ultimo dia de 2016

Chove, alaga, refresca, azula o céu. Esta é a combinação de fim de ano, de último dia. Vozes e vozes no movimento dos filhos, dos netos, dos amigos. Latidos se misturam com alegria de um ano que termina, mas é começo… O trágico e a verdade se alternam na gargalhada irônica do tempo. A tampa do panelão Brasil  retirada: surpresa, alívio, recomeço no/do ponto final. O mundo se agita amedrontado com ataques terroristas. E os homens se reconhecem vulneráveis, mutantes. O cheiro de medo se alastra… A coragem perfuma. Estamos preparados? 2017 espia e o dever do amor se apresenta. Gosto destas despedidas,  e destes inesperados reencontros. Recuo, depois avanço. Mistura fortificada por dúvida, depois certeza. Começo a reconhecer o tempo de envelhecer como o tempo de florir: o bom fica perto, o descuido se afasta zombeteiro, engraçado. Haja céu, haja vento. Haja luz calor, depois frescor. E este prazer que se desmancha no corpo ao sabor do vinho.  E da água gelada. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2016 – Torres

Atabalhoadamente

Se eu penso em amor penso em ti, se eu vejo alegria instantânea como ela é, penso em ti. Se amo o amor eu te amo solto sem jeito … Crescer fazer acontecer deixar pegar ser ter de largar beijar afagar pensar …

Penso em ti ao telefone, no telegrama, no avião, no ar, na terra, nas cartas, no trem, nas calçadas de Copacabana … Ipanema, Leblon,  na beira da lagoa penso em ti. No vento também penso em ti. Atabalhoadamente serenamente intensamente na mente penso em ti.  A criança que sou embala o menino que és.  Festejamos este Natal, e que  2017 nos encontre de mãos dadas apertadas … alegres.

varias

Feitiçaria através de um retrato

I fix mine eye on thine, and there    

Fixo os meus olhos  nos teus, e aí

Lastimo minha imagem ardendo nos teus olhos. / A minha image afogada numa lágrima transparente / Descubro,quando olho mais para baixo. / Descubro, quando olho mais para baixo. / Tivesses tu a maldosa habilidade / de matar através de imagens feitas e desfeitas,  / Por quantas formas não executarias a tua vontade! / Mas agora bebi as tuas lágrimas salgadas, /E ainda que mais derrames, eu partirei: / Desaparecida a minha imagem, desaparece o medo, / De que possa ser lesado por tal arte, / Embora retenhas de mim  / Ainda uma imagem, seguramente essa estará, /

Being in thine own heart, from all malice free.

Dentro do teu coração, livre de todo o mal.

p.123  Poemas Eróticos  Ed. Assírio&Alvim , JOHN DONNE

 

Transformo a raiva

Não sei se deveria pensar e pensar, mas existe o que vem na esteira do possível como arrastar cadáveres. E nem são exatamente mortos, mas lembranças desarrumadas. O que nunca existiu dança um tango. Violência escondida no discurso, palavras não são impotentes… O trânsito da tragédia, do choro, das dores flui numa catarse de rascunho, um esboço. É o possível. Sim, há uma representação na narrativa. Acho que é isto. Não o mais fácil nem o mais difícil, uma representação.  A narrativa tem avesso e direito, este certo e errado tem borda. Uma história atrás de um nome. Não posso escutar o nome. Tinha um apelido. Mas é o nome que respinga para todo o  Francisco, Raimundo, Frederico, Paulo ou Fernando, Antônio…  O julgamento se arrasta. O pequeno se explica atrás da saia da mãe, das irmãs, de uma Maria, ou de uma Rosalinda. Menino dengoso. Julgamento reflexo. Uma explicação? Modelo engessado. Viscoso e hereditário. Não tem pessoas com mais ou menos bondade, ou mais ou menos generosidade. Mais ou menos honesto.  Mais ou menos caráter. Tu és arremedo, nem história inteira, episódio. Se não esqueço é porque não consigo perdoar. Não é minha esta maldade, mas passa a ser…  Vaidade e sedução, ou uma excessiva credulidade. Uma gentileza na gentileza do sorriso, alguma coisa pequena e grande ao mesmo tempo. Tropeço, avanço, generalizo, escapo, interrompo. Mas estou no porão, a remexer o caldeirão. Não vou melhorar nada, transformo a raiva. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2016 – Porto Alegre

Nos encontramos numa contramão qualquer. Fiz um gesto de carinho sem parar e sorrindo falando. Ele saindo eu entrando. Ele indo, eu chegando. E aquela frase convencional, apressada. Que bom te ver! Vamos marcar um café, ou qualquer coisa destas que se vestem de formal gentileza. O outro tem certezas que não temos. Pegou a estrada, e veio/foi olhar o mar.

Desculpas de amar/gostar espalhadas na casa da Vitor Hugo, por que ia me ver? E quarenta  anos depois para enxovalhar  esta memória… Machucou para justificar. Não sei contar a história, aliás, não tem história, mas um personagem, uma conversa confessional, o choramingo … E esta lembrança engasgada.

Edvard_Munch_-_Shore_with_Red_House_-_Google_Art_ProjectEdvard Munch

Sem sem sem sem saber…

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Muita chuva. Aquela chuva pesada e forte. E o cheiro de terra nestas bandas do lado de cá. Vontade de estar do lado de lá, e ver o mar. Estar perto-longe parece pior, pior. Gosto de ter os olhos na risca cinza, depois da Ilha dos Lobos, no mar. Acompanho as mutações. Sinto o cheiro da maresia.  E confundo tudo.

….este Brasil me parece estranho, esquisito. As caravelas estão chegando, outra vez avançam em nossa direção. E vão atracar, espoliar, levar, esvaziar. Teria sido tão bom se fosse diferente, se tivessem navegado por amor. Apenas confraternizar.

E penso outra vez nas estações. A primavera, ou já é verão, (?)…   Ventosa, cinzenta. E agora com chuva pesada. Atordoada com o que ouço, vejo, pressinto. Incoerente sentimento de querer e apavorar.  Estou partida, dividida. Sepultada numa terra que escorrega, não esconde, esfola. Ansiedade. No desacerto os objetos saem do lugar. Caminham perdidos pela sala, escapam das mãos…,e, se escondem. Embora possa ser abraçada, confortada há o vazio gélido no abraço. Um despropositado caos. Esquisito não conseguir acalmar. Caminho pela chuva. Corpo molhado, mas está  ressequido, esquisito. Elizabeth M.B. Mattos – 12 de 2016 – Torres

POEMA de Luisa Neto Jorge

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Luísa
NETO JORGE

 

INDEX

A magnólia

A porta aporta

Difícil Poema de Amor

As sofridas amoras

A quem se interesse

As casas vieram de noite

Venho de dentro, abriu-se a porta…

Poema quase epitáfio

 

Esclarecendo que o poema é um duelo agudíssimo quero eu dizer um dedo agudíssimo claro apontando ao coração do homem falo com uma agulha de sangue a coser – me todo o corpo à garganta e a esta terra imóvel onde já a minha sombra é um traço de alarme

LUIZA NETO JORGE

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demorado e ventoso

Penso em ti como se amanhã já fosse o abraço de olhar um no olho do outro, penso em ti desproporcionalmente ao razoável. Perto e tão perto neste longe cheio de faz de conta. Penso em ti.

Coisas não ditas pairam no ar e no silêncio. E tu me ouves.  É como se o tempo não pudesse passar, como se a infância jamais acabasse, nem o encantamento. Nem o desejo de tocar na tua mão. Então eu te beijo demorado, molhado e ventoso: sem pudor. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2016 – Torres

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Eu te beijo demorado, molhado e ventoso, na ventania de amor…

Um equívoco

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Meu amigo querido, amado:

Talvez o/um equívoco seja o final do jogo. Não sei. Não sei exatamente por qual motivo interrompi o processo. Parei de pensar, parei. E a memória começa a falhar. A lembrança está/parece a se esvaziar. O que se faz urgente neste momento? O que é estar vivo?  Uma prova. Há uma restrição mental que se presta às circunstâncias por complacência, mas não as reconheço no seu coração. A coragem sangra.  É acaso o desinteresse pela indiferença que murmura  …

Está ventando bem forte por aqui. A fraqueza  acampa dentro de mim. Está instalada. Tudo desproporcional. E o vento, o vento que venta leva tanto vento de encontro as janelas, as frestas e os vidros sacodem imóveis   …    Um verão sem verão. No tabuleiro as soluções. A rainha e o rei atordoados, os peões gritam. As torres parecem firmes. Os cavalos correm ….  Eu parei.  Onde tu estás meu amado querido?

Como seria olharmos para o nosso eu, ou o nosso duplo, alguma coisa assim. O inverossímil. Alguém que somos, mas não podemos ver, nem entender. Afinal julgamos o outro, amamos o outro, estamos sempre no contraponto do outro, e nós mesmos, quem somos? És aquele que és sem  que eu saiba quem és. E eu sou sem me imaginares possível  …  Vou investigando, arrancando raízes, adubando, aplacando ansiedade. E penso que tens razão quando dizes que ter um bom dia!  Ter um boa noite, ter um esteio, ter um amado, ou ter um amigo importa. Estou fora e esquecida. Prisioneira desta fantasia. Assim hiberno neste verão, mas faço as malas. Vou para mais perto, ou mais longe. Faço as malas. Estás a rir de mim? Pois é assim ser achado e perdido …  Estar e não estar.  Isto é uma prova imposta. O/um fim providencial. Sem dúvida a renúncia. É quando não se espera mais nada para si mesmo, que se pode amar. Vou ao teu encontro.20160207_183205