Relações Perigosas

Cartas na pauta. Da Dilma, do Delcídio, da Sandra,  do Tavares, e do Manoel. Não são pronunciamentos, declarações, muito menos bilhetes. Nem decretos, ou desculpas. Avisos? Não. São cartas a serem lidas, publicadas, relidas. Não são do pôquer, ou cartas ciganas. Talvez políticas. E não são de Ruy Barbosa. Talvez a primeira página do romance epistolar: Ligações Perigosas, Pierre C. de Laclos, 1782. O jogo continua.

É preciso explicar o amor amado de ZMXCL ou FHXH, ou sabes, não te escondo. Amar é urgente. Proponho almoçarmos ao menos uma vez por semana, todos os meses, mas preciso te olhar todos os dias. Atenta ao cuidado, confiante. Acredito que devo marcar um dia da semana. Juntos, uma, duas, três, ou quatro vezes ao mês. duas vezes ao dia.  Poderás me ensinar a jogar. Combinamos domingo. Se te parece muito, de quinze em quinze dias. Sempre me atrais / tu me encantas. Eu te abraço, neste dia cuido de nós dois, e dormes aqui, naquele quarto envidraçado, verás que a noite te cobre e o sol te ilumina todas as manhãs. Eu te amo. Beth Mattos

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Só isso, agora

Sinto falta, saudade da mãe. Do pai. De ambos. De forma diferente, é claro. O tempo enterra mágoas, oculta também alegrias. Saudade parece um bicho estranho que fuça na vida da gente. Com nostalgia vou folhear estes livros. Procuro uma marca qualquer na espichada caligrafia, nas datas. Engasgo com lembranças. Penso a saudade, a memória de cada um. Brincadeira boba! Penso nas conversas que nunca tivemos. Nas confidencias. Observo o mapa das lembranças. Escuto vozes… Olho para o casaco de pele jogando no braço. O sorriso contido da foto. Base aérea de Natal. Danosa saudade.  Ficou pra trás o verde, o azul, não era rosa nem amarelo. Branco e preto. Poderia ser um vestido de alças largas, rodado. Sandálias. Não, não é a roupa que eu vejo, mas a danosa saudade.

“A avareza como o amor, tem o dom da vidência, quanto às contingências futuras. Fareja, apressa.”A. M.

“As pessoas generosas dão maus comerciantes”A. M. 

Só isso, agora…

Talvez respondas

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Adoro as cartas porque são registros, e são urgentes. Preciso dizer isso ou aquilo. Ou que te penso. Que estou surda, mas vi o teu chamado. Apenas não respondi.  Assim mesmo quero dizer que amo aquele jardim, aquela casa, aquela dobra de saudade. Outras coisas nos movem, a cada momento, importantes, relevantes. E a cabeça deixa de pensar, de escutar. A carta espera para ser lida, relida. Não importa a resposta. Já passou. Hoje tudo que demora a ser resolvido, passa. E as crianças crescem. Eu envelheço. Algumas conversas ficam irremediavelmente esquecidas.  Mas as cartas voltam. Tu voltas. Outras velhas lembranças, adiadas ficam penduradas no varal. Secam. Ninguém se lembra de recolher. Dobrar, guardar… E eu te conto que gostaria de ter escutado. Queria ter ouvido a história do meu pai, da minha irmã. Daquela senhora que chorou no ônibus, daquela que segurou minha mão na volta de Paris. Ou fui eu que tentei acalentar, interromper os soluços. Queria estar contigo agora.

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Afinal, confesso que gosto das cartas que ainda não pude ler, e das que escrevi, mas não chegaram. Estou sempre inquieta atrás de um interlocutor. Gosto de conversas interrompidas. De repente, voltam, seguem o destino. Vivas. Gosto das coisas desarrumadas porque tenho que organizar, e fazer, arrumar. E me ocupo com esta, ou com aquela gaveta. Não tem fim esta desordem, nem esta ordem. Gosto do nublado deste dia. Espero a chuva. O frescor. Gosto de esquecer porque quando lembro parece novo. E até deste envelhecer que me agita, acabo gostando porque me sinto, afinal, corajosa. Talvez faça tudo  que  ainda quero fazer. Atravesse o mar, e vá pra África. Colherei aquelas margaridas… Darei conselhos. Ficarei muitas horas no silêncio. Esquecerei… Talvez recomece tudo outra vez porque ainda é tempo de ver o céu de Paty do Alferes, olhar pro morro, tirar o inço, afofar canteiros, brincar com o Zeca e com a Malu. Contar histórias. Afinal, estou aqui. Quero dizer que te amo. E isso importa pra mim porque te escrevo cartas, e mais cartas. Talvez leias e respondas. Gosto de esperar. Elizabeth M. B. Mattos – fevereiro de 2016 – Rio de Janeiro

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Avó adolescendo

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Enquanto separo fotos em caixas com nomes, datas, devidamente, etiquetadas, eu me pergunto: Em qual obscuro lugar será esquecida! Milhares de imagens do pequeno passado. Registro. Estamos todos atordoadamente apressados! Dou risada. Atendo o telefone, o que não acontece sempre. Dou outra risada. Escuto as notícias, todas. Depois, desanimo diante da louça espalhada. A desordem.

Espio a menina que se esconde. Cantarola. Brinca, e corre. As fraldas voam. Levantam, sentam. E se afastam. O tempo de ser uma só. Imagino a história da vida crescendo, dos cabelos encaracolados. Desta voz suave, clara. Suspiro desajeitada. Nem sou meiga, nem presente, nem suficientemente presente. Onde está a cadeira de balanço, o embalo, o sossego, e a história? Por que nunca sei contar, nem ler. Nem pensar avó. Faço beiço.

Ele senta no sofá. E pergunta, sem voz, se vou sorrir, abraçar, dar os presentes. Abraço. Dou beijos. Cresceu neste tempo. Sempre crescem os netos. E através dos óculos esconde timidez, percebo doçura. Sigo rindo distraída, falando, contando da viagem, da geração Z ,– explico, pontuo. Estou eu adolescendo. Minicraft, o jogo me impressiona: vou criar o planeta. Fiz o dever de casa, li a Veja, comento. Procuro na mala os livros que comprei. Infantis. Bobos. Dou-me conto que não acerto. Mas tem selo de troca. E a biografia do Jobs? Nenhum interesse. Erro, outra vez, desajeitada. Dureza de ano, sem dinheiro, economia parada. Explico. Arregala os olhos. Assusto. Silêncio. Vamos dar uma volta? Solução.

Lá vem a bicicleta. E não vejo. Rodopia. Levanta a roda. Voa. Não vejo. Esta avó distraída, ausente. Sou eu mesma. Logo no olhar encontro o menino. O abraço. O corte novo do cabelo.  Por que eles crescem assim desconfiados estes netos? E tão rápido. É um moço.

 

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Personagem noutra vida

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Equívocos. Sem o beijo. (A última chance, o último socorro. Esticar o braço, tocar na mão! Assim mesmo tímidos e estranhados.) Como aconteceu este encontro? Justo o que não podia ser… O definitivo, completo. Ainda brincas. Fazes graça. Encolho, encabulo. A vida deveria ter sido mais justa com o amor. Culpa: penso. Se eu não tivesse interferido, se tu amasses, ou ousasses. Não sei. A última brincadeira do diabo. Fui ingênua. Vais me dizer, sempre. Nunca vieste ao meu encontro, te esquivaste. Depois de setenta anos a explicação não faz sentido.  Claro, estou insistindo. Ver nos meus olhos, entender os teus. Caminho bloqueado.

Se a vida me devolve o homem, ficarei aturdida. Não existo. Sombra, pura imaginação.  Eu me deixei derreter, desbotar, murchar. O que fazes agora? Audácia. O brinquedo. Quanto mais poderoso és, maior o meu medo.

Tenho o tamanho certo para teus braços. E tu o abraço perfeito. Na minha imaginação, mãos dadas. Sem equívoco, ao contrário. Certezas. Assim eu te vejo. Inserido na vida como ela deve ser, perfeita.

O trabalho. Nova, e já inteira, a família caiu como presente: fitas coloridas, pacote com flores. Consolo. És o meu personagem, outra vida. Beijos não resolveriam. Posso chorar. Levantei um muro entre nós dois quando falei francês naquela noite italiana. Aflita. E dizer que nunca nos beijamos! Deve existir outra oportunidade respirando para a entrega. Que venhas ao meu encontro. Perdas não se explicam. O sentimento de abandono sacode nossos aniversários. Nunca amei como se deve amar! Procurei azul, verde, amarelo. Nunca o amor. Por que te escrevo?  Porque não quero morrer sem te beijar. Milhões de vezes, próximos, e intocáveis! O olhar tira minha blusa, ou deseja. Desejada, desejei.  Fulminada, diminui. E teu olhar se desviou. Reagimos, como se o passado fosse uma brincadeira, a favorita. Incerteza. Não do sentimento. Sempre te amei. Risadas, pequenas aventuras. O sentimento fraterno. O amante. O segredo sensual. O herói, personagem preferido sem livros, sem máquina de escrever, nas rodas dos automóveis, ao vento. O homem que não toca piano, mas enche a sala de risadas.  Povoada meninice, adolescência. Ainda no colégio, através da cerca, a brejeirice. E não nos beijamos. Ser um do outro, sem tocar.

Depois de tantos equívocos, magoa. Se nos tivéssemos revelado como menino, menina. Jovem, mulher, e homem, teríamos acertado?  Ou errado. Não importa. Nunca amei mesmo por inteiro. Será que seria festa estar nua aos teus olhos? Ser possuída? Sacudida por prazer ou desespero. Saberia.

Se existe outra vida, resolvo a confusão.  Alguém, um fantasma, outra mulher, outro homem. Qualquer equívoco. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro – 2016 – Torres

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