volto no tempo de dançar

Gosto quando amanheço vestida de gala e danço. Gosto de imaginar a quietude enterrada no meu sorriso prazer. E volto àquela alegria despertada por uma gentileza gentil. Volto ao tempo em que Porto Alegre nos abraça… E estou, outra vez, na rua Vitor Hugo 229, em Petrópolis. Beth Mattos – janeiro de 2021- Torres

distraído Paulo Rocha

Se o baile foi bonito, deve ter sido Lala, e nós passamos por todos os preparativos colunáveis e encontros cerimoniosos necessários. L. Augusto se esforçou para distribuir reinos a cada uma de nós, as debutantes. Os vestidos de singelos como o da Maria Araci e o meu, para suntuosos e ricos. As boas músicas. Hora certa para terminar. Éramos tão jovens! Nossa pequena alegria, o luxo. As tardes de domingo, os namoros, as reuniões dançantes a serem combinadas durante o almoço. Para o baile deveria ter escolhido um dos meus amigos como par, não. Dancei a valsa com o Paulo, que afinal, sendo do grupo da Suzana e do Marcelo, pouco entusiasmo provocou. Da memória, o conto de fadas. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres ( Sim, tínhamos Torres no verão, obrigada por me fazer voltar, teu comentário, teu estímulo acordou a vontade de escrever e contar.)

indignação

Indignação faz parte, mas ser a diferença, revirar o bom para o melhor. Construir, enriquecer as mãos / o olhar com energia para nascer, brotar, espalhar o melhor, não o veneno, pode ser importante. O vento e o ódio, a crueldade afogam, mas o outro lado do mundo, o planeta importa. A pensar. Cansada da guerra sangrenta. Beth Mattos

de volta

Que tudo surja com naturalidade, se disfarce o gosto da agradável divagação e que uma elaboração capaz oculte todo o artifício. Que tudo surja com naturalidade…Como está sendo difícil voltar. Voltar para dentro de mim mesma e aquietar! Beth Mattos – janeiro de 2021

quando Lispector volta

Esquisito quando a fúria de dentro chega para gritar contigo. Gritar com teu silêncio. Gritar com teu impassível jogo de jogar. Jogar a tua vida…, a tua vida e apontar em direção a minha vida, tua luz. Não a nossa vida. Ou nada que nos diga respeito. Ok! É verdade que não prometeste nada, apenas abriste a porta (porque estava aberta) e entraste para conversar, e eu escutei. E eu me apaixonei. Desavisadamente eu me apaixonei. Entraste para contar das aventuras e das conquistas, dos pequenos desastres. Tuas escolhas, tuas lágrimas, teus cães, teu sonho erótico a me desejar. Contar que eras feliz neste desterro de ser tu, outra vez tu, por inteiro, e infeliz. Feliz. Ora, ora como é verdade! Vozes seduzem, palavras ganham pernas, braços, beijam, esfolam, dão prazer, desesperam… Sinto esta furiosa raiva da tua soberba acomodada. Quieta. Feliz. Estás rindo?! Só entendes que o verão deu tréguas, esfriou o dia, choveu? De repetente a inteligência foi para o bueiro como água do temporal. E eu desavisada , eu me apaixonei por tuas inúmeras e inusitadas paixões. Ora, ora, ora…e eu que volta e meia dobro a esquina. Corto o pé com corte fundo a sangrar, e não choro, mas te penso com desejo solto de desejar. Dobro outra esquina e te vejo. Como posso ser tão igual a ti! Volúvel, volúvel, a me despedaçar. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres

Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra. Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores num jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva de vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio.” (p.70-71) Clarice Lispector ÁGUA VIVA Editora Nova Fronteira, – Rio de Janeiro – 1978

alfabeto, corpo, tua memória

Abro a porta e te vejo: louca e desvairada paixão tive /tenho pelo teu corpo, teu beijo! Saudade picada de desejo: o corpo reclama e se agita! Acordo ao escutar o calor da tua voz.  Quantas vezes na madrugada corri ao teu encontro!? Ardíamos em conversas telefônicas. Se o time do nosso futebol ganhou, se as notícias das vendas importavam, se uma tarde de verão seria nossa, ou toda uma noite de inverno, se o livro que lias me interessava! Se as aulas me cansavam / se eu tinha ido dormir cedo, ou na madrugada a corrigir provas / trabalhos sem sono! E tua rotina! A beleza imóvel a te cercar. Ah! Que saudade tenho do teu pequeno apartamento! Céus! Será que vivemos tudo o que podíamos? Que loucura insana nos afastou gaguejando / dizendo ser para sempre o que já era o eterno, e nos enfeitiçava! Amor tatuado nas entranhas: cheiro da loucura, teu gosto que eu gosto!… Não estás mais aqui, mas carregas certezas latejantes, e me esperas do outro lado. É para teus braços que vou correr cega, alegre e eterna. Loucos e incapazes! Teríamos que estar juntos agora, tu e eu. Insana lógica! Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres / do verão gostavas / o mar sabias dominar/ em qualquer estação teu amor me cercava, mas eu te queria / eu te quero / no inverno de nós dois, no tempo roubado…, agora.

amada ANTES , DURANTE e DEPOIS = sempre

c’ est un tabeau… Praia de CARAÍVA –

Ah! Se eu pudesse dizer a verdade! Caminhar na chuva, brincar com as folhas! Se eu pudesse dizer como eu penso, ou como sinto a chuva boa deste verão! Se eu pudesse ser eu por um segundo, e me deixar levar porque estou feliz… Se eu pudesse não estar a me defender. Que luxo viver na ILHA! Ou ficar em silêncio, se não fosse tão solitário o silêncio e a ilha! Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres

Vida do jeito que sempre quis, quieta. Tanto me agitei! Bom estar no meu próprio ritmo, meu tempo, tempo, e horários, todos apenas os mesmos, e meus. Nada de nada. Vontade tinha de vida assim! Mas não consegui comprar flores… O sol ficou maior do que o sol de ontem. A chuva forte, aquieta, inquieta. A preguiça  também.  Vou fazer tudo igual., como as pessoas fazem, igual.

coisas de Flaubert

O que me parece belo, o que gostaria de fazer, é um livro sobre nada, um livro sem vínculo exterior, que se sustentasse de si próprio pela força interna de seu estilo, como a terra sem estar sustentada se mantém no ar, um livro que não teria quase tema, ou pelo menos em que o tema seria quase invisível, se isso é possível. As obras mais belas são aquelas onde há o mínimo de matéria; quanto mais a expressão se aproxima do pensamento, quanto mais a palavra cola em cima e desaparece, maior a beleza.” Gustav Flaubert A Louise Colet – 1852 – Referência ao processo de elaboração de Madame Bovary

Sinto vergonha esquisita. Pretensão de querer escrever/ ou até pensar, assim sem rumo, desarvorada. Amor às palavras que dançam. Vozes soam belas. Avida se insinua instigante e possível, mas há um vento estranho, levanta poeira, folhas e levanta as raízes, faz morrer. Vozes raivosas e duras contra o isso ou aquilo, sobre a morte e a vida. Assassinatos e violência. Estamos obcecados pelos desvairados, não importa quem sejam… Perdemos, completamente, a vergonha de chafurdar na lama. E acreditamos na gritaria… Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres. Não posso ouvir um noticioso, ouvir música no rádio, saber/conhecer um fato, ou acompanhar um trajeto / um sonho / uma realidade qualquer que não seja vergonhosa!

pizza peixe e arroz com feijão

Fomos comer uma pizza, todos juntos. Há qualquer coisa diferente. Como se a roda girasse noutro sentido. Estranha sensação: frases soltas me surpreendem. Uma clareza súbita. Estou vendo/enxergando as pessoas, surpresa. Um desencontro com o jeito de ser na roda (deveria ser constante da educação) esta carreira – correria, sem lógica, da vida: diferença de tribos, de linguagens. Estou cansada mesmo sem nada fazer. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres

sem foco

Peixe delicioso, camarões e alegria. Sesta preguiçosa. Ao acordar / disposta: ordenar, limpar: energia acumulada. Como disse a Luiza, num sorriso, inventas logo meia dúzia de coisas para fazer. Selecionei quatro taças de cristal Saint Louis para vinho do Porto; coloquei numa bandeja junto com a garrafa, na ponta da mesa. Bonito como nas revistas. E resolvi fazer ambrosia de muitos ovos, luxo de doçura. Abro a janela para respirar o mar. O vento levantou as cortinas. As cortinas derrubaram os copos, não ficou nenhum: os cacos viraram pó. Susto no olhar estarrecido… A lembrança se espatifa no vento, no susto. Voltei pra o doce. Beth Mattos – junho de 2020 – Torres e suas ventanias.

Controlar o corpo, esforço grande. Controlar o mar, impossível. Construir heróis, dar exemplos não consigo. Destruir, apedrejar, chicotear e ensurdecer: método de vida atual. O melhor se encolhe. A “Guerra dos Rosa”, ao final não sobra nada. Ódio por todos os lados. Escárnio e mau cheiro. Todas as lágrimas não escondem este modelo belicoso. Um dia alguém disse: “Não vai ser fácil.” E, decididamente, não está sendo fácil. O tempo lava as mágoas, e os erros. As cidades são reconstruídas, desaparecem os monstros… Nascem as crianças azuis. E o mundo volta a ser perfumado com seus jardins floridos. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2021 – Torres

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde – se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.” (p.59)

Acho que vou ter que pedir licença para morrer. Mas não posso, é tarde demais. Ouvi o ‘ Pássaro de Fogo’ – e afoguei – me inteira.” (p.61) Clarice Lispector Água Viva

Sempre esta sensação de morte na vida intensa como um pedido de socorro para dentro, sem som, abafado pelas dores. Desesperado e impotente. Toda a leveza de sentir desaparece ao fechar os olhos. Tarde inteira, dia inteiro de um sono mole, sem cansaço, embrutecido pela fuga. E viver se empalidece. Não gosto deste ar abafado do verão, deste ruído borbulhante do sol. Não gosto deste aperto que sinto dentro de mim. O que aconteceu com o brilho? Não tenho joias, nem cristais, nem roupas importantes como diria o RUI…, tenho o mar. Da minha vida passada, lembrança: livros, quadros e caixas. Suponho que me olhes com tristeza. Não importa. Ou importa? Uma lembrança de vento a soprar no susto. Elizabeth M.B. Mattos – (das pequenas memórias) Beth Mattos