FELICIDADE com Valter

“Ser o que se pode é a felicidade.

“Não adianta sonhar com o que é feito apenas de fantasia e querer esperar o impossível. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser.”(p.77)

Não adianta querer explicar, não consigo. Querer escrever, não consigo. O que é preciso dizer já está escrito. Valter Hugo Mãe conseguiu dizer. Explicar. No meio da história, da poesia toda  dO filho de mil homens.

Escrever, parto difícil como da mulher anã. Vida de Isaura, enjeitada. Ou a força do pescador, do homem que chegou aos quarenta anos, e queria um filho, um feito, o sonho. Livro de sabor, odor, aberto.

Prazer de escrever a escrita, prazer do leitor. Derramado o leite que brotou da árvore, da terra, sorver transbordada felicidade. Sem barreira.

“Longo tempo a Maria se fora sentindo divergir de quem era. Pensava a Isaura que a infelicidade da mãe estava simples de compreender, porque desviada da sua identidade, não pode seguir sendo quem era.” (p.77)

Felicidade:

A casa do pescador, aos olhos da Isaura mudada e no mundo novo em que vivia, estendia-se como rendada pela espuma do mar e era o melhor palácio, um palácio feito pela felicidade com os lustres pendurados na eletricidade do coração.”

Fotos de Pedro Moog

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Ainda Valter Hugo, ter

Tinha, tenho a louça, os copos, os lençóis, as estranhezas que colecionei. Livros, e mesas. Oito mesas, não, são nove nesta sala de janelas. Muitas janelas também. Estantes abarrotadas com livros. O conforto vem do vento, do mar, da lagoa, do sol e da passarinhada. Das buganvileas. Atravessam as vidraças debruçadas no parapeito das  muitas janelas. Espinhos e flores, tenho.

Tinha a casa, a coleção de conchas e das coisas esquisitas que o mar trazia, algumas desconhecidas como se viessem dos cometas, e tinha os melhores anzóis, as canas de pesca, tinha três bons lençóis de linho que já haviam sido da sua avó, tinha louças com muitos anos que haviam pousado em mesas repletas de gente em tantas conversas. O Crisóstomo tinha até cuidado com o conforto da casa, para que fosse sempre um lugar agradável onde as pessoas quisessem entrar. Mas tão pouca gente entrava.” ( p.14) 

Valter Hugo  Mãe, O filho de mil homens

Valter Hugo Mãe

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“Um homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho. Chamava-se Crisóstomo.

Estava sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das pernas,, metade da casa e dos talheres, metade  dos dias, metade das palavras para se explicar às pessoas.

Ia-se metade ao espelho e achava tudo demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem, a esconderem-se pra evitar a sua companhia. Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os princípios ou poços s fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía.”(p.11)

Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens

1912, Editora Cosac Naif, São Paulo.

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Violência ALBERTINA

Arrependimento, profunda tristeza, luta, desespero. Medo. Violência, e amor.

Lembro cada canto, todo detalhe. Inacabada construção. Nostalgia. Saudade não. Tristeza. Nunca se pode reaver o tempo. Esquecer. Sentir menos. História quebrada. Inacabada. Arranca-se pedaços… Excesso de poder avilta. Foi maltratada, castigada. Depredada. Esbofeteada. Guardou, assim mesmo, espírito altivo. Pedras, vigas, lareira, escadas. Ao longo do processo deteriorou. Esperou reconciliação. Sofreu. Mutilada, aviltada pela raiva, incompreensão. Mas, assim mesmo resistiu: terra, pedra. O cheiro permaneceu. Não fiz nada que pudesse diminuir a tormenta. Lentamente, desapareceu, soterrada. Separação dolorida, dele, da casa, deste passado. Guerra danosa. Lágrimas. Sofrida, e dolorida perda. Escuto vozes. Acordo antes de amanhecer. Abro as portas pro jardim, festejo frescor e  silêncio.

Repito infinitas vezes: sou feliz, muito feliz…,e,  nos amamos.

Separação! A violência que não podemos esquecer. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2015 – Torres

Materialidade

Enquanto tento ordenar o tempo, arrumar esta, aquela estante, vou refazendo trajetos. Histórias. Revisar as caixas abarrotadas de fotos. Reler uma carta. Voltar. Sinto o cheiro obsessivo deste apego. Envelheço. Tropeço. Esqueço. E compreendo o que Maurois escreve. Os objetos não decepcionam, nem traem. Os livros conversam, o precioso ilumina. O prazer da posse. Cristal, porcelana. Prata. Estanho, cobre. A maciez do algodão, cetim, renda. A beleza do objeto conversa com a alma dolorida, acalenta. Afinal…O mundo nos faz falta com toda sua materialidade.

“Mas tive um bizarro sentimento de amargura ao rever aquela casa que foi minha. Como burguesa francesa, gostaria de conservar tudo. Prefiro Cristiano a meu primeiro marido, por certo, mas tenho saudades da minha biblioteca, meus móveis. Fiquei impressionada ao constatar que à proporção que envelheço apego-me cada vez mais aos objetos, as casas. O Dr. Marolles disse-me, um dia, que as mulheres como eu amam apaixonadamente os brilhantes. Mas, não são somente os brilhantes; são os livros preciosos, as peles. As coisas assumem a importância de seres. Os objetos não decepcionam; proporcionam sempre exatamente o prazer que se esperava deles. Os objetos não traem…” (p.377) Terra de Promissão, André Maurois.

Compreendi então…

“Eu não havia compreendido até agora porque ele tenta sempre exprimir suas ideias através de mitos que em geral me parecem obscuros. Mas me explicou que os mitos e fábulas são, a seus olhos, os pensamentos mais verdadeiros, e mais antigos da humanidade:

– Ninguém cria uma lenda, disse ele, ela se cria por si. E se carrega de todas as emoções daqueles que a sentem. A arte nada significa enquanto não penetra profundamente nas carnes.” (p.258)

Terra de Promissão, André Maurois.

Imagens

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Sacode a vida, muda expressão, galopa, volta a contagem dos anos. Cada imagem, única. Uma história, ou as mesmas velhas e novas histórias…

O ar está fresco, leve. O círculo de pedra  brilha em reflexos amarelos. Grades floridas. Água. E o cinzento da tarde assobia. Estão todos adormecidos nas lembranças. A respiração igual mede a fuga lenta do tempo. Passou…

Progresso

” 21 de outubro de 1916. – Explorando o quarto de depósito, encontrei, numa mala cheia de papéis velhos, as cartas de minha bisavó, a Dama do Patamar, a Condessa Forgeaud, de Ingres, com a qual dizem que e pareço tato. Como o mundo pouco muda! Sempre as mesmas histórias de guerra, de amor, de telhados, de mulheres grávidas. Mas ela escrevia melhor do que eu. é quando penso que as mulheres do século dezessete, uma Madame de la Fayette, uma Madame de Sévigné, escreviam (e sobretudo pensavam) ainda melhor, pergunto a mim mesma para que servem todas essas arengas sobre o progresso. (p.117)

Terra de Promissão, André Maurois

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Emile Salomon Wilhelm Herzog (Elbeuf, 26 de julho de 18859 de outubro de 1967) foi um romancista e ensaísta francês.

Seu pseudônimo André Maurois tornou-se seu nome legal em 1947.

Seus primeiros livros foram O Silêncio do Coronel Branbles e Os discursos do dr. O’Grady, que obtiveram sucesso. Entretanto, sua consagração no mundo literário ocorreu com a publicação de três biografias, as deByron, Shelley e Disraeli.

Tornou-se membro da Academia Francesa em 1938.

Explosão interior

Pensar a vida, o motivo de ter, ou não fé. Encontrar explicação coerente. Respostas às perguntas. “Não sei do que se tratava”. Concluir a temporada sem encontrar o motivo do frio, do suor, do medo, da raiva…Do medo. Entender a dor, absorver as incertezas, e transformar a dúvida em sinal, alerta. E o outro, mesmo perto, parece distante…E, o que se poderia sentir, ou dizer deste vazio! A escolha pode ser sutil… o encantamento está neste ponto de acerto, na obsessão, na escolha. Um permanente exílio consciente. Se estou tricotando, cozendo, batendo o bolo, inalando perfume, e consciente, o Eu presente, então, estou dentro de mim mesma, não preciso provar que existo. A releitura, o retorno ao mesmo texto faz toda a diferença. Posso esfregar o chão, lavar, polir inúmeras vezes, sou eu mesma em movimento. O cheiro, a sensação do prazer é indefinível porque completa. Sutileza, o detalhe para explicar escapa, mas o desenho, a linha reforça o sentido todo: estou vivo, estou morrendo, estou contigo, escutando. Ou fui abandonado, estou sendo amado, ainda posso tocar, abanar, ver a sombra, plantar. Sentir a dor. Levanto os olhos, e me dou conta que posso respirar também, mesmo na saudade. Mesmo na indefinição da palavra…Na nostalgia. No calor. Uma caça, uma existência a procura de si mesmo. Existe um exílio permanente nesta busca de sermos porque não chegamos … Nem nos imaginamos ser. Estamos debruçados numa janela escancarada, mas do alto vemos apenas uma mancha, vemos desfocado. É fantástico o todo, mas perde-se o detalhe, o que importa… É preciso testar os meios para chegar ao ponto. Qual é mesmo o ponto que interessa? Desespero.  Não estar no lugar. Consciência da solidão exige o próximo passo, o seguinte. Outro movimento. Esquisito, lamentável, ou verdade é que não são as outras pessoas, nem os beijos, nem as vozes que nos libertam… A única possibilidade de concreto, de acertar (seria palavra adequada?) é interna, então concreta. Estamos atordoados com o entorno, o externo, queremos esbarrar na felicidade, na alegria, como se fosse tangível. Não é tátil. Não está estacionada a nossa espera, cristalizada. É apenas percepção. É teu corpo. Tua história interior. Descoberta pessoal a chegada. Lá nas entranhas… Ninguém nos dá a vida, nem nos pode tomá-la. É uma explosão interior. No entanto perseguimos a história de pais, mães, filhos…Esquisito! Se buscamos referência encontramos o muro. Paredes sem janelas. Longe! O inatingível. Nós mesmos. Qualquer narrativa tem o ponto certo. Uma passagem perigosa, em frente. Não interromper o fluxo. O que acontece pode ser definitivo, mas também aleatório.

E vemos diferente este externo. O prazer de quem e busca é diferente daquele que apenas espera ser ‘encontrado’! Este não atravessa o interior, reflete. Amontoado de perguntas, amontoado de dúvidas, nenhuma resposta. E sequer estamos onde deveríamos estar.

Queres um café?

Transito entre alegria e ansiedade. Quero, e quero que termine logo o dia, a palavra, a ordem. Já pergunto outra vez… Ir e voltar, um tique-taque espreme meu dia em duas pontas soltas, abertas, sem nó, nem laço. Escoam vontades, ou fazer. Já entardece, já me acomodo nas novas histórias que se contarão amanhã, depois, repetidas narrativas. As roupas lavadas ocupam o sofá.  Escutas. Deveria tratar a memória. Aprofundar e cutucar sentimentos velhos, ou melhor, antigos, retorcidos e latentes, revitalizar este hoje. Não esquecer, ou apenas empurrar. Onde estão meus óculos? E aquela bolsa preta? Perdi os tênis de correr. Vou descer descalça para abrir a porta. Porto Alegre me faz falta. Reinventar a velhice ranheta. Inteira, ordenar, e viver melhor. Derramo mel, fel, sorriso e carícia. Julgo apressada, endureço.

Como laranjas, bebo o suco de uva, e bife com pão. Milho cozido. Salada verde, tomates, ovos. Anoiteceu. Ler, beber, e apressar-me. Vou terminar Terra de Promissão ainda hoje.  André Mourois espera. Nenhuma novidade. A repetição pode ser o exercício possível