãos, com o olhar, com o gesto. Como dizia minha mãe, para mandar é preciso saber fazer. É este fazer que faz do homem comum soberano. Referências estão guardadas na memória. Num repente a evidência… A cópia do monge, o olhar. A volta. Os lugares inusitados, mas estava lá. Valorizado segundo a posição.Tão familiar como transparente. Pertencia ao meu mundo. Quadro foi pintado em 1866. Não eram flores, nem paisagens, era o monge de Cézanne. Não do agrado geral. Como O muro Rosa de Caribé desaparece entre baianas, ilustrações, e o branco e preto do pintor. Um Cézanne! Anita de bolta! Não o comum, mas o particular. Reproduções de selecionados pintores estavam nas paredes, não eram pratos, nem retratos antigos. Era o pessoal. Mais tarde estiveram nas mesmas paredes da casa jovens pintores como Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves, Darel, Aldemir Martíns, Scliar, Xico Ferreira. A estranheza pessoal! Identidade não se transmite.