de noite

Antes de cair no sono ontem à noite, ordenei à minha mente subconsciente que se lembrasse, ao despertar, do último pensamento em minha cabeça – e deu certo. Sonhei contigo e voltei correndo pra ti…

voltei ao Rio de Janeiro, 1973 – tanta vida, tão pouco tempo, 1974 ficou tão completamente diferente!

em fuga, um exilado

Quando eu estava pintando um quadro – ele explicou – achava que deveria estar cuidando da minha conta bancária. Quando estava cuidando da minha conta bancária, pensava que deveria sair para uma caminhada. E quando, no meio de uma longa caminhada, chegara a três quilômetros de casa, concluía que deveria estar, naquele momento, diante de meu cavalete. Estava constantemente em fuga, um exilado em todos os lugares.” (p.26) Isak Dinesen (Karen Blixen) SOMBRAS NA RELVA

o curioso de pensar o tempo todo, de fazer tanto isso ou aquilo pra segurar a inquietude se transforma numa mesma coisa do nada

quanto a escrever? o que pode ser? já foi dito tanto de nós mesmos que duvido, agora, de tudo

teremos chance de aplaudir o novo, ou voltaremos, em outubro, para o mesmo do mesmo que nos trouxe desconcerto

não consigo pintar uma tela num único dia, nem terminá-la em quatro anos, já tentei doze anos, passei tinta óleo, raspei, recomecei, e não consegui / voltar aos mesmos pincéis, gastos, endurecidos, parece incoerência…

um novo desenho, por favor! tenho pena de mim!

o texto de Karen Blixen volta / gira /refaz a vontade: errar e desconcertar querendo…, o novo: não sei o quê nem como.

preciso parar para me concentrar / um projeto, preciso de um projeto. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres – fora do exílio, em casa outra vez

não podia /não posso imaginar

não posso acreditar que ao esquecer as datas, esqueço o acontecido.

nem posso imaginar que estou a rever filmes e reler livros, quando tantos importantes esperam…

nem que a louça fica empilhada sem ser lavada,

as roupas empilhadas na cadeira, e que deixo o café esfriar

não posso imaginar indolência e distração assim continuadas.

sempre achei que não terminaria nunca a curiosidade, a novidade do novo.

o tempo não seria/teria esta largueza, nem tédio, nem passaria tão apressado, descuidado.

não posso acreditar que olhei uma foto de casamento, mas não vi a noiva, vi todos ali, menos a noiva

observei a beleza da minha mãe, a serenidade do meu pai e a brejeirice da irmã,

não vi a noiva.

céus! sentada no primeiro plano; peço desculpas, não sei

não posso acreditar que acabo de dizer o que não penso, e penso no que não posso dizer.

não consigo acreditar nos desastres, nem que fui a Lajeado conhecer teu irmão, ou estive em Buenos Aires, dentro de uma mala, ou que tenha descido do teu carro pela janela (a porta enguiçou) quando cheguei a Búzios (risos),

e sou fiel.

não posso acreditar que revisito velhos amores ao lado do amado!

não posso acreditar em mimoseiras, nem nos jacarandás: gosto dos jasmineiros, das buganvílias, das pitangueiras.

não posso acreditar no que penso, ou sinto,

não posso deixar de ser alienada e distraída, mas protegida pela armação polida,

concentrada, fico/permaneço atrás do escudo

não posso acreditar!

vou dançar o baile

não posso acreditar na felicidade surpresa! tão surpreendente é . Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022- Torres

passagem

Passagem de trem, voos de avião, corridas de automóveis, e memória revirada, atravessa a leitura: em Torres eu me encontrei com o silêncio, com a minha autonomia -, finalmente, sou eu mesma. Mas foi em Santa Cruz do Sul , foi em Rio Pardo que fiz amigos, não, acho que foi no Rio e Janeiro, ou as cônegas, no Bom Conselho, no tempo de colégio fiz amigas preciosas, ou em Porto Alegre?! Mas acho que a liberdade chegou em Torres. Aqui me libertei para ser feliz: eu estava/estou completa: eu, era/fui tão completamente feliz e encontrada! Descobri meus segredos. AMEI – AMEI COM COMPLETA E CEGA ENTREGA!….Agora já rastejo o tempo. Ninguém toca e acalma o sentimento de ser feliz! Vaidade e vaidade, e poder, e poder! O que eu tenho em Torres? Um longo trabalho a ser feito…, vou conseguir. Precisarei de um apoio, um sinaleiro para chegar mais rápido. A loucura é apenas minha. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

sintonia

Impressionante o efeito de um dia de sol ameno depois do frio cortante… Um passeio que não termina, uma manhã gorda e caminhante, tanta luz! Talvez o inverno volte pra se despedir, ou mostrar poder, mas hoje, hoje a sensação se estende pelo corpo, e as janelas deixam o ar invadir a casa. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres, em sintonia com a temperatura.

miríades

“Na vida somos miríades.” Henry Miller

Meu querido, o mês termina, circular, o mesmo do mesmo. As manias, também, as mesmas. O silêncio escasso. Escuto o que não quero; sinto o gosto de metal em tudo o que como, gosto de metal ou de flor, cheiros indevidos, e sinto frio! Claro, tens razão, uso pouca roupa quente, e não coloco meias. Espirro. Pequenas e intrigantes dores de cabeça. De certo o vento. Hoje amanheceu parado. E a temperatura se eleva tímida. Sol. A lagoa se movimento, um privilegio ter água tão perto, e poder entrar todas as horas, na natureza. Não me chames de presunçosa! Estou instalada na natureza como que integrada! Abri todas as venezianas, a luz invade todas as peças. Acordei os livros, as tigelas, os quadros, as poltronas e todos os plurais. Cansei da dita propaganda política, cansamos todos. Faz tanto tempo que decidimos em quem votaríamos. os candidatos seguem sendo eles mesmos, melhor assim, sem fantasia, nem surpresas. Ou voltamos para trás, ou ficamos onde estamos, quem sabe nos surpreendemos? Cansados para mudar. Falo por mim, e estico a sensação de amolecimento. Tenho comido mal, e me preocupo, tomarei decisões, comprarei energia colorida. Importante. Leio fatiado como gosto, mas me exaspero também. Tenho que assumir alguns livros que não terminam… e me surpreendo, recomeço, volto ao início e sinto uma onde de prazer! ah! Robert Musil segue perfeito, nunca deveríamos listar as nossas qualidades, elas não existem. Somos desenhados na imperfeição de ser. Sinto a tua falta. E como! Aquela certeza gulosa de conversas perdidas! Insano o tempo de repartir! Quero tudo apenas para o meu prazer, acumulo! Acho que vou voltar para a cama! mas hoje trarei flores… Volto a te escrever quando o dia se aborrecer, agora vou para festa! Um beijo. Eu te quero. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

remexida, apalpada, visitada esta lembrança


Lindo o teu poema, gostosa e amorosa carta. Abres o Amoras acarinhando com doçura boa. Senti o abraço. E quando descreves o FT o descreves como ele é mesmo, aquele que esconde a vaidade, e, se humaniza devagar. Muitos gritaram contra/ pela morte do Noll. Sou toda amarrada para navegar, preciso de muletas, e nem sempre o João está disposto. Hoje ficou comigo depois da escola. Este neto me ilumina. O outro mais distante, me encanta com sua arte. Diferentes. Voltando ao Noll, tenho lá minhas ideias… Conversaremos. Eu também passei o dia pensando em ti e neste método estranho de comunicação paralelo escondido e tão visível. Mas quando te escrevo estou noutra pele. Agora quero só te dizer que não mudei o final do poema. O certo e o bom verso é o teu. Lindo! O meu era um grito de raiva. Eu não quero enamorados velhos, mas velhos, antigos, enamorados… Aqueles de muitos anos. De eras passadas, eternas. Aquele poema virou minha cabeça porque diz do amor de sempre daquele que se imagina daquele que embala e que se desdobra em muitas vidas, etéreo. Eterno. Simboliza o para sempre. Adoro teus poemas ZEN mesmo não sendo devoradora de poesia. Poesia é gênero sério, autoritário e perfeito. Aliás, quero ler o artigo, o que escreveste sobre o assunto. Manda para o meu e-mail e4mattos@gmail, ou publicamos no Blog. Todos gostaram do poema. Fizemos, tu e eu, duas vozes de um jeito bom / certo. O Amoras agradece. Adorei os vasos e as mesas. Pode ficar lindo! Mas e o sol e o vento? As plantas precisam de abrigo também. De abraço. Perfeito não ser gremista. Se vamos torcer que seja para o Internacional. Bom que sou como sou e que és como és. Vou aprender a sair da minha ansiedade ávida. Vou acalmar o tempo de esperar sem me espicaçar… E voltar pros livros e as limpezas que acalmam. Estou a me preparar para ver a filha em Recife. Preparo/arrumo o coração para entrar no universo de Brennand, comprei Diário de Francisco Brennand (uma aventura em 4 volumes): tudo se mistura porque sou inquieta, e, sem disciplina, fico a vagar nas sensações, espero/atenta/esperando a tua nova carta.

P.S. Tu te referes ao Amoras de forma lírica ou sei lá o que é… Eu me senti remexida, apalpada, visitada. Mulher e inquieta. Será tudo isso? Elizabeth M.B. Mattos – Porto Alegre

Ainda tu

Caminhei apressada e cansada. Estás tão presente! A manhã cinzenta, amuada, sem vontade. Já chuvisca. Cheiro de calçada molhada, bom cheiro. A chuva vai descer forte. Gosto. Penso em ti obsessiva: estás inteiro, sem desvios, ah! tuas narrativas que invadem a casa! Ficas ao meu lado, ocupas todo o espaço. Eu me atrapalho, é pequeno meu lugar aqui. Ocupas espaço físico quando me escreves. Assim eu te sinto. Se as coisas viram / se transformam e agitam, somos nós dois. Perturbas o dia com a sensação certa/completa/exata da tua sedução. Sinto teu cheiro, e tens o meu nas tuas mãos. Sim. Deve ser o cheiro a perturbar. Penso no mundano, no social. As pessoas arrancam horas preciosas de intimidade: precisamos delas para nos descobrir. Olhar e ser no silêncio. Pessoas são exercício complicado. A terapia tem espelho e o prazer da escuta, voz. Eu gostei. Recorri em momentos difíceis. Santa Cruz do Sul, depois em Porto Alegre, outra vez, sempre para tentar me livrar das dependências emocionais, precisar menos e menos das pessoas. Deveria fazer como tu estás fazendo, recomeçar com o amor a si próprio. Tentar outra vez, treinar esta coisa de falar, ou me permitir… Tenho apreendido contigo. Aliás, acho que sempre te amaste muito ( é bonito te saber), percalços, outra história. Quanto ao dinheiro. Eu tenho diferente relação com o dinheiro. Tu sabes o que é ter muito e muito e a liberdade. A fartura e o bom… de alguma forma estranha eu…, muito esquisita minha relação! Sou desprendida e gastadeira: dureza recomeçar do zero, mas com certa alegria de festa, a independência. Enlouquecida a trabalhar, e foi bom. Talvez me libertar do casamento tenha sido a melhor parte. Dos pais. Do poder. Dizer não importa. Divagações. Sim. Conversar seria muito bom. Tenho medo de atropelar tua voz, e me engasgar. Digo melhor escrevendo, eu me afundo conversando. Engato uma primeira, quase arranco na segunda e acelero descontrolada. Pronto, sou só voz, e, minha ansiedade agitada atrapalha. O outro tem que pedir silêncio, tempo , voltar e ter firmeza. Esta coisa de conversar no vídeo, eu me acho horrível, e ou, estou de camisola (pra desgosto), céus! Quero tanto te olhar, mas sou uma desajeitada, não consegui ainda… Sei lá se podes imaginar… Deve ter uma boa explicação gostar de estar sozinha, ser sozinha e ponto. O telefone, tens o número, segue o mesmo, o número q dei pro neto ao fazer 8 anos (5 e 3) + o ano que nasceu…eu guardei. Dizem que projetei vida nele, as emoções todas. Netos significam continuidade, o espaço é deles / dá prazer proporcionar. Tudo um agora futuro. Amor brotando com generosidade. Ufa! A luta de viver! E agora te amar no tremor! E não estar! E contigo! Eu te espero! Demoras! Igual eu te tenho! Espero. Elizabeth M.B. Mattos – depois do silêncio de tanto tempo! Que estejas bem! – agosto de 2022 – Torres

P.S.

Cozinhar, lavar, limpar, passar roupa, tirar o pó, ventilar a casa, colocar os travesseiros no sol. Pendurar as roupas no varal, recolher. Espiar o sol. Prazeirar com chuvaradas. Limpar os armários, comprar flores. Abastecer a geladeira, descascar as frutas, dividir. Pois é, acho que sempre fiz isso, no tempo de ter pai e mãe (aprendizado), e, na escola com as Madres. Casada, separada, divorciada, em viagem: sempre, um sempre esticado, com algumas subtrações outras somas. A diferença, hoje? Faço apenas pro meu prazer. Sem hora, nem cobrança, num dividir sonho e realidade, juventude com envelhecer. Falar muito e passar dias, e, outros dias, em silêncio. Reinar. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres