vida de volta

Insone, inquieta. Quero minha vida de volta… Qual vida? Não sei. Minha juventude, a minha meninice, ou a infância. A infância menos, tão ou quase, ou meio solitária,  perdida nas amigas  iguais… A infância não preciso repetir. A meninice foi risonha, alegre, completa… Também não quero outra. A juventude, pois é… comecei a perder as coisas, os momentos certos por bobices. Mais desencontro que encontro, num faz de conta que não era bem eu, não era mesmo, era um esforço nublado. Depois fui me reconhecendo nas perdas, nos erros necessários, ou melhor fui / vou me achando… E agora estou a me perder outra vez. Mais agarro as pontas, mais longe fico do que importa, como, se de repente, o barro derretesse: não posso me molhar, não posso correr, não posso chorar nem doer… Estas interdições do proibido me deixa inquieta. E penso no quanto eu quero / preciso da minha vida de volta. Qual delas? E fazer exatamente o que com tanta vida…,pois é. Acho que preciso é de mais olhar, mais falar, mais tocar, mais responder, respirar mais,  apenas isso. Não sei.  Eu quero de volta… Elizabeth M.B. Mattos – Agosto de 2017 –

Luiza M. Domingues
casa da rua Vitor Hugo 229 – Petrópolis

posso avançar e recuar na mesma velocidade

Antes de mim já alguns homens haviam percorrido a terra: Pitágoras, Platão, uma dúzia de sábios e bom número de aventureiros. Pela primeira vez o viajante era, ao mesmo tempo, o senhor com plena liberdade de ver, reformar e criar. Era a minha oportunidade, […] foi então que me apercebi da vantagem de ser um homem novo e um homem só, muito pouco casado, sem filhos, praticamente sem ancestrais, Ulisses sem outra Ítaca além do interior. (p.129) Memórias de Adriano, – Marguerite Yourcenar, RJ, Nova Fronteira, 1980.

LINDAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Antes de mim as relações eram difíceis, seguirão sendo complicadas. A distância física aumenta a facilidade de ser apenas sombra/ ideia de uma pessoa, um simulacro, …  Não tenho nem toco no outro … viajo, sonho, falo sem voz. A grande solidão se estende, e sigo neste escuro proposital. O medo de despedaçar, a evidente facilidade de ser apenas aquele específico momento/ tempo/ hora /ou tarde impede de avançar, ou arriscar, de ser feliz ou infeliz. A rede silenciosa e poderosa protege. O telefone parece obsoleto, a voz não existe. E nem a distância. Estamos no mesmo barco, no mesmo mar, no mesmo embalo, mas invisíveis, e amorosamente juntos no engano. Elizabeth M.B. Mattos –  Torres, agosto 2017 –

FOLHAS maravilhosas

Pela primeira vez tenho a oportunidade de falar/dizer o que penso sem aquele medo constrangedor do julgamento. Posso avançar e recuar na mesma velocidade. Posso estar no lugar certo, e desaparecer … ninguém vai notar que fiquei encabulada, ou que senti medo, vergonha. Não tenho certeza de nada, chego e volto … posso me esconder, posso rir de mim mesma … estou na simbólica caverna completamente exposta em vitrine.

Sem um lugar certo, apenas o interior. Sozinha dentro de mim mesma. As pessoas entram e saem, aparecem e desaparecem. O telefone pode aproximar, como transformar a solidão numa cômoda ideia de pertencimento, troca afetiva e silenciosa de um nada paramentado, imaginado e colorido. Completa alegria … estranhamento!  O outro tem vida própria, familiar, trabalho, e realidade diferente! Cruzo a linha do agora e do real, estou na plataforma ilusionista de quem tecla do outro lado, … se fosse desenhar, pintar, captar a forma, o corpo, o inteiro, … o que exatamente escolheria? O rosto, o ambiente, o sentimento … a ideia … ou o nada. O reflexo no espelho? Sentes assim … projetas … eu sinto. Uma brincadeira que acontece no quintal de pitangueiras, de amoreiras, de ameixeiras … vejo a cerca, o gramado … estico a cabeça, mas não há ninguém ali … Elizabeth M.B. Mattos –  Torres, agosto de 2017 –FOLHA VERMELHA

flores mortas

Fragmento, não posso transcrever o conto  inteiro, ou posso? Não consigo pegar o ritmo, o compasso certo desta narrativa que respira, fala, gesticula e pega na surpresa o leitor. Tudo inquieta e atinge surpreende. Tem tanto e tanto neste livro do Flávio. Elizabeth M.B.Mattos – agosto 2017 –escuras estas folhasA livraria Bamboletras vende o livro  – GURIS – e vale a leitura.

“A criança feliz não se contém, necessário integrar momento, que não sabe ao certo, realidade ou sonho. Pai, e não será a vida um eterno sonho?Tu lembra, pai, uma noite eu acordei agitado e fui até a tua cama e perguntei, Pai, por favor desliga essa máquina de sonho ruim? Pai, ser feliz é sonhar  com essa máquina desligada. Pai, já sei o que vou levar para o meu melhor amigo da escola. Flores.” […] (p.113)

“O peito guarda a humanidade. Aperta quando se despede do filho. Eles se soltam na vida, mesmo o mundo ainda início, é normal. Engraçado, a pureza de presentear o melhor amigo com flores  recém – desabrochadas num inverno agonizante, e vergonha de empunhá -las, sufocando no interior da mochila. Medo exatamente de quê? A escola é perto, sequer precisa galgar ônibus. É esse o papel, empurrar filho para a vida, assim, de peito aberto. Viver é importante, meu filho, ser feliz é secundário, há que se arriscar. Enche de sonho a vida, o resto vem sozinho. Dá um beijo no teu pai. Vai com Deus, meu filho.”(p.114)

Flávio Sant’Anna Xavier, – GURIS – Lajeado: WS Editor, 2016. Ilustrações do autor.

O LIVRO GURIS

não sei fotografar

Bruxas fantasmas anjos existem e se movimentam durante a noite, durante o dia. A lucidez não caminha…  Se entendo ou posso comentar/dizer/ conversar com alguma pequena lógica/coerência, no momento seguinte já tropeço,  …quero saber se tu me pensas um pouco, apenas um pouco, ou se te proteges. Tu te escondes? ou… Imagino um monte de bobices. Se o café bebemos quente, ou morno, amargo eu já sei, ou vais me olhar e sorrir, ou não sei… Estranhezas de dentro. Onde estás? E porque não estás já me impaciento; invento o motivo, jogo uma foto, uma palavra, digo qualquer coisa sem dizer nada. Não basta abrir o livro e ler o capítulo inteiro, ou dois, não compreendo, e já levanto e faço outra coisa, qualquer coisa: assim deixei a panela no fogo queimando sei lá quantas horas… Não imaginas como ficou, … não podes imaginar.  Deveria mandar outro recado, explicitar. Então apago tudo. Quero me concentrar, não consigo. Quero te contar que a coisa ruim acaba de acabar. …a lembrança esfumaça se concentra na memória de outras memórias… E penso em ti com certa obstinação desconheço: não vejo. Imagino. Não sei, sinto. Transparente forma da intuição que me persegue…  Inquieta cavouco assunto…, e, pontual respondes, mas tu somes. Com certeza cheio de convicções tranquilas organizadas. És feliz, és o sorriso comedido da certeza. Minha incerteza. E eu te vejo perfeito consciente exato, e ocupado. Sem espaço para divagações dengosas.  Volto ao agora/aqui/ hoje ao dia da nuvem, do vento da chuva, da vontade de ir ao teu encontro. Tempo que se faz noite com ruídos, descaminhos. Um radar que localiza, sinaliza, o outro importa. E o sono não se aquieta nem dorme, se agita. Elizabeth M.B. Mattos agosto de 2017 – Torres

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a vida de volta

Madrugada. Levanto no meio da noite, durmo cedo. A cama, embora pacífica e quente me acorda. O corpo se remexe porque preciso viver, depois do café pergunto, e gora? É preciso passear, caminhar um pouco, respirar. Então sinto saudade de mim mesma,… Hoje o dia não está tão azul. Estou mais longe, longe. Quero de volta o ânimo da juventude completa, não apenas a sensação desta juventude mental, quero de volta a vida. Elizabeth M.B. Mattos – Torres, agosto 2017

o coração nunca erra

“E, como em todas as vezes que eu via ou vivenciava uma coisa bonita, pensei em Ingvild. Ingvild era uma pessoa viva que existia no mundo, tinha uma vivência própria de mundo, memórias e experiências próprias, tinha o pai e a mãe dela, as irmãs e os amigos, o cenário onde havia crescido e pelo qual havia caminhado, e tudo aquilo estava nela, toda essa complexidade enorme que é uma outra pessoa, da qual vemos tão pouco, mas assim mesmo o suficiente para simpatizarmos com elas, para amá- las, porque não é preciso mais nada, um par de olhos sérios que de repente são tomados pela alegria, um par de olhos brincalhões e provocadores que de repente se tornam inseguros e introspectivos, que tateiam no escuro, uma pessoa que tateia no escuro, existe coisa mais bela no mundo? Com toda aquela riqueza interior, mas assim mesmo tateando no escuro? Vemos isso tudo, nos apaixonamos por isso tudo, e é pouco, talvez digam que é pouco, mas é sempre certo. 

O coração nunca erra. 

O coração nunca erra. Nunca, jamais o coração erra.”

(p.65-69) Karl Ove Knausgard –  Minha Luta 5 / A descoberta da Escrita – tradução do norueguês de Guilherme da Silva Braga – Primeira edição – São Paulo : Companhia das Letras, 2017.

 

Hipódromos e apostas

“Os hipódromos confundem ainda mais as pessoas. Eles tem dois caras na TV antes de cada páreo e falam sobre quem eles acham que vai ganhar. Mostram as probabilidades de cada corrida. Assim como todos os bookmakers, as barbadas e os serviços de apostas. Mesmo os computadores não conseguem determinar os cavalos, independentemente da quantidade de informações que é fornecida. Cada vez que você paga alguém para dizer a você o que deve fazer, você é um perdedor. E isto inclui seu psiquiatra, seu psicólogo, seu operador de bolsa de valores, seu professor e seu etc.

Não há nada que ensine mais do que se reorganizar depois do fracasso e seguir em frente. Mas a maioria das pessoas fica paralisa de medo. Elas tem tanto medo do fracasso que acabam fracassando. Estão condicionadas demais, acostumadas demais que digam o que devem fazer. Começa com a família, passa pela escola e entra no mundo dos negócios. […]

Há uma porta aberta para a noite e estou sentado aqui, congelando, mas não vou me levantar e fechar a porta que as palavras estão fugindo e gosto demais disso pata parar.” Charles Bukowiski,   – O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio – LPM, Porto Alegre, 1999. (p.52-53)

Passando pela vida passada

Pede um café. O sol tímido entra pelo pescoço, a manta escorrega. Estufas aquecem a calçada, e o inverno de transparência gelada se acomoda.  Não se reconhecem no primeiro olhar. Depois a conversa se enreda no passado, na inquietação de risco …  Cinquenta, ou quarenta anos, … vidas repartidas, preenchidas. Recomeçadas a cada embalo/ empurrão ou rompante de espanto.  Palavras se atropelam ou se desviam instintivas. Riem, e se tocam. É real. Sonhos expectativas frustrações, o muro. Tanta coisa incomunicável, intransponível! Chorar, rir ou confessar, redimir não se pode, …  É apenas uma tarde gelada de inverno.

O humano insiste no amor de apaixonar, ou de amar o amor que o outro ama, … ou se lançar apaixonado cego/surdo … não vê enquanto olha … se distrai. Insiste no podia/ia/teria acontecido, mas não foi. Não cabe em apenas uma vida tantos amores, tantas despedidas, e todas as fidelidades no para sempre. Tudo e todos não se ajustam.

Meu querido, a imaginação é anterior à memória, como diz Gaston Bachelard, e se a lembrança do meu sorriso está próxima a realidade, não sei … Não lembro se  sorria tanto assim …  Imagens claras podem se transformar em gerais. Se tudo está perfeito … então é preciso procurar uma lembrança particular para dar vida à imagem geral.  Não encontrei a foto deste sorriso. O meu sorriso se perdeu, mas não a lembrança que tens dele, … como é bom pensar apenas nisso! Não acerto as conjugações dos verbos, tu foste, certamente, melhor aluno do que eu, pode me corrigir … Elizabeth M.B. Mattos – Torres, agosto de 2017.

FILHOS E RISADAS MARAVILHA DE FOTO

LINDA ESTA FOTO MINHA.jpg OFICINA.jpg RECORTADA

 

 

Leitura

” Ninguém sabe que lendo revivemos nossas tentações de ser poeta. Todo leitor, um pouco apaixonado pela leitura, alimenta e recalca, através da leitura, um desejo de ser escritor. Quando a página lida é bela demais, a modéstia abafa esse desejo. Mas o desejo renasce. De qualquer maneira, todo leitor que rele uma obra que ama sabe que as páginas amadas lhe dizem respeito. ”

 A poética do Espaço de Gaston Bachelard

Explicação…,seria tão fácil

Explicar? Não tenho explicações. Apertada entre palavras, não sei explicar. Eu também quero explicações…  Não sei por que morrer se viver é muito melhor. Por que adoecer? Por que o sentimento de perda, de abandono cresce e não diminui…  Quero explicações. Por que não posso usar sapatinhos vermelhos, ou seguir o coelho apressado? Sou empurrada pela vontade de viver, porque viver é muito bom.  Como dizer/ sonhar/ querer/ ser o que não posso ser? Sou como sou. Escorregadia, insegura, medrosa. Eu sei fugir/ acho que sei me esconder / deixar de ser eu/ representar/ escapar/ não dizer… Sou como sou. Imprevisível, desconfiada. Inquieta. Pois é, também eu quero explicações do inexplicável. O sentido de um dia chegar depois do outro, o sentido das lágrimas, das risadas. Sentimento contraditório excessivo.

A explicação ou a boa palavra, não tenho. Eu me perco nelas… Sou prolixa sou excesso sou menos. Hora errada.

A morte. A perda do que que não existiu,… Existe? O abandono se repete, volta a ser o centro…

O centro, exatamente, do quê? Não sei. Voltar a te escrever/ responder/ falar/ argumentar será outra vez uma ciranda. Os chineses colam a louça com filetes de ouro, e o mesmo pote (o pote quebrado) se transforma em um pote mais precioso ainda, e inteiro. Não sei colar cacos, não sou habilidosa nem paciente, não tenho ouro para fazer a cola. Não sei ter/ acumular/ esperar…,vou me desfazendo aos poucos de mim mesma para não ter saudade.  Nem de mim nem do outro. É um fazer desfazendo. Defesa. Proteção daquilo que possa ser um dia, e logo deixar de ser. Um jogo. A brincadeira cruel de esconder que mencionaste numa carta. Aquilo me acertou. Sou invisível. Apenas vou ficar invisível. E não sofro.  Desapareço. Não preciso dar explicações. Como morrer. Ninguém te avisa que vai morrer…,talvez porque não  se pode imaginar que vai mesmo morrer. Somos um eterno em juventude, esperança, somos mutação. Frágeis e finitos. Mas…, mas… mas, vivemos um hoje eterno. Sabemos que foi / é amor / poderia ser…, talvez, apenas no final. E o fim é quando acaba. O amor ou a vida o tempo a hora sei lá como explicar. Abandonei inúmeras vezes a coisa ruim, a hora difícil, a decepção.  Uma vez, menina, fiquei mais tempo do que era previsto na casa de uns tios…, um tempo que poderia ser para sempre. Não foi. Do Paraná voltei para o Rio Grande do Sul. Uma viagem de certo longa, ou de certo curta. Não lembro. Lembro outros detalhes. Perdi o ano escolar.  Também perdi o ano escolar porque não fiz a prova, o exame. Assinei, e entreguei em branco. Explicar? Não sei porque fiz isso, abandonei (sou boa nisso, virar as costas, e abandonar), anos mais tarde abandonei o magistério estadual, de um dia para outro. Tenho esta tendência terrível de enfrentar o problema sem palavras, sem explicações, abandonar o amor, o tempo, como de certo vou abandonar a vida, na boa morte. Sem saber, assim, fechando os olhos. E isso me assusta. Mas a minha vida não pode assustar a vida do outro, nem preencher, nem resolver. Faço o exercício porque quero/gosto de estar viva, e tenho medo. O luto deixa a pessoa seca, dura, triste. Depois que a minha mãe morreu passei muitos anos sem chorar. Já contei isso também. E quando meu pai morreu, três anos depois, eu ainda estava sem lágrimas. Acho que tenho chorado estas lágrimas todas ao mesmo tempo, hoje, agora. Não é trágico, mas um esvaziamento.  As lágrimas voltaram… E eu me escondo. Ninguém me vê como estou/sou por isso eu me conto. Estou invisível. E você me pede explicações. Não tenho explicações. Tenho o sentimento da derrota. Perdi uma batalha, mas ainda não perdi a guerra. Vencer é chegar dentro de mim, viver o sentido completo de ser livre. Desordenadamente, mas livre, tocar em mim mesma, acordar por mim, rir para mim, falar comigo mesma… antes, meu amigo, antes eu preciso de quietude, paz e silêncio. Não posso estar/ficar/responder/ compreender ou pensar o outro. Se eu pudesse ser “colhida” pelo amor como as margaridas do campo… ah! aqueles amores juvenis e perfumados que chamamos de comunhão seria tão fácil! Elizabeth M.B. Mattos – Torres, agosto de 2017 –