mutações

Ansiedade engasgada. Sair, ou viajar, ir. Angustia fechada, trancada. Não vou. Não consigo dominar este não ir…

Desapego da coisa pode ser fácil, mas da palavra, do sentimento, não consigo. Lenta, aflita, escorrego. Então escrevo… Esbarro no livro, na música. A desordem aumenta. Mala aberta.  Fotos, o livro de

ITACI MUTAÇÕES, o jardim da vida

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Camila Matarazzo escreve: “Sombras, formas, galhos secos, folhas mortas. Tudo depende de como você vê… Da força, da atitude de quem olha. Se você for capaz olhe mais fundo; perceba as veias pulsando. A luz se expandindo. Acredite. É possível transformar.” Imagem de borboleta.

Interrompo a tarde. Entardece cinzenta. Folhear o livro me acorda: Paulo Hecker Filho diante da foto: talos da roseira de Itaci.

“As coisas.

As coisas,

que dignidade!

Não falam.

Então escrevo, transcrevo. Volto para a mala aflita.

É apenas  mais um ir… Elizabeth M. B. Mattos julho de 2019 já com vento morno, amanhã a chuva…

Quando voltas

Cada pessoa um fragmento, mas um tudo/ um todo desaparece com ela…
A carta reproduz parcela desta exposição: pedaço com gosto de inteiro.
A chuva bate nos vidros, e passa pelas frestas. Neste mar de notícias devastadoras, sinto tua falta. Gosto quando voltas. Elizabeth M.B. Mattos – 2015 Torres

Amoras no caminho

Amoras amadurecem no jardim da lagoa. Coloridas. O vento me sacode. Desalinham folhas, cabelos, e vontade… Pelas frestas do sol, águas mexidas da Lagoa do Violão. Setembro vem batido, gritando pelo vento. ElizaBeth M.B. Mattos – 2015 – Torres

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Assustados demais

Pelo fio suspenso no equilíbrio precário movido pelo medo vivemos um dia após o outro. Escrever pode ser o arrepio da espinha como Agatha Christie descreve neste livro de memórias. Sem incluir o lobo Chapeuzinho Vermelho seria mesmo interessante? Sem maledicência, sem crime, sem responsabilidade, sem escrúpulos, sem ganância, sem poder manipulador seria o jornalismo acatado? (São mesmo perguntas?) Ouvintes, leitores, telespectadores abastecem o sanguinolento? Ou é mesmo terror, suspense.
Não tenho apenas a sensação de medo. Sinto medo. Sem metáfora … Estamos assustados demais, não é mesmo?

“[…] bastava ainda que Madge fizesse sua voz de irmã mais velha para que eu, imediatamente, sentisse um arrepio ao longo da espinha.
Por que gostava tanto da sensação do medo? Qual será a necessidade instintiva que se satisfaz pelo terror? Por que motivo, na verdade, as crianças gostam de histórias a respeito e ursos, lobos e bruxas? Será que habita em nós algo que se rebela contra uma vida com excessiva segurança? Será que é necessária à vida humana a sensação do perigo? Será que se pode atribuir o atual incremento da delinquência juvenil ao fato de existir segurança demais? Necessitamos instintivamente de algo a combater, a superar, como se fosse uma prova que quiséssemos dar a nós próprios? Se tirássemos o lobo do conto do chapeuzinho Vermelho, alguma criança gostaria dessa história? Contudo, como acontece com a maior parte das coisas da vida, apreciamos ficar assustados – mas não demais…” (p.55)
Autobiografia, Agatha Christie

O tempo passa

Li e reli várias vezes teu bilhete: lembrança, afazer, trabalho, distância, e uma remota saudade do jovem sonhador que passou voando por Porto Alegre, rumo ao futuro. O amigo americano.

Agregou o gosto pelo superlativo, o possível impossível da nação americana. Inteligência potencializada: natural que nosso entendimento, emoções se desencontrem… , no entanto, meu amigo, estamos presentes no imaginário juvenil um do outro. Sabemos pouco, assim mesmo, histórias enfeitam o caderno da memória. Basta. Explicações não aproximam, nem afastam. Equívocos deslumbrados… Lembrei-me da coleção de sapatos da tua namorada brasileira. E do impossível daquela relação em curso. A vida é assim sinuosa, surpreendente. Pecados mansos cometidos em nome do prazeroso agora.

Escolheste nova identidade com o melhor em arte, morada, qualidade, diversão. Transitas pela beleza narcisa, sabes bem disso. Mulheres bonitas, casas sofisticadas, carros, atores e atrizes a bordejarem refletidos nos teus olhos. Bonito, consciente e lúcido.

Não sofras. O espetáculo tem bastidores: cordas, celofane, lâmpadas de projeção, cenários de papel. Doença, amarras, e solidão.

O que mais importa das cartas, das conversas entre amigos, entre nós dois? A juventude, a memória, e  estarmos, assim, plantados um na vida do outro. Também sinto saudade dos envelopes azuis e brancos que chegavam da Província de Buenos Aires, dos sonhos americanos, do que poderia ter sido… Acabei num exílio diferente do teu. O meu tem contorno e limite palpável. Na verdade, nunca sai de dentro de mim mesma, ao contrário de ti que rasgaste o céu, a terra, outra cidadania…

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Palavra distorcida, venenosa

Surpreendida por revelação inusitada, volto ao tempo. Afinal esta jovem, atenta amiga, boa e carinhosa foi portadora de generosidade, carinho desmedidos durante tanto tempo! Estas são as minhas lembranças. A ferida, a dor, o talho de faca, não lembro. Devo tê-la magoado, retalhado. Ou tudo é loucura.  Atrapalhada nas emoções lava raiva contida, de muitos anos, imagino, e despeja impropérios a meu respeito escandalizando a ouvinte ocasional.  Logo fico sabendo, ou nem sei se foi logo. Fico sabendo das palavras ofensivas. Estupefata.

Amorosidade e raiva se confundem.  Muita raiva no enorme amor. O sentimento juvenil foi maior do que o meu atabalhoado receptáculo. Não sei onde eu agreguei, protegi, ou ajudei, mas também amei. Embalo ainda a ternura.

Esta raiva enorme cheia de ódio despiu velhos sentimentos represados, doloridos. A me destratar denudava-se em queixas amorosas.

Afastadas faz um tempo de quinze, ou dez anos pode-se empurrar motivos… Estou longe da trepidação do asfalto, das vaidades, das conversas ligeiras. Mais velha, e comovida. Impropérios não chegam como pedra, mas dor miúda de falta, da certeza que o outro sofre. A carência do palco, as palavras, alguma coisa ruim se remexeu dentro dela. Somos assim, os seres humanos, acovardados por palavras.

As minhas lembranças enroladas com fitas e etiquetadas estavam acomodadas na boa memória, hoje saltaram pra calçada. E volto ao tempo. Escrevo outra vez, meu amigo. Foi um sonho esta raiva toda batendo na minha janela…

Tramas amorosas, descabeladas, complicadas. Se a porta permanece aberta permitindo o entrar e sair, tão à vontade, a mágoa engorda, cresce, transborda.

De repente, afastar-se na interioridade da cidade pequena é um privilégio. Elizabeth M.B. Mattos – agosto 2015

Autobiografia

“Em meu entender, a vida consiste em três partes: o presente, absorvente e habitualmente agradável, que ocorre minuto a minuto com velocidade fatal; o futuro, obscuro e incerto, para o qual podemos fazer inúmeros planos interessantes, e tanto melhor se forem insólitos e improváveis – afinal, nada virá a ser como esperávamos que fosse, e ao menos nos divertimos enquanto planejávamos; e a terceira parte, o passado, as recordações e as realidades que são os alicerces da vida presente e que nos surgem de repente, trazidas por um perfume, pela forma de uma colina, qualquer canção antiga, trivialidades, que nos fazem de súbito murmurar: ‘Eu me lembro… ’, com um peculiar e quase inexplicável prazer. Esta é uma das compensações que a idade nos dá e, certamente, é muito agradável: recordar. Infelizmente, muitas vezes não só desejamos recordar como também desejamos falar de nossas recordações. E isso, há que repetirmos a nós próprios, é maçante para os outros.” (p. 8)

Autobiografia, Agatha Christie –   edição 1977  – Círculo do Livro.

Escrever: possibilidade preenchida, recheada. A leitura se debruça na hora certa, e o gosto do texto… Autobiografia flutuante Elizabeth M. B. Mattos – agosto – 2015 – Torres

Silêncio = NADA

O silêncio deve estar cheio de significado… Se eu souber explicar. Mas não sei. Não consigo dizer. Perdoa. Desculpa este silêncio. Só sei do mar maresia e amar (lembrando um verso de Ana Moog). Quero romper o escuro, e falar. Mas esqueço a palavra. Esqueço a voz. Não, tens razão, eu não te esqueço, mas vou esquecer… Elizabeth M.B. Mattos setembro de 2021 – Torres