V I O L Ê N C I A

Pisoteamos, não pedimos licença, pisoteamos pretensiosos. Mesmo assim brota, enverdece, floresce caminho da grande violência. O cheiro doce de pão, ou mingau com canela, bananas ao forno?
Ausência. Ausência. O piano batido, dedilhado, ligeiro, cheio, vazio. No ar! Remediada esta dor pela música: braços e abraços. Lençóis macios, travesseiros empilhados. O estalo da lenha, os nós de pinho sangrando, escorrendo. O cheiro da cera. Os cães, os jacarandás.
Não ter a mãe, não ter o pai, ficar sentada no meio fio da calçada, não pedir licença, nem perdão. Exceder, não comer. Choramingar. Desaprender. A violência brota a cada empurrão matreiro. Peteleco corretivo. Castigo silencioso. Sem palavra, no quarto, violência. Depois o desavisado da beleza, tanto olhar, tanta cobiça! A beleza se espalha pelos ombros, ilumina pelo esverdeado olhar, dança mansa, pés pequenos, delicados. Tímido bailado de pele morena. Elizabeth M.B. Mattos  – maio – 2005 – Torres

CHUVA de FOTOS

Maio com chuva, o veranico terminou, mas o frio não se apresenta inteiro, ameaça. Umidade, e sonoridade do gotejado pesado destes pingos ininterruptos. Noites mal dormidas, sonhadas; revisando imagens, conversas, até o susto, a notícia da televisão. A mãe no sonho, linda! Ombros redondos, levemente roliços. Vestido decotado, e bordado com flores coloridas, pétalas salientes. Inclinada sobre a noiva, a Suzana. Comentei o quanto estava bonita, já sentada na cadeira da sala, pernas encolhidas, roupa solta, bege, os colares de madeira. Nos debruçamos sobre a imagem, a foto. Rimos. Bom que gostaste, disse, olhos escuros, mansos. Estes sonhos se sucedem com despertar. Vou ao banheiro, espio, pelos vãos da cortina. Volto a deitar. E outro sonho chega cheio de detalhes. Nestas frestas do sono, do que foi feito, dito, repasso o dia. Adormeço. Converso com ela mais uma hora, duas. Nunca apreendo o todo, escorrego. Não mencionou intimidades. Bebo água enrolada nos sonhos, e sigo sedenta.16100_882685015127511_6337562624237836712_nOdila Eu e a Joana  Torres 201211026116_882684928460853_3690492131060969269_n487409_4194522993885_499796785_n313838_2206951705845_1299849730_n20140905_223808FOTOS BETH 007027cropped-001.jpgcropped-cropped-cropped-20140801_1349472.jpg860088_10200155237156191_230604326_ocropped-maquina-de-escrever-remington-portable-n-5-7687-mlb5257362738_102013-f.jpg00420140725_094032_00320140712_150301_001cropped-20140725_033110.jpg11059723_882684771794202_2397045916128014618_ncropped-20140801_1349471.jpg007 (2)019013 - Cópiaunnamed (10)GeraldoIMG_0158images (3)005 (2)005004023 (2)

Cordas e cores

Pessoas se reconhecem pelo olhar. Beber do mesmo vinho, centralizar, escutar, falar, dizer e responder. A música importa, o livro importa, a cor, a beleza.
Observo, e me espanto.
O corpo responde. Dores precisas.
E o tempo se esvazia em menos um dia, menos uma manhã, menos uma tarde, menos uma noite. Sinto as pernas. Inchaço no coração: excesso de comida, de bebida, excesso.
Preguiça de viver. Insisto.
Esforço para me fazer compreender.
Risco, pontuo, estabeleço analogias, conclusões, depois esqueço. Nenhuma relação se afirma.
Confuso mundo de desvendar o mesmo…
Vendar, esconder, apagar. Depois abrir, e descobrir. Elizabeth M.B. Mattos

– abril de 2015 – Porto Alegre

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Proposta de AMOR

O amor tem idade?

Não, não tem idade. Saltitante esperança de criança. Saltos de coração, e frestas. Odor. Tudo outra vez… Primavera, verão, inverno, ou no outono, quando envelheço. As estações se misturam na proposta de amor, do perfume. Não importa se aos setenta, sessenta, ou trinta e cinco anos, ou quarenta. Pode ser aos oitenta, até aos noventa anos. No meio do bocejo, ao alcance da mão, a proposta de amor. Deixe a porta aberta. Sol, mar, vento, e ela se enrosca faceira nos braços do amado, cai na palma da mão. Pelas calçadas, passeio livre, sem pressa. Comer pipocas, rosca salgada ou doce. O sol no Arpoador.

Respira fundo. Aceita o inusitado. Aos vinte anos, nem precisa proposta, fala, ou explicação. Atropela encantamento de paixão! Afoga saudade. Cura tristeza, melancolia. Quinze anos! Apaixonado de prazer, abraço, beijo. Do jeito torto, ou certo, ou possível, o que importa? Que venha logo a proposta de amor… Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2015 – Porto Alegre

FOTO DAS FOTOS com as crianças

Encontro Marcado

Estas angustias impotentes, infrutíferas, circulares exasperam Elizabeth M. B. Mattos. Estes encontros ocasionais, estas vozes misteriosas cantarolando em seus ouvidos, e estes dias, estupidamente, curtos, doloridos, inquietam o coração: “Há uma fresta em minha alma”, é preciso reler, voltar aO Encontro Marcado, e aquietar urgências do Amoras.

E aqui começa a sua frustração. Habituado a superar e ganhar, eis que defronta um campo, o da criação literária, pouco adequado à vontade de competir. Porque escrever exige renúncia e sacrifício: é escolher um caminho entre cem outros, como lhe dizia Toledo, literato fracassado, citando Gide. Escrever está longe de uma competição, uma procura desenfreada de recordes: escrever é escutar o silêncio, contemplar desinteressadamente, resignar-se em ficar atrás tantas vezes, deixar que amadureçam sem pressa as forças e os elementos do próprio ser.”

Da página noventa e três de Alguns Estudos e um Fragmento de Autobiografia, Carlos Dantes de Morais. Comentando, contando Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Uma luva para quem se aventura a escrever como ofício, como escolha, como qualquer coisa que se deseja, e não se encontra, o lugar certo, o lugar marcado de realizar.

‘Há uma fresta em minha alma por onde a substância do que sou está sempre se escapando, mas não vejo onde nem porquê. Depressa, não há tempo a perder…’ Escreve Sabino:

“ Eduardo Marciano debate-se num atormentado círculo vicioso. Quanto mais se afunda, tanto mais o seu querer ínfimo protesta, para lhe despertar novamente o desejo de evadir-se e salvar-se …” Escreve Carlos Dantes de Morais.

 

Se existisse memória …

Quero encontrar no passado a memória da casa. Vejo meus pais sentados na biblioteca. Conversam. Entro sem fazer barulho. Escuto encolhida atrás da cadeira azul. Fico sabendo que tia Joana está doente, que Anita vai para Poço de Caldas com as meninas, e que eu irei, no fim de semana, com meu pai para a casa do Telmo. E, todos comentam Huxley, Contraponto parece ter inspirado Érico Veríssimo no seu novíssimo  livro Caminhos Cruzados.

Pecamos. O Papa Francisco procura explicar a liberdade de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, necessidade de controle da natalidade. Divorciados, separados são filhos de Deus. E o Papa não tem os dedos cheios de anéis de ouro, nenhuma cruz de brilhantes. Madalena lhe surge aos prantos. Ele beija as duas faces, e perdoa. Não há como seguir a igreja sem perdão, sem orar, e ajoelhar…

Quando envelhecemos sentimos dores no corpo. Os sinais gritam, e o silêncio sussurra. Está na hora. Estou com os bolsos cheios de pedras, caminho em direção ao rio. Sinto muita dor de cabeça.

Tentada por essa visão a prosseguir na reconstrução do passado, a Sra. E.M.B.M. fez uma pausa; era dada a enriquecer o presente com voos diretos para o passado ou o futuro, ou então em diagonal, através de corredores e alamedas; lembrou-se, contudo, de sua mãe – sua mãe censurando-a naquele mesmo aposento:

— Lucy, não fique aí de boca aberta,ou o vento mudará de direção…Quantas vezes s mãe a repreendera naquele mesmo aposento – ‘só que num mundo completamente diverso’, observaria seu irmão. Então, sentou-se par o chá matinal como qualquer outra velha dama de nariz grande, faces magras, anel no dedo e todos os enfeites de uma velhice um tanto consumida, embora ainda vaidosa, incluindo no caso dela, um crucifixo de ouro rebrilhando sobre o peito.”

Entre atos, Virginia Woolf, Editora Nova Fronteira

Carta e memória

Torres, 3 de junho de 1997, na memória.

Organizar sentimentos, repassar o tempo. Colocar a máscara. A individualidade se esconde atrás de nova personalidade. A máscara agrega a trivialidade da vida e do cotidiano um aditivo de coragem. Coloco a máscara.

Em pouca água nos afogamos.

“Nem um minuto mais posso esperar para te olhar outra vez. Nem um minuto sem tocar, beijar, cheirar, e estas coisas todas que temos vontade de fazer quando o inesperado se aproxima. ”

Rosas em atraso. Trinta e quatro anos depois, não, quarenta e três na conta exata. Engenheiro, não marinheiro. Navego no indefinido mar da imaginação. Atrasado, e fantasioso encontro. Verdade do quebra-cabeça: fraqueza, intervenção, não timidez. Vantagem de ser menina, outra vez, (para rimar). Entendo interrogações,  lacunas. Viajaste neste atraso com rosas cor de rosa.

“Tão pouco, e tudo. Não completo, tudo teria sido preenchido pela coragem. ”

Procurei no tempo errado, a pessoa errada. Vulnerável, não tímida, mas esperei o homem certo. Ironia. Não existe a pessoa certa. Gostar é sempre parcial. A explicação, intelectual. O intelecto nos remete a uma comparação entre o que desejamos ver, ler, ouvir. Confundimos, assim, gostar com concordar. Só se gosta do que se concorda.

A mãe, a minha, importa em todas as histórias. Genética, o escudo. Vivemos num mundo carregado de julgamentos do que possa ser certo, ou errado. Enigmático ou participativo, subordinamos conceitos estéticos e culturais ao nosso cristalizado repertório de ideias, opiniões e convicções. E nunca sabemos ao certo, o errado, o possível.

Estas rosas cor de rosa despertaram a menina. Mas não vieste buscar a mulher. Um capricho, o encontro. Confissão, e também, estabilidade carimbada.

“O prazer se sacode assim mesmo, escabelado, arrepiado, sem propósito. Talvez, ele possa telefonar ao chegar a Porto Alegre. Saia de casa, ás 23 horas, atravesse a rua, entre no botequim da esquina, compre cigarros, e telefone para dizer que pensa em mim, e vai voltar, em breve. ”

Imaginação. Não estarás do outro lado do fio. Contudo, corajosamente, escreves uma carta. E não é mais branco e preto, verdade e mentira, mas fantasia.

Aposentada, aposentadoria

Posso almoçar às 16 horas. Beber vinho português Vista, Touriga – Nacional 2012, Cabernet Sauvingnon. Gosto. Do supermercado Nacional. Não o mais caro. Bom. Experimentar. Sozinha, é verdade. Cristais comprados no Uruguai, bom preço, boa viagem, aquela coisa que todo brasileiro apertado de grana faz, compras no Uruguai. Foi divertida a viagem: comprar casacos, comprar o céu. Viagem feita, selada. A massa, o espaguete é Barilla, número 8. Claro, coloquei azeite na água, segundo o jeito italiano. Mykonos Millstone, Superior. Extra Virgin Olive Oil, indústria Grega. Não exagerei. Acidez? Não consigo encontrar acidez. Coloquei os óculos, achei, 0,5. O queijo foi ralado na hora, Faixa Azul. É bom. Na hora. Esta coisa do queijo é importante. Tenho este preconceito. Detesto saquinho. Alho. Tem gente que não come alho. Alho, manteiga, umas iscas de peito de franco. Um pouco de vinho. Manteiga, sem sal Aviação. Carioca gosta de manteiga com sal,calor! Podia ser outra, mas, no bolso, cabe Aviação. Azeite bom, manteiga, macarrão, queijo ralado. Um copo de vinho. Almocei. Depois um pedaço de queijo Cobocó da Santa Clara. Terminei o vinho, abri ontem, estas coisas de deixar para o dia seguinte… Aposentada, descasada.
Doce de leita Aviação, e o céu ficou perto. Sem muito charme. Sem um monte de coisas. Podia ser tudo francês, até a conversa, mas ficou assim, no silêncio. Um almoço às 16 horas. Abacaxi da Terra de Areia. Bom! Como é bom almoçar, entristecer, escrever. E caminhar pela lagoa… A lagoa é rasa, a calçada horrível. Estão esburacando uma praça. DEUS! No entanto, o calçamento, importante, cheio de buracos, eu diria, violentado. Calçada? Olho só para o chão. E sigo pelo meio da rua quando as pedras se amontoam… Credo! Tudo esburacado. A cada chuva, novo buraco. Asfalto para as bicicletas. A cretinice das pessoas, minha, acredito que podemos aprender! A cada chuvarada, grande inundação. Paralelepípedos são caríssimos! É caríssimo ser feliz. Elizabeth M.B. Mattos – maio – 2015 – Torres
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Coragem

Quando alguém enfrenta – ainda que com muita dor, – a sua verdade interior, sofrida embora, sangrenta apesar, ferindo, às vezes, ferido outras, este alguém sente-se bem: a verdade o liberou. Esse tipo de verdade é possível estar a nosso alcance. É a verdade possível de aquilatar.

Existe, também, uma verdade interior. Chegar a ela pode nos tornar livres. Se é possível enfrentar a solidão (ainda que como indesejável companheira), adquire-se o direito de ser. Ser é adequar a vida as próprias características. Adequar a vida ás próprias características é libertar-se através da verdade interior. Liberta-se através da verdade interior é alcançar a possibilidade de ser.

Quando vencerei os meus monstros, como encontrar o fio para retornar? Como empreender a viagem, e ser?

O amor deveria

Terça-feira, cinzenta, amarela, azul. O sol se abre, se esconde. Avisa, não fica.

A Lagoa do Violão encheu. Ventos derrubaram uma árvore, outra, algumas ainda sacodem inquietas. Calçada limpa. Gramado lavado. E a poeira descansa.

Como explicar o encontro, a saudade, e a separação?

A necessidade física, que é a origem e o fim da bela fantasia, tem de fazer parte da vida humana saudável.”

– Sem palavra, sem olhar, sem gesto. Veias abertas, cortes, o derramado sentimento de perda enfraquece… O amor entre homem, mulher, gente…,- cheio de circunstâncias e paciência. Este ou aquele? Certeza? Tristeza? Cansaço. Aceitar, não reagir, enaltecer, pisotear, e depois, esconder?

– Uma corrente de apertos, abraços, beijos, queixas e tremor. Quero contar, explicar, valorizar, minimizar, reconhecer. Verbos encarreirados. A palavra dá voltas, outras voltas. Pontuar, Subtrair.

Singelas histórias no caldo do amor…

“Para haver uma comunhão diária entre seres humanos, estes precisam ser capazes de falar uns com os outros de maneira conveniente e agradável. Isso não significa que todos vão falar ou pensar as mesmas coisas. Muito pelo contrário, Rousseau sugere que o homem e a mulher trazer oferendas diferentes para a festa, mas precisa ser capazes de se entender mutuamente e estar interessados nisso. A comunhão da compreensão e da fala é o elo mais durável entre o homem e a mulher.”

p.109, Amor &Amizade, Allan Bloom