Camilo José Cela

“Pablo Alonso, enquanto bebia o café, começou a notar que se aborrecia ao lado da Laurita. Muito bonita, muito atraente, muito carinhosa, inclusivamente muito fiel, mas muito pouco variada. (p.120) Camilo José Cela – A COLMEIA

Sem comentários, faço amanhã. O que me delicia é a língua portuguesa, e esta narrativa em episódios. Uma colmeia, um mosaico. Genial. Beth Mattos

ufa!

Às vezes, parece mesmo, não vou conseguir! A vida escapa, escorrega, e não somos mais, ou somos, ou escapamos de nós mesmos. Não sei se o ideal pode/deve ser interromper, aceitar, ou deixar tudo, exatamente, no mesmo lugar… Jogo de xadrez,  cartas, ou melhor  livro ou a boa leitura a escorregar lenta. Eu me assusto. Envelhecer pode ser mesmo perder pedaços. E a força, e a coragem… Beth Mattos2019-11-24 08.31.08

hipótese

Se duvidamos que X ama Y tanto e quanto descreve o amor / o amor que sente como maior sentimento, melhor amor, e mais poderoso do que todos os amores…, quando X confessa e diz que barreiras foram quebradas, janelas abertas e seus corpos iluminados festejaram a luz! Eu conto /descrevo e não posso minimizar, nem duvidar, apenas sorrir. Alegrar – me, estontear-me: amor pode ser assim mesmo, sem bordas. O amor pode ser mesmo assim revirado, despido, despudorado, enfeitiçado e, portanto, reverenciado. Elizabeth M.B. Mattos novembro de 2019 – Torres

0

exponho

” Ao telefone, tua voz é de menina. Tão doce que (para quem te conheceu adulta e meio grandota, tua voz é de menina) pode soar até como coisa preparada açúcar fazendo às vezes de mel. Mas a verdade é que é mel mesmo. Mel, não fel. A rima é importante na vida. Nada melhor dos que os sons casando – se entre si, aquelas terminações iguais ou similares que dão música às palavras. É preciso, porém, ter cuidado com a tentação das rimas:fel não é mel, anão não é pavão, ainda que o amor seja dor, quase sempre dor. Por que digo (ou escrevo) tudo isso, quase sem pé nem cabeça? Porque desde que escrevi mel, pensei em fel. Quis dizer o oposto: quis dizer exatamente que neste momento recordo tua voz (mel) de guriazinha ao telefone. Displicente voz de adolescente, talvez tua forma de ser a Beth de 1962 que eu esperei (em vão) à porta do Cine Ritz, após outra longa espera na esquina Protásio Alves com a Victor Hugo.

Hoje a Luiza atendeu ao telefone. Não estavas. Percebi que era voz de menina, mas fiquei em dúvida se não poderias ser tu, apenas um tom mais baixo, com voz mais comedida, sem a habitual extroversão que dá a tua doçura um tonitroar suave. Tua voz é doce mas forte ao mesmo tempo. Nesse amor telefônico  a que, aparentemente, estaremos condenados (ou condicionados), tua voz é tão tristeza, ou alegria, ou penúria, lamúria, ou riso. Preparo -me para catalogar tua voz como luminosa ou em trevas, radiosa ou sombria. Tudo pelo ouvido, sem interferência do olhar, como se a luz ou a sombra – sol ou trevas – fossem sons ou ruídos. Meus novos olhos são agora o telefone junto ao mar, que só me permite ver mar, sem te ver.

Sinto -te pela voz. Por esta voz de guria desleixada ou doce. E amada. Tenho saudades de ti. De te olhar, de te tocar, ensolar – me ti. Juntar me a ti nas conversas e, depois, […]  Como nos encontraremos? Onde?F.T.  (Rio 12 X 1994)

E volto.

Uma carta escreve a história, não letra, palavra, ou som, escreve lembrança e sentimento reflexo

Uma carta exercício de espelho. Sou eu mesma? És tu? Ou o brinquedo de inventar

E vivemos

Eu guardei

Sentimos / senti /sentias / estou / estavas e as cartas se costuravam, as tuas poesia, as minhas urgência e turbulência de menina, tens razão. E.M.B. Mattos novembro de 2019 – ainda em Torres

 

antes

Domingo grande. Dormi tanto ontem! E o hoje cedo, bem cedo se fez amanhecer cedo demais. Antes de passarinhos. Antes da rua. Antes das nuvens. O dia começou colorido e festivo como se o avesso de mim mesma se desdobrasse assanhado. E agora, estranhamente, se espreguiça. Quer voltar para cama. Elizabeth M.B.Mattos novembro de 2019 Torres

carinho preguiçoso

De certo, a importância está na voz doce, e no carinho preguiçoso do abraço deste olhar que se alonga distraído pela calçada. Se estás comigo estou contigo nesta estúpida distância de não ser tu e eu, eu e tu.
Sigo acalentada pela doçura. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Torres

incerteza atravessada

Novembro de 2019  sábado com jogo e bandeira e euforia e festa. Esquisitice de pensar: se o quebra-cabeça se resolvesse em vez de se perder/quebrar…

Se resolvesse, mesmo devagar, sem pressa e arrastasse resposta…

Quando penso em…, em te ver/espiar/ ou saber eu me inquieto.

Não sei se o cinza do dia importa ou se sou eu mesma agonizando. Ando na cor/na luz e nesta incerteza atravessada. Faltam letras, livros.

Cansada do sono prolongado e do silêncio. Vozes são soluços  e nestes soluços afogo teu olhar. Inacabada vontade… Preciso urgente acordar e fazer.

Se for a poeira se o vento entrar se as vontades se quebrarem antes de brotar… Céus!  Estou atenta aos galhos avermelhados da  buganvília: enquadro a flor,  descubro outra. Pequeno e audacioso olhar  ao detalhe. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Torres

água

Verão sem calor: demoras a voltar, demora o tempo de te esperar, desanimo.

Demoras a chegar. Gosto deste vento pequeno. Descobriram água noutro planeta, e já poderemos (tu e eu) viajar pelo espaço. Livres e prisioneiros. Sinto falta das tuas ponderações tuas histórias teus amores e tua audácia teu porto e tua luz, eu te invento todos os dias. Saudade de ti. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Torres (Hoje, torço pelo Flamengo)

Já novembro se espreguiça…

de Natal

Fugir, sistema adequado. O tempo se esconde pelos cantos: a ervilha de molho, a roupa em pilhas. A caixa exibida do passado: cartas, misteriosas cartas de caligrafia descuidada, espevitada. Presente presenteado em atraso: caderno/livro com flores coloridas, desmaiadas, delicadas. Relampejo: violetas presas em quarenta anos atrás na cintura de vestido branco e amarelo: voltas, leveza. Saias mostram sapatos forrados de cetim amarelo. De frente na lembrança brejeira que me devolves. Já o tempo se enrola constrangido, insistente. E já retomo pacotes, Natal e enfeites. Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2019 – Torres

conheço / desconheço

tudo o que não conheço me tranquiliza, o/no desconhecido possibilidade

sem conhecer não tem limite, nem parede, não vi,  não toquei, não deitei lado a lado, então, não sei: o primeiro e misterioso momento

então o dia que se mistura ao ontem, antes de ontem, sem amanhã, um minuto

não importa: o que um dia foi/fui ou representei/ representou, és

como é um nada/vazio e envelheço, envelheces tão amorosamente o mesmo,

paradoxalmente, livre a mente, sem projeto

sem imagem, sem luz, nada.

não existe nada, e isso é bom.

eu me permito porque não conheço, nem me conheces.

e, misteriosamente, sabemos, sempre nos conhecemos!

eu te abraço desajeitada e tu me acarinhas tímido, e ficamos em silencio, no escuro.

Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Torres