Vladimir Maiakovski: “ Não acabarão nunca com o amor, nem as rusgas, nem a distância. Está provado, pensado, verificado. Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço juramento: Amo firme, fiel e verdadeiramente. ”
Fragmento de Eduardo Alves da Costa: No caminho com Maiakovski
“[…]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[…]”
Sentada diante da tela brilhante do computador penso o poema.
Penso na repetição marcada dos versos que fazem música, e alertam. “E não dizemos nada. […]E já não podemos dizer nada.”
É terrível acordar amedrontada pelo fazer do outro que atropela. É difícil apagar o sentimento acovardado: cedo ao grito que surpreende. O imutável, trivial reprimido. O verdadeiro escondido. Desejo apertado. E já não é mais. Sei que não devia ser/fazer assim, mas não digo nada. Silêncio permissivo, opressor. E já não tenho mais. Esvaziada me acostumo a tanta coisa proibida, a tanto desejo fatiado, tanta explosão desnecessária! E o passo, o acerto se apertam cada vez mais no quarto pequeno do esquecimento. Sem memória cinzenta ou azul. Esqueço de querer, de lutar, de desejar. Sigo abstraída, retraída, lenta. Medrosa. A massa humana conduz na mesmice regulada. E de tanto tempo passando já não consigo mudar nada.
Diz Marina Colasanti: Eu sei, mas não devia.
“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.”
É preciso lembrar que me acostumei a não sair de casa, a não falar o que penso, nem fazer o que desejo, mas não devia. Deveria, isto sim, voltar a ter coragem. Voltar a caminhar pelas calçadas, pelos parques. De manhã, de tarde, ou, e de noite sair. Sair sem medo do assalto, do atropelo, sem medo do medo. Mas a gente se acostuma ao péssimo Jornal da televisão ao futebol as novelas ao seriado, e não dizer nada, não fazer nada. Não altera a rotina que também se acomoda, se acostuma. Eu não devia ser velha, cansada, muito menos assustada. Não devia acreditar em bruxas, sapos e princesas. Não devia sorrir na hora errada, nem gritar na minha risada. Não devia sair tropeçando, nem cantado. Eu não devia, mas é o impulso que vai, o desgoverno que sai, então, constrangida, errada, aperto o sentimento, o desejo, mas sei que não devia. Vou adestrada a rir menos, tropeçar menos, gritar menos, e amar menos. Porque o amor é solto, desajeitado, livre, encarnado, azul ou amarelado, diferente, suado, esfolado. Eu sei que a gente se acostuma a medir, comedir, falar suave, sorrir, nunca rir, aceitar, mas não devíamos. Não devíamos mudar o cheiro, o rumo, o desejo deste amor galopante, comprido, solto, desgovernado, errado. O amor desta noite inteira a ler, deste dia todo a escrever, desta cegueira teimosa de não compreender. Do ódio que visita, esmaga. Não deveríamos querer, admitir ou sentir tanto sentimento errado. A gente se acostuma a ser igual a todo mundo, a copiar, a ensaiar, a representar. E não devia! Eu não devia ceder. Devia sim experimentar e gozar! Elizabeth M.B. Mattos – março 2006 – Porto Alegre