roubo

Alguns acertos de vida, e pronto, estelionato, roubo, usurpação de poderes. Um de dois, neste acerto, ou um de três, ou de cinco, quantos forem será o sugado, haja benfeitorias, lucros, e, sei lá mais o quê… Em casais comum, lá vai a juventude, a independência, a herança, o sucesso, a plenitude… Um jogo de ganhos e perdas. Esquisito pensar nisso, mas me dou conta, num repente, nestes jogos de ganhar e perder. Há sempre um desavisado, muitas vezes vaidade cega engole o verdadeiro motivo. Ou será que não nos damos conta, nos esquecemos, por um minuto, quem somos e se queremos… Estou a me lembrar do primeiro namorado, primeiro baile, primeira surpresa. Primeiro desencontro. Primeiro amigo. Primeiro susto. Perdi o rumo… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2023 – Torres

subir

Subir os degraus, escalar, avançar parece natural, possível, chegar ao topo, ou até o meio do caminho, sei lá, ir adiante… O mais complicado e difícil me parece o descer. Tenho mais medo de cair ao descer, será que este medo danado pode ser a dificuldade de aceitar o limite? As conversas no Morro do Farol, ah! Gostávamos de subir, espiar o pequeno cemitério e ver mar lá de cima, a Ilha dos Lobos, depois o navio, ou os destroços. O Morro das Furnas. Torres nos pertencia. a lagoa do violão uma possibilidade. Este esforço de tentar… Interromper, descer, paciente, e voltar. Voltar ao começo, esta é a questão. Reencontrar. Recomeçar exige esforço dobrado. Elizabeth M. B. Mattos – julho de 2023 – Torres

o mesmo do mesmo

esquisito como a pessoa / ou eu / apenas este eu possa voltar ao mesmo amor mil vezes amado, ou nenhuma vez amor, sempre a incrível vontade de ser /não se trata de ‘para sempre’, nenhuma jura, nenhum tempo tão longo, apenas aquele sentimento de…

pois é, na verdade, tudo que for dito ou repetido invalida a sensação. os escritores / os poetas / os sonhadores / as pessoas, os filósofos, os deuses se apaixonam pelo amor. Elizabeth M. B. Mattos – julho de 2013 – Torres com sol, num inverno a se despedir – céus!

ordem /desordem

Nesta ordem sem régua / ou trégua, mais vendável vou ensaiando tempo, isto quer dizer, voltando para recomeçar. Naturalmente, sempre, seguidamente as voltas, estas do tempo, saem do ângulo, ou seja, não permanecem estáveis. O que se publica num dia / na hora / no minuto de se fazer ouvido fica do avesso, ou falsete… Esganiçada voz / som a se dizer… Autobiografia direcionada. Aos casamentos, aos amores que nem amores foram, mas o selo da hora. Os encontros são os da hora. E o casamento / com parabéns e fogos, soluções, e filhos, e certezas incertas. Qual a ordem da narrativa? Os pais / as casas / os filhos / as incertezas? Confuso.

Nesta arrumação de estantes, livros abertos, limpos, e escovados, separados entre lidos, a serem lidos, memórias, diários, confissões… Classificação: não há. Tendências. Fotografias perdidas, achadas. Estranhezas. Revelações? Alice no País da Maravilhas, Lewis Carrol absolutamente lúcido com cartas às suas meninas / as descobertas instantâneas da vida / não esquecer a condição do século, da luzes, e das noites escuras.

Natural não ter consequência com as brincadeiras… Reavaliações parecem esquisitas, não são. A escrita surpreende. Estou mais ou menos, ou totalmente, perdida atrás de uma foto amarrada num livro, ou um livro entre livros, autores, os meus, os teus. As fofocas… Conversas de corredor, íntimas, reveladoras ou veladas. As pessoas importam. As pessoas importam mesmo quando não existem. Alguns personagens se escondem atrás da porta que deixo aberta, quase sempre aberta, mas fechada esconde uma porta de armário, nada prático… As casas pequenas, as vidas guardadas, mesmo encaixotadas, saltam… A solução é o H O J E. O número do telefone, não se usa mais o telegrama, ou flores que inundam o dia numa surpresa. Estou divagando. Elizabeth M.B. Mattos julho de 2023 – Torres – mas gosto de ser Rio de Janeiro, Montevideo, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Rio Pardo, Limoges ou Paris? Ainda não conheço NY / e nem a Amsterdã, aliás, nem a mim mesma eu conheço.

explicações

Explicação parece repetição de um fato incompreensível, explicação pode ser desdobramento, depois, mais adiante, quem sabe, esclarecimento. O desnudamento não faz nenhum sentido se a percepção / atenção / olhar não estiverem aguçados, interessados.

Suponho que somos fatiados, se eu vestir aquela roupa, linda, única, feita sob medida, ajustada ao meu corpo, arrumar os cabelos, colocar os brincos, os colares e levantar a cabeça poderei conversar calmamente com os visitantes… E todas as partes, aos poucos, irão se ajustar. Num repente o todo. Eu.

Ontem os quadros foram limpos, as mesas esvaziadas, os cantos examinados, e o ambiente me pareceu domado, perfumado.

A cortina despencou sozinha, as buganvílias desfolharam com o vento, e a comida não ficou apetitosa, mas igual coloquei os talheres de prata, as taças Saint Louis e o doce era português.

A reunião se completou na alegria, e as rosas interferiram… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2023 – Torres

semelhanças

De tantas semelhanças, ou desejos certos de repetir, aprimorar a ideia escava-se / aprofunda-se o gosto amargo de despedida / desprender / largar. Poderia ser sem angustia, liso forte, sem sofrimento, nunca é…a cada encontro, a cada chamada uma certeza dividida. Talvez o dia devesse ser organizado e pensar não fosso conflito. E temos fatalidades… preciso concordar com a dieta e com a beleza. Vou agilizar…algumas feridas doem. Qualquer conceito se escondendo. A força, a energia, o fazer sempre , sem se assombrar, a doçura. Estou perdendo o nomear e a graça, vou aos fatos desenhados. E.M.B. Mattos – julho 2023 -Torres

liberdade na pauta

Em nossa época, a ideia de liberdade intelectual está sob ataque de duas direções. De um lado, estão seus inimigos teóricos, os apologistas do totalitarismo – hoje se poderia dizer fanatismo – e do outro seus inimigos práticos imediatos, o monopólio e a burocracia. No passado […] a ideia de rebelião e a ideia de integridade intelectual estavam misturadas. Um herege – em política, moral, religião ou estética – era alguém que se recusava a ultrajar a própria consciência.

(Hoje em dia) a proposição perigosa [é] que a liberdade seja indesejável e que a honestidade intelectual seja uma forma de egoísmo antissocial.

Os inimigos da liberdade intelectual sempre tentam apresentar sua tese como uma proposição da disciplina contra o individualismo. O escritor que recusa vender suas opiniões é sempre marcado como mero egoísta. Ele é acusado, isso sim, ou de querer encerrar-se em uma torre de marfim, ou de exibicionismo da própria personalidade, ou de resistir à inevitável corrente de história em uma tentativa de apegar-se a privilégios injustificáveis. [Mas] para escrever em linguagem simples é preciso pensar sem medo e se alguém pensa sem medo não pode ser politicamente ortodoxo. George Orwell – 1945

E as evidências voltam e se contorcem, estranhamente, por mais inventiva esperta alerta e inteligente a pessoa se repete, e repete o outro, e o sempre, o sempre se revira numa tentativa de ser único, especial… Mas se repete. Assim eu vou desdobrando este diário, amorando sem cor, muitas vezes, apenas, namorando. E estás tão distante, tão oculto, tão perdido até da minha memória, das conversas, dos beijos, das carícias e da saudade. Distante da saudade que sinto de ti, e que sei lá, talvez, não tenhas de mim saudade nenhuma. Hoje eu me revirei esquisita assim a te pensar sem te escrever, sem choramingar a me tocar, tocando em ti, meu amado querido. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2023 – Torres

Salman Rushdie

Cruze esta Linha Salman Rushdie: Excesso de publicações e excesso de publicidade criam deficiência de leitura.(p.78) Em defesa do romance, mais uma vez

Como eu vou explicar que a leitura… sei lá, quando desdobro, quando eu me entrego, o meu tudo se contamina, eu transcrevo, não escrevo. Fico tão mínima no meu mínimo que desapareço dentro do livro, mal respiro. Como este calor estranho dentro do inverno, como… qualquer analogia, ridículo. Ah! É verdade, conversar pode ser desdobrar e o silêncio um discurso importante. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2023 – Torres

calçada

Calçada que não termina, caminha nos pés. Solução. Sufoco e não sei o porquê, ou não ouso confessar, não quero me convencer. Já não sou eu, mas a outra que resvala, coloca o pé na poça…

Escrever dói a cada palavra, ou dói o não explicado. O tema de amar o amor se esvaziou, desarrumou na tua ausência. As cartas não se envelopam, mudou o jeito, e lembrar não resolve, se espalha um tédio triste, este verão no inverno, ou o inverno desistindo, não sei… Elizabeth M. B. Mattos – julho de 2023 – Torres

embaralhado demais

Cartas embaralhadas, gosto de jogar, aceito. Mas eu me perco confusa com o tempo, com a hora, ou foi o filme? O cinzento implacável. O feitiço. Roupas torcidas, alguma coisa me confunde / os aniversários dos filhos se misturam… Com certeza minha irmã acerta: as pessoas precisam umas das outras. Que nos cerquem e movimentem as horas, interfiram. Ou sou eu a me isolar, e, nesta quietude afundar estranhada. Ontem a roda gigante, o carrossel, e hoje o silencio. As horas de sono erradas, misturas com as certas. A fome, talvez seja apenas fome. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2023 – Torres