Tu me pediste para não te escrever, tu me pediste para não responder, tu me pediste para ler e não responder. Já passou quase um ano ou são dois? Por que não posso falar contigo, ou te ver, ou te pensar… Vou a me esquecer devagar. Lenta no amor, lenta para dizer, lenta para compreender o porquê de não te escrever, ou de não te ouvir… E não te ver / olhar / olhar bastante e muito.
“Ontem te aconselhei que não me escrevesses todos os dias, hoje continuo pensando o mesmo; seria muito conveniente para ambos, e volto a aconselhar – te ainda uma vez, com maior insistência ainda; mas por favor Milena, não me faças caso, e escreve – me igual todos os dias, embora seja uma carta muito breve, como a de hoje, apenas duas linhas, uma só, uma mera palavra; privar – me dessa palavra me custaria horríveis sofrimentos. F.” (p.90)
Ainda aguardo uma linha, a palavra, ou tua voz. Não mudaria nada, eu sei, seguirias onde estás… Tuas proteções interiores resilientes. Não podes dizer, nem pensar em nos querer / não podemos. Este é o jogo. Estas são as regras.
“Talvez o que acontece é que ambos estamos casados, tu em Viena, eu com a angústia em Praga, e que ambos nos torturamos inutilmente para libertar – nos de nosso matrimônio.”(p.91)
Não consigo reverter ou mudar tua verdade. Sigo o vento, ou corro na chuva, ou aceito o sol a queimar. Para o reencontro a coragem se faz necessária. Aceitar o desafio de recomeçar e recomeçar e recomeçar acelera a loucura. Fica – se no velho e conhecido amor amigo desbotado, desgastado, silencioso, mas conhecido. Eu te compreendo.
“Cartas tão breves, alegres ou pelo menos espontâneas como as duas de hoje são para mim quase (quase, quase, quase, quase) o bosque e o vento em tuas mangas e uma vista de Viena. Milena, como se está bem ao teu lado” (p.97) Frank Kafka Cartas a Milena – Editora Itatiaia Ltda. Belo Horizonte – 2000