na vígilia

Fechner fundador da Psicofísica insatisfeito com a ciência acaba seduzido pelo espiritismo da Índia védica, sem renegar seu passado científico tenta encarar a morte e a imortalidade como decorrências automáticas da vida. Resumiu sua tese desta forma: ” O homem na terra não vive uma só vez, vive três:  a primeira etapa da vida é um sono contínuo; a segunda, um alternar de sono e vigília; a terceira, uma eterna vigília. Na primeira etapa vive ele solitário na treva. Na segunda vive em sociedade, mas isolado, junto aos outros, numa luz que a superfície reflete. Na terceira, sua vida se entrelaça com a das outras almas para uma existência no mais alto espírito, e passa a contemplar a essência das coisas imortais.” 

Lembrei do F.T. e das três mortes de Che Guevara …, só lembrei.  “O caminho que tomamos para passar da segunda para a terceira etapa não é mais obscuro do que o que trilhamos para passar da primeira para a segunda. Um leva à contemplação exterior, o outro a visão interior do mundo.” Fechner dá uma boa síntese. Estou na vigília. Que seja! Beth Mattos

escandaloso

O texto acorda escandaloso logo quer saber o caminho de seguir na letra, e dá risada! Dar uma boa aula é saber pensar e não apenas sentir, ou saber… e, o certo é que somos, basicamente, pessoas exibicionistas. (Não sei porque lembrei disso, sou exibicionista? Talvez!)

Por favor, vem me buscar! Pega meu braço, meu corpo. Beija minha testa. Aquece o corpo, esquece a dor. Quebra a noite para nascer outra vez na água do rio que brota da pedra. Quero saber se o riso das tuas lágrimas tem cor e sabor. Ouvir a terra. Ouvir a música. Estar lá do lado certo em que o mundo é mundo. Quero ter voz, cheiro e beleza. Escutar, perguntar, sem terminar de dizer. Abrir a porta, e te ver chegar sem saber que eras tu…  Elizabeth M.B. Mattos último dia de junho para nunca mais falar de amar,  não sei mas…, vou tentar. 2018

inventar

Inventar o real, ou tornar verdadeira uma vida falsa, ou mais relevante ainda, tornar falsa uma vida verdadeira. Bela tarefa para um escritor segundo Rubem Fonseca. E André Gide acrescenta: um romancista medíocre faz/escreve seus livros a partir da vida real, e o bom escreve sobre vidas possíveis.

Uma semana para pensares e eu estarei aqui quieto e prudente.” E eu me agarro a vida possível. Nos pedaços, não avanço: passo uma semana a costurar e bordar e cozinhar, no tédio. E como tu saíste do nada para me dizer tudo o que de verdade importa, … eu, de natureza lenta, e nostálgica, permaneço estarrecida e, me confesso apaixonada. Apaixonada não pelo homem real, este não conheço, mas ironicamente, pelas letras, pelas palavras. “Porque o físico é tão ou mais importante do que a palavra.” Escreveste. Depois exiges, pedes, insinuas, repetes, “mas quero te ver crescer e crescer a mulher que vive dentro de ti atolada de letras, e que te dispas destas letras todas: nudez das letras“. Estou atrapalhada com a verdade. …, “antes chamavas atenção pela beleza, e agora, sem ela, tens que continuar reinando só no escuro“-.  Imagino este escuro seria/é no abraço, no beijo, no gosto da tua pele, nos acessos de alegria…, talvez. Sexo não é nem de perto o mais difícil, ou perigoso, mas nosso intimidade derramada, sim. O ar estala com perguntas não feitas porque o tempo do silêncio me afoga. Inadvertidamente, atravesso a linha. Sim, vou voltar à ideia serena de ser aquela que pensa na palavra, no livro, no irreal, na grama. O aroma do grande jardim continua em tua pele: vento ozônio grama seca e doce como madeira recém cortada. Não. Grama úmida, encharcada de chuva e cheiro de terra, do revirado perfume da madrugada. Estou nos teus braços consumida pelo beijo. “Nem sempre os dois querem ao mesmo tempo, então…” Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2018 – Torres

EU no colégio BOM CONSELHOimagem021

 

sessenta e quadro ou setenta e dois

Agora, nada mais havia a ser feito. Percebeu que estava muito cansada, porém era um cansaço suave, acalentado e confortado por tudo que a cercava, como se sua casa fosse uma pessoa carinhosa, que a abraçasse com ternura. […] ela se percebeu surpresa, impregnada pelo tipo de felicidade irracional que há anos não sentia. Deve ser porque estou viva. Tenho sessenta e quatro e, se devo crer naqueles médicos idiotas, sofri um ataque cardíaco. Ou qualquer coisa assim. Sobrevivi, agora isso ficou para trás, e não falarei mais a respeito, nunca mais. Nem pensarei. Porque estou viva. Posso tocar, ver, ouvir, cheirar, saborear; cuidar de mim mesma; deixar o hospital por vontade, pegar um táxi e voltar para casa. Há anêmonas brotando no jardim, e a primavera está a caminho. Eu a verei. Testemunharei o milagre anual, sentirei o sol começar a ficar mais quente à medida que as semanas passarem. E porque estou viva verei tudo isto acontecer e serei parte do milagre.

Recordou a história de Maurice Chavalier. ‘ Qual a sensação de estar com setenta anos?’, perguntaram para ele. ‘ Não é tão ruim’, respondera Chevalier, ‘ se a gente considerar a alternativa.’ Para ela […] Agora, viver se tornara não a simples existência que a pessoa tina como garantia, mas um prêmio, uma dádiva, com cada dia ainda por vir, transformado em uma experiência ser saboreada. O tempo não duraria para sempre. Não desperdiçarei  um só momento, prometeu a si mesma. Jamais se sentira tão forte, tão otimista. Era como se voltasse a ser jovem, desabrochando, e algo maravilhoso estivesse prestes a acontecer.”   Rosamunde Pilcher  Os catadores de Conchas

 

imagem

Não sou o que outro imagina, nem sinto como o outro pensa ou quer, nem compreendo. Invento e concluo: um dos desastres de envelhecer é este atordoamento de gostar da diferença, ou da vida que não é a minha. Também do livro não lido, do inconsequente. Da leveza do sorriso fácil e da alegria. Elizabeth M. B. Mattos – Junho – chuva e raios – Torres – 2018

Círculo Klint

Com a tesoura fantastico.jpg

Do livro – mundos possíveis de Hilma af Klint

 

prazeirar

Eu, de natureza lenta e preguiçosa, descrente, escrevo ou toco piano? O que faço melhor? Rezo cometo pecados, e não faço … acumulo culpas. Prazeirar é um fazer? Leveza das risadas.  A cada conhecimento, a cada volta associações diferentes. Para cada mundo possível existente há um mundo possível diferente.  Elizabeth M.B.Mattos junho de 2018 – Torres

VERDE e planta CASA DO PEDRO

 

 

consternada

Tudo quero ler, tudo esqueço. Consternada retorno/ retomo ansiosa a memória. Criança curiosa, com franja. Os sapatos comem as meias e a boneca boceja. O fogo aquece seus olhos neste entardecer. Ah! que vontade tenho de voltar para a rua Vitor Hugo, 229 em Petrópolis: recomeçar tudo outra vez. Elizabeth M.B. Mattos – junho em Torres.

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miosótis

O inverno se encostou  nos meus ossos e o vento corta minhas mãos. As pernas não se mexem, os cabelos no gorro de lã. Meias grossas, luvas também de lã. Antes de sair três goles de vinho.

Um frio refestelado debaixo deste céu cinzento. Corro pelas calçadas até chegar a praça. Rosto vermelho alegria risonha. Bom voltar ao que era, sem perder o que foi e já sonhar com o que será.

Livros empilhados estufas acesas cozinha tomada por caldo de feijão e carne de panela, sopa de ervilha, torradinhas, bolinhos de carne, batatas cozidas. E sono, mais sono. Uma gripe, ou resfriado incomodado. Quero um ramo de miosótis. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2018 de volta para Torres.

 

 

espera por nós, 1963

Leitura, em tempo, refeita. Explode o que não vivemos, nem fizemos.  Pressão e silêncio. Ando corro interrompo sofro. E fica o não sentido, a estória na história neste encontro desfeito, intenso. Preso no escuro. Chamo por nós. Um  privilégio sentir: sentimos. Envelheço no espelho, tão rápido! Ou fui eu a pensar querer sozinha. Estrangular enfurecer apagar a memória. Maquiavelicamente estás a rir a te vingar. Qual o sentido deste nada?O não sentido …, privilégio ser blindado. Armadura da distância, do longe.

ausência, silêncio, euforia, tristeza,  silêncio, medo, pânico (envelheço tão rápido, não respiro, mas envelheço) silêncio

A porta está entreaberta, venta por aqui. Jasmim camélia e o verde da grama com cheiro de terra. Subo e desço as escadas. Abro as janelas. Faz azul por aqui …, gosto. E procuro por nós dois. Onde se escondeu o silêncio? Não nos encontro, adormeço e acordo. Não te encontro. Elizabeth M.B. Mattos – São Paulo – 2018

Na medida em que nos retiramos para nossas mentes, esquecemos como ‘pensar’ com nossos corpos, de que modo usá – los como agentes do conhecimento. Assim fazendo, também nos desligamos do nosso meio natural e esquecemos como comungar e cooperar com sua rica variedade de organismos vivos.” (p.37) Frtjof Capra PONTO DE MUTAÇÃO