adotar o silêncio

O homem / o ser humano tem duas almas e em tudo o que faz é instável /inseguro / assustado, embora feliz. Agarro as flores, bebo o vinho, e me envolvo contigo… Teu jeito curador, amigo, e amante. Adotar o silêncio – uma corda fica esticada – uma pessoa em cada ponta / em nenhum momento se pode soltar / largar a corda. Um exercício até a exaustão. Exercício do silêncio… Eu aguento porque te penso te penso te penso te penso, nem me importo com o espelho, apenas , eu te penso, e gosto de estar viva e te esperar, enquanto isso… eu te espero. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2021 – Torres

“Como são curiosas as criaturas!”

“Baforadas de vento quente lhe sopravam no rosto a evaporação dos jardins ao longo dos quais caminhavam, um cheiro de terra molhada, um abafado perfume de flores ao sol, de cravos-da índia, de heliotrópicos. Jacques se conservou calado. [...] Não posso dizer que seja bonita. Ela é terrível. Não encontro outra palavra. – E, depois de uma pausa, exclamou: Como são curiosas as criaturas! […] Até mesmo aquelas que não interessam a ninguém. Você já notou que quando falamos de pessoas conhecidas a outros que também as conhecem, quanta coisa significativa, reveladora lhes escapou à observação? É por isso que as pessoas se compreendem tão mal entre si.” (p.294) Roger Martin du Gard Os Thibault

10 de junho de 1997

Resolvi corrigir alguma coisa como 34 anos e não 43 anos…Estranhas inversões. Passado este tempo todo a carta ficou mais, muito mais velha, 47 anos e não 74 anos. Já falamos das coisas todas: vontade de ver, medo de ver, prazer, tempo, do que não foi e do que talvez possa ser. Já disse que li e reli tua carta mil vezes. Já fiquei eufórica e quieta / pensativa. Faz exatamente uma semana que nos reencontramos com dia e hora marcados. Tantas emoções atravessaram / cruzaram que poderia ser um mês. Quando mergulhamos nas expectativas o tempo fica diferente / fica amanhã. Talvez possamos nos ver por outros minutos, não sei, outra meia hora, ou uma hora. Espero o teu telefonema para confirmar. Ontem ao falar contigo fiquei adolescendo. Assustada eu me perguntei: como? por quê? Estou com medo de superar as barreiras: vou ser objetiva / clara / pontual: tenho medo, medo enorme de me apaixonar / amar na hora errada o homem errado. Não sei como pude aceitar tão naturalmente a tua volta e abrir os braços numa certeza de que estamos juntos e abraçados: nosso estado natural de gozo e prazer. Estou atrapalhada. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2021 – Torres

Se foi tão bom te beijar continuar a beijar pode ser melhor e ou pior; preciso parar de te pensar.

combinação de necessidades

A vida é rica combinação de necessidades, desejos, aspirações, ambições, ideais, paixões, amor e entusiasmo que surgem em várias medidas e diferentes versões naturalmente dentro de nós. A vida é uma explosão de significados. Alguns projetam o significado da vida fora de si mesmos e ficam desapontados ao perceber que havia algo ilusório em esperar que o significado viesse de fora. O propósito da vida é abordar com uma canção qualquer coisa que encontramos pela frente.” CarloRovelli, na entrevista, cita o livro de Gabriel Garcia Marquez Amor em Tempos do Cólera (adorei ler este livro), e explica: “Livro com graça e luz que retrata as muitas formas de amar e partilhar com um olhar que sorrir diante de toda essa complexidade. Uma forma de amor é a lealdade da personagem Firmino Daza ao marido. Outra é a intimidade e a amizade de Florentino Ariza com dezena de mulheres. Mas este amor absoluto entre ele (Ariza) e ela (Daza) é uma bela forma de amor que foi venerado e valorizado por décadas até que conseguiu florescer de forma maravilhosa quando os dois já estavam mais velhos.

inexplicável

O tempo corre em velocidades diferentes para pessoas diferentes.”

A noite invertida se esconde. Inexplicável hábito: não estar no lugar certo/ no hoje. Fugir do tempo num tipo certo de jogo… Tabuleiro de xadrez, mas não sei jogar! Desnecessário! Desnecessário. Os culpados (se é que existem) de sermos do jeito que somos, nós mesmos. Perdidos a andar/caminhar/ procurar no escuro, tateando. Acomodados (ou desacomodados) com estranhamento. Também com irreverentes fantasmas. Neurose do fácil e certo conhecido. Ser quem sou neste personagem inventado não resolve desajuste, não funciona. Nunca serão resolvidos complicados sentimentos. Pelo/através do mais confortável… Inexplicável apaixonar – se. Estou apaixonada. E neste estado desafiador do encantamento, estremeço. Encantamento estarrecedor das palavras, às cegas. Beth Mattos – maio de 2021 – Torres

Viajar ao passado é difícil, mas viajar para o futuro é muito fácil. Faça o que fizer você está viajando para o futuro. O amanhã é o futuro hoje.” Carlo Rovelli

intimidade imaginária

Lugares e situações. Fugas. Penso que ser difícil sair do canto e caminhar, caminhar. Surgir, aparecer, voltar. O canto parece ser o lugar dos lugares, o perfeito. Para sair é preciso enfrentar quem somos, e o esforço para redesenhar reinventar um EU pode ser batalha dura. Que o desejo de amar empurre a vontade! Num prazo de afeto, carinho e paciência explodirá uma nova pessoa. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2021 – Torres

Mas não apagamos tão facilmente as situações de lugar. Acreditamos que em toda a retirada da alma existem figuras de refúgio. O mais sórdido dos refúgios, o canto. Recolher – se no seu canto é, sem dúvida, uma expressão pobre. […] quanto mais simples é a imagem, maiores são os sonhos. […]assegura o primeiro valor de ser: imobilidade. Ele é a certeza loca, o local próximo da minha imobilidade. O canto é uma espécie de meia-caixa, metade parede, metade porta. […] A consciência do ser em paz no seu canto propaga, ousamos dizer, uma imobilidade. A imobilidade irradia – se. Um aposento imaginário se constrói em torno de nosso corpo que se acredita bem escondido quando nos refugiamos num canto. As sombras logo são paredes, um móvel é uma barreira, uma tapeçaria é um teto. Mas todas essas imagens imaginam demais. É necessário delinear o espaço da imobilidade fazendo dele o espaço do ser. Um poeta escreve este pequeno verso: Sou o espaço onde estou (Noël Arnaud)” p.109) Gaston Bachelar A poética do Espaço

Fotos desenham, elas também, o esforço de ir adiante, vencer o obstáculo. Sair do canto para saber a vida. Chegar…

o passado de hoje

Criar / recriar/ desenhar o passado, voltar no tempo, tem qquer coisa de terapêutico, e dolorido. Alguma coisa a consertar, ajustar. E nem sempre a resposta, ou a ordem prevalece, ainda o vazio. Depois eu me pergunto, existe mesmo este passado do jeito que revisitamos? Somos assim mesmo, desconfiados… qdo eu “volto” tenho a impressão que nunca captei a viagem/passagem, esta coisa de um dia depois do outro.

Acordava cedo para assistir a missa, um ritual meu. Não éramos obrigadas. Os anos de internato definiram a vida: um mundo organizado, bonito, ritualístico e seguro. Algumas internas choravam saudosas de casa, e nunca se ajustaram. Eu não senti saudade de casa. Ou (pensando bem) senti sempre e tão intensamente que esta saudade ativada desde sempre me deixou no passado, e não existia nenhum outro para voltar. Um passado que não vivi, nem conheci, mas desejei… Escrever sobre a rua Vitor Hugo. Colégios e calçadas, aventura continuada… Minha grande viagem pelo exterior foram estes 4 anos no Internato. Beth Mattos – maio de 2021 – Torres

alguma coisa fora do lugar

Cabelos escorridos. Lavanda espalhada pelas camas. Uma ordem bem a gosto da desordem habitual. No espelho aquele olhar aflito, inquietude. Tempo virado, eles dois perdidos, ou seriam eles três? Foi no final daquele ano, definiram a resiliência, não se embalariam em/por conversas acidentais. E agora esta desordem no remexido idílio. As leituras não aplacam, nem o gosto de outono invernoso. O cinzento tão do meu agrado! As decisões rompidas. E já faz tanto tempo que o dia se fechava produtivo, altivo. O jardim remexido por inventivas colorações vingava. Céus! Como acertar a pontuação, aquietar os ânimos e alcançar o que eu chamaria de produtivo, estamos perdidos nestes beijos demorados, molhados e ininterruptos. Os olhos parecem arder. As roupas me apertam. Emagrecer. As pernas doem, mais exercícios. As mãos precisam de cremes poderosos, os pés apertados no sapato desconfortável. Onde se esconde o meu senso de responsabilidade, ordem e precisão?

Desceu do pavilhão dos quartos arrastando os passos. Os ônibus das externas e semi-internas não estavam no pátio. As Madres se movimentavam ventilando as salas. Hoje a professora de francês daria suas sonolentas e cansadas aulas. Será que eu trouxe o livro de Gide com aquela carinhosa dedicatória da Lúcia! E a encadernação tão bonita! Detalhes do afeto. Acho que estes toques de mágica afinidade me fazem falta. O caderno azul do diário. A lua esteve tão bonita ontem a noite! Demorei para conciliar o sono. Tenho uma pesada preguiça, estou com olheiras. E os lápis de cor para a aula de desenho!? Sem vontade de conversar atraso um pouco o passo. O burburinho das vozes já subia devagar, estavam todas elas com seus aventais impecáveis, o meu tem sempre uma mancha de tinta no bolso.

Lembranças misturadas, afetos comprimidos no espaço de lembrar: sentido amor, vontade de respirar. Foi assim que aquela menina entrou na sala, curiosa, linda e gentil sem gostar de ser gentil. Rebelde. Experiência carinhosa, o sempre. Extraordinário viver. Aquelas trocas engraçadas de escola, do Grupo Escolar ao Colégio Santa Inês na Avenida Protásio Alves; poderia ter sido para sempre, importantes colegas, como a Maria do Carmo com quem a dividia merenda, a dela sempre era a mais gostosa. Vestígios de cuidado e carinho. Num lapso, lá me fui para o Nossa Senhora das Graças choramingando o internato que não recebia meninas de Porto Alegre. Eu consegui e foi conquistar independência organizada. Não é esquisito isso! Queria tanto!

Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2021 – Torres

alegria de amanhã

“Maldito sejas tu, se dizes que és infeliz porque desejavas uma felicidade diferente da que tens… O sonho de amanhã é uma alegria – mas a alegria de amanhã será outra – e nada felizmente se parece ao sonho que se teve, porque cada coisa tem o seu valor diferente.“(p.216) Roger Martin du Gard cita André Gide (Frutos da Terra) no livro Os Thibault.

O que completa a citação da página 212 do mesmo livro, Os Thibault, ainda Gide: “Ousadamente lancei mão de cada coisa e me criei direitos sobre cada objeto de meus desejos…“(p.2012)

Então, eu me encolho um pouco, feliz e tomo toda aquela alegria de ser desejada num gole apenas, mesmo que a fantasia e o tempo nos afaste, eu me autorizo a ser feliz no meu pequeno/voluntarioso desejo. Beth Mattos – maio de 2021 – Torres https://amorasazuis.com/2021/05/23/vantagens/

Ler e escrever ou se apaixonar ou trançar amizade e confiança, tesão, encontro desencontrado, caminha/vai/se atira na releitura dos livros lidos e amados, também no tempo… É confiança intimidade e segredo. Um passo, um passo no nosso pequeno caminho. Beth Mattos

Ana Maria M. B. Vianna Moog – maio de 2021 – Praia da Cal – Torres

Daphne du Maurier

Tantas vezes falei / contei / escutei e supliquei…, depois de gastar o que tenho, depois de mendigar, vou atrás da palavra / dos dizeres já dito, explicar.

Falta-lhe confiança; a não ser que lhe incutas. No caso dele tu é que tens a responsabilidade, querida. Que foi que disseste?…Oh! Só o tempo mostrará. Para nós não foi assim? pois então! Onde estarias tu sem mim, e eu sem ti, querida? Claro que há que ter tenacidade. Foi o caso de muitos, foi o teu, foi o meu…Só há duas coisas que importam no mundo inteiro; tu me ensinaste isso. Talvez nos tenhamos ensinado, mutuamente… Quando tudo mais falha, resta o trabalho. Pelo menos isso incutiremos nos três…(p.82)

E depois, meu querido, somos os anos que passaram, voamos como o PATO JUCA. Chega manso o que Du Maurier escreve:

Fechou os olhos e estendeu os braços; e foi como se uma grande onda de calor subisse do chão e a tocasse; havia um cheiro de terra e de musgo; sentiu o aroma dos gerânios do jardim, atrás dela. / Teve uma sensação de felicidade. Uma sensação que veio de repente e que a envolveu, sem nenhuma razão. Vinha da boca do estômago, subia – lhe até à garganta, quase a sufocando; e não sabia nunca por que era que lhe vinha tal sensação, que era que a ocasionava, por que motivo acabava logo tão depressa quanto nascera, deixando – a ofegante, curiosa, feliz ainda, mas não mais em êxtase.” (p.83) Daphne Du Maurier Os Parasitas

Juca Pato nunca teve uma existência de carne e osso. Foi um personagem criado pelo jornalista e caricaturista Belmonte -nascido a 15 de maio de 1896 com o nome de Benedito Bastos Barreto, na Liberdade, bairro de São Paulo.