DISPONIBILIDADE

Difícil traçar um plano, ou fazer acontecer quando temos todo o tempo, todo o tempo do nosso dia. É justamente quando começamos a nos dar conta que não é o fator tempo que nos impede de agir… Não conseguimos agir por estar/ ser incapaz. E incapaz por ter me dado tanto tempo livre. Esta disponibilidade é que enlouquece. O teu silêncio me deixa enjoada. Simultaneidade de mal estar inexplicável. Se conseguir arrumar as gavetas, limpar o quarto, executar tarefas mínimas, e necessárias todo o corpo corresponderá ao prazer… A inércia nos faz menores, muito menores. Prazer. Será o prazer que corrompe? Toda a relação possível com o exterior é necessária, curativa. Qualquer atividade como caminhar no parque, verdejar a planta do vaso com boa água, e terra preta. Ou podar ansiedades, fazer um bolo, varrer. Lavar. Cuidar do gato. Pensar grande pensando o mundo. Ser gentil com a vida. Andar com os pés descalços, sentir a água no banho como se fosse mergulho no rio, no mar. Enfim, a natureza precisa entrar no nosso corpo. O desejo morno, tão manso que imobiliza é nocivo. Sim. Carecemos do beijo, do afago, do sorriso. As pessoas importam. Não podemos descartar o afeto. Terrível nos dar conta que em pleno poder do amor ousamos rejeitá-lo. É preciso medir. Somos prepotentes até quanto aos nossos sentimentos. Não importa se atravessamos a mata, o abismo do corpo para tocar a lenda… Beber ilusões e desfazer possibilidade. Mas…

A vontade de viver, ser tocada, transgredir parece mais forte do que o selo comportado da moça bem comportada. Presta atenção! Este carnaval de boas maneiras me exaspera! Então quero ser transviada, ou obscena. Esbravejar. Mas o que se entende da vida quando crescemos em quintal cercado? Há que ad infinito adaptar-se. Elizabeth M.B. Mattos –

 

Alice se explica

Faz dois dias que não durmo. Leio aos saltos, nem penso. Dou-me conta que a linearidade dos fatos não se ajusta. Percebo o prazer dos fragmentos, e a loucura de ler e escrever aos pulos: sensações, interiorização. Não se cruzam, flutuam. Insisto que este egocentrismo esquizofrênico (sem referencial e, ou, compreensão para o outro) é uma particularidade do fluir…
Não estou sozinha, mas meio ao exército desajustado, e frenético. Este mundo.
Uma experiência de pesadelo.
Excluem-se relações afetivas. Subsistem relações de trivialidade. A corrida vestida de relógio como o coelho branco de Alice.
Constata-se que o espelho é o outro, ou o outro que vemos no espelho somos nós, nós ao avesso. E, este eu nem compreendo. Elizabeth M.B. Mattos – 2015 – Porto Alegre
“- Eu digo o que penso – apressou-se Alice a dizer. – Ou pelo menos… Pelo menos penso o que digo… é a mesma coisa, não é?
– Não é a mesma nem um pouco! – protestou o Chapeleiro. – Seria o mesmo que dizer que ‘Vejo o que como’, é o mesmo que ‘Como o que vejo´.
-Seria o mesmo que dizer – acrescentou a Lebre de março – que ‘Gosto daquilo que consigo´ é o mesmo que ‘Consigo aquilo de que gosto`.”
Lews Carrol, Alice no País das Maravilhas

Não entender

No abraço eu me sinto acalentada. Contudo, volto para a caverna da ausência. Vives dentro da mala indo e vindo. Não se sabe para onde, de onde. O teu passado caminha na tua alma, estrangula a paz, inquieta o coração. Penso. Não amo Gaal, nem Albertina. Vestida de Gaal, oculto Albertina, e Elizabeth tímida representa. Já não entendo mais o abraço. Como diz Lispector:“Era bom. Não entender era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito,  […]. O bom era ter uma inteligência e não entender.”
Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

Envelhecer

A maior parte das pessoas tem a fantasia embotada. O que não as toca diretamente, o que não atinge duramente seus sentidos com sua ponta afiada quase não as excita. Mas se acontece diante de seus olhos, bem perto da sua emoção, ainda que seja algo insignificante, logo desencadeia nelas uma paixão desmedida. Então de certa forma substituem a rara simpatia po uma veemência exagerada, inadequada.”(p.11)

Mas afinal o tempo tem um poder profundo  sobre todas as emoções. A gente sente a morte mais próxima, sua sombra escurece o caminho e as coisas aparecem menos nítidas, não perturbam tanto nossos sentidos e perdem muito de sua perigosa força. […]

Envelhecer é apenas não ter mais medo do passado.” (p. 105)

Stefan Zweig, 24 horas na vida e uma mulher

Sugestão. Apenas 107 páginas LPMPocket Plus.

Ronda da Noite

“Sou o anjo da guarda deles. Viremos todas as tardes ao Bois de Boulogne para melhor sentir a suavidade do verão. Entraremos neste principado misterioso com seus lagos, suas aleias silvestres e seus salões de chá afogados sob a vegetação. Nada mudou aqui, desde nossa infância. Você se lembra?”

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Ronda da Noite, – Patrick Modiano

Rua da Aurora

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A Rua da Aurora existe.

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Recife, Pernambuco.

A rua da Aurora é um importante logradouro da cidade brasileira do Recife, capital de Pernambuco. Está situada na margem esquerda do rio Capibaribe e, no seu trecho final, na margem direita do rio Beberibe.

Tem início na Ponte da Boa Vista, terminando na Ponte de Limoeiro, no local onde se inicia a Avenida Norte.

Tem este nome porque todas as suas casas são voltadas para o leste, o nascente.

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TUA MEMÓRIA HÁ SEM QUE HOUVESSES

“Tua memória há sem que houvesses,

Teu gesto, sem que fosses alguém.

Como uma brisa me estremeces

E eu choro um bem…”[1]

Às avessas, primeiro a alma, primeiro por dentro, primeiro o pensamento, a ideia de ser alguém. Depois o vulto que se confunde… Imaginação. A foto, duas, três, quatro fotos, e ainda não é ele. Ele tem cheiro, tem boca, tem braços, tem corpo, tem olhos bem pretos. Pele morena, corpo pequeno. Doce, tranquilo. Observa, olha nos meus olhos . Óculos grandes. (Quero vê-los pequenos, redondos, menores.) Unhas retas, longas. Gestos lentos, momento novo. A boca se abre sorrindo, entregue.

Atravessamos a geografia. E já estamos um diante do outro. Palavras se espremem, ou se envergonham. Afago à pele lisa, a mão. Porto Alegre dos Casais. Abraço fundo, demorado.

A história se escreve sem vontade de largar. O espaço escolhe outro espaço e se alarga. Palavra com pele e odor. Contar é muito dificultoso escreve Guimarães Rosa. Não pelos anos que já se passaram, mas pela astúcia que tem certas coisas passadas de fazer estardalhaço, de se remexerem dos lugares. E o porão da memória reclama. Há tanta gente  trancada lá dentro.
[1] p.184. 19/11/193. Cancioneiro. Obras Completas Fernando Pessoa

Lembranças que atrapalham

Ontem perfuma este hoje ventoso. De chuviscos… Colhi amoras, apurei a geleia, armazenei. Amanhã, ou quem sabe depois de amanhã, vou torrar o pão de milho. Ainda quente, passar manteiga. Geleia de amoras azuis…

“Lembranças – o fato de vivermos com elas e o fato de a matarmos – obscurecem tanto a visão da vida cotidiana…Colhemos o ramo de sentimentos, de sons e de cheiros de hoje para serem contemplados amanhã.  Amanhã,[…]  (p.74)

 Perdas, Josephine Hart

Loucura!

“[…]  e sufoca seus gritos no ‘papel impresso‘.

Interessante! Como se pretende sufocar a imprensa, e a liberdade de dizer!

Não, Van Gogh não era louco, insiste Artaud neste livro inspirado, ou então ele o era no sentido desta autêntica alienação que a sociedade ignora, sociedade que confunde escrita com texto (em que qualquer coisa escrita é corpo, desenho, teatro), ela tacha de loucura as visões exorbitadas de seus artistas e sufoca seus gritos no ‘papel impresso’: ‘Foi assim que calaram Baudelaire, Edgar Poe, Gérard de Nerval e o impensável conde de Lautréamont. Porque tiveram medo de que suas poesias saíssem dos livros e revertessem a realidade.'”(p.14) 

Van Gogh  o Suicida da Sociedade,

Antonin Artaud, – tradução de Ferreira Goulard.  Editora José Olympio

Sessenta e oito anos

Tímido exercício de escrever. Ou descrever o movimento especifico desta calçada. Descrever o que vejo, ou sinto, ou penso saber que penso. Escrever o fato, esta, a minha, ou a sua verdade, ou nossa. Sem película. Sem Envergonhada? Não. Coragem para dar opinião. Desajeitado. Enlouquecido. Não importa. Gritar atrás das grades. Mesmo Imobilizado. Não aceitar indecência evidente neste/ deste Brasil silencioso. Por que a verdade espreita, mas não atravessa. Não passamos pela experiência de ser Chefe da Casa Civil.

Não descobri o abacate. Não fui o primeiro da turma. Nem filho mais velho. Nem casei com mulher rica. Não fui pastorear ovelhas, nem servir ao rei. Não encontrei o bom amante. Não me encostei no amigo poderoso. Não suei no emprego. Não tenho ambição. Nem vergonha. Silencio.

Ensaio, proponho. Exercício descontinuado. Quero ousar. Escrever a história por inteiro, derramar o leite todo, ter fome. Impotência. Juntar papéis espalhados no chão. Abrir todas as caixas… Editar.

Tanta gente na manchete usufruindo, safadamente, o direito de gastar dinheiro do outro! Pois é. A medida – sempre – dinheiro. Barganha da troca, ouro.

Loucura de ir e vir para estar em todo lugar, lugar nenhum. Beleza gorda em bons restaurantes. Voz mansa no veludo gasto da boa vontade do outro. Mesmo acusado, viciado, não há punição. Alma, corpo levitando no paraíso fiscalizado, –  por ninguém. Atrás da vantagem, do amor roubado, abusado, encontrado, o poder. Safadeza consciente. Alguém fecha os olhos, concorda calado, e consente. Desejo amolece, se fortifica no abuso pela vontade omissa, lasciva, preguiçosa do outro. Luxo manipula o caráter extenuando de todo um povo, de um alguém cansado, envelhecido. Não nos livramos das facilidades, nem do falso brilhante… Tudo brilha. Encanta! Envenena. Até quando seguiremos sonâmbulos, inoperantes? O velho homem decente, bom, não pode se deixar corromper…