Paulo, meu querido, estás bem. É isto, ao menos, o que eu acredito. Leio apenas o que desejo ler: pessoas surpreendentes, somos nós. Cegas. Surdas. Arranca de ti a dor…
A fresca do apartamento me ajuda neste verão porto-alegrense. Segue o sonho: acendo palitos de fósforo e imagino: passar no concurso, resolver as questões com o dinheiro (a falta dele), escrever um livro, voltar ao magistério. Quebro a lógica. Verdade? Sonhos, sonhos que oxalá terminem com a neve do inverno. Adaptando – me a Porto Alegre coloco na vida pedacinhos coloridos de confetes. Tua última carta deixou – me inquieta. Desejos se partem egoístas, tu radicalizas, e teu mal-estar me assusta. Desejo que vivas muito, muito, mito, mais do que eu posso viver. És imortal. Eu te quero perto de mim, sempre. Amigo querido! Eu, de natureza lenta, preguiçosa sequer me volto, para a luz, sigo no escuro. Paraliso. Outras vezes escrevo, outras dedilho o piano, e penso aos soluços. O que imaginas que faço melhor? Aguardo as cartas. Tenho lido menos, pecado mais. Rezo. Peço perdão. Não adianta. Ao cinema? Novas culpas. Se eu passasse no concurso! Uma das tuas boas ideias, vencer, mas sem estudar muito e muito, apenas milagre, perdoada. Reavalio a vida picada em pequenos e imediatos prazeres, cheia de confetes no cabelo, na boca, na fantasia deste carnaval. Estou como nasci. Estas meninas vieram ao mundo para ser abonadas pelos pais e ou pelos maridos. Filhos, abraços e beleza imóvel. Beleza imóvel, sorriso certo. Sem pecado.
Eu fiz tudo errado: separação, divórcio, abnegação, nada produtivo. Prazeirar. Sol do mar, risada leve, embalo distraído. Família cedo, separações imediatas, depois estudar… devagar estudar, mas tão pouco! Quase ao acaso. De uma cidade para outra, aos empurrões. Orgulhosa demais, obediente e passiva em excesso. Era uma vez...e, claro! Foram felizes para sempre! Fórmulas mágicas! O sempre imediato, azul e rosa sem contorno, e a floresta verde, verde e verde pontilhada de frutas coloridas, e perfume a embriagar. Ah! Meu amigo! Ri mais do que estudei, o piano estourou em festa! Dancei mais, e muito, não poupei, não guardei, não fui previdente. Hoje, hoje e agora. Céus! Dei aulas de arte de português e nada sei de acentuação, da pontuação e das letras, se apenas a sintaxe fosse minha! Magistério esticado. Nunca dividi dividendos: entreguei aos maridos o lucro. Sem lutar, a respirar empurro a vida. Errado. Não sou persistente. Fraca. Nunca estudei o suficiente nem o necessário! Escolho errado. Papel, plantas, lápis e canetas, livros. E as paredes? Extravagância no perfume, na seda dos lenços, no vinho e nos licores. Ah! E os discos de vinil! Brinquedos, fantasias, e copos de cristal. Fotos, tanta fotografia, tanto sonho de papel!
As coisas são pedras. Estas podem ser recolhidas / colecionadas. Perdi a ambição. Choro pedras. O voto de pobreza não me salva. Deslizo gulosa em direção as cerejas, as amoras, as uvas e as laranjas. As maçãs vermelhas, e o pão e o vinho. Sou tua guardiã. Colcha de acasos. Chavões. Por favor, te cuida, meu amigo querido. Elizabeth M.B. Mattos – de 2005 para 2019 – outubro – de Porto Alegre para Torres