caótico e dionisíaco

…, não resisti. Quando não resisto escrevo dormindo. Procuro óculos no congelador. Desenterro o sono da tua voz. Escrevo  sem pensar.  E vou citando dizendo repetindo, emperrada na lembrança de mim mesma, eu te toco devagar…  E penso nas bicicletas! Em Amsterdam…, quem sabe! Elizabeth M.B. Mattos

O cérebro é a máquina de contar histórias mais moderna que existe e a consciência é a história mais moderna” , diz Richard Powers

e ainda escreve: “Somos todos conduzidos por impulsos agrupados, alguns caóticos e dionisíacos, alguns formais e apolíneos. A necessidade por conhecimento é tão passional quanto qualquer outra obsessão humana. E a  mais selvagem das obsessões tem sua estrutura escondida. Nossas teorias sobre o mundo são profundamente emocionais, para nós. Ideia verbalizada é caráter.“(p.191) Alec Michod conversa com Richard Powers – Entrevistas da Believar _ Organização  Vendela Vida

buganvília cheia do pedro

diante dos outros

O atrito contamina toda alegria: surpreendo-me apática. Renovo dor, exercito ausência. Esqueço. Procuro excessos que justifiquem. Decisões emotivas.  O que tenho nas mãos escorrega. Ciúme rancor raiva: amor reclamado. Como posso me perdoar, contar o que acontece? Depois da luta da dor do sangue da perseguida justiça, tudo estremece no gesto. No olhar, na voz. Não arrefece a loucura interna de estar transbordada. Nus, um diante do outro. Entregues aos olhos estranhos de terceiros, expostos, impotentes. Dignidade aos pedaços. Luz na tua nudez, no meu corpo. Fragilidade indefensável. É preciso esquecer um do outro. A perda se desdobra, enterrar não consigo. Ver falar discutir, não quero. E o tempo me engole nesta tua ausência presente. Estou a te contar uma história tão igual a todas as histórias de amar! Espero agitada este valor-motivo. Espero compreensão. Espero teu embalo. Quietos, surpresos os dois. O que fizemos? Era tudo tão para sempre! E agora feios, disformes, maltratados. Houve tanta energia! Um vazio morto não saber onde estás. E o heroico dizer revelar confessar, aonde vou encontrar outra vez.  Desconfiança picada. História de amor desgarrado. Meus olhos entram nos teus olhos. O silêncio de todo o dia não é ontem, nem amanhã. É o inverno saindo azul de dentro do mar e da cidade vazia. Quase perfeito. Quase completo. Quase nada. E eu gosto de lembrar demorado almoço num jantar adiantado. Pouco sono. Manhã enrolada nas cobertas. Olheiras. O cheiro justifica o injustificável. Agora o que me resta? Seca pelas dores, seca pelos fracassos, desencontros. Seca pelas próprias perdas. E não estou livre. O vigor do corpo desfeito de menina pisoteia a velha cansada: grito. Mãos de amores encolhidos, proibidos. Como aceitar o outro na justa medida em que é o outro, e não sou mais eu com ele. A imobilidade come aos poucos carne e pensamento.

A imobilidade engorda e alucina.

A imobilidade nos leva/devolve ao passado, mas nada traz de volta o outro. Há que ser vazio como poço seco. Verdeja a lembrança. Só lembrança imóvel, cristal. Não consigo buscar a água. O nada que somos quando apenas amamos o amor, não o outro. Se eu disser ainda que eu te amo, te amo no para sempre …, se eu disser, se tu disseres. Se eu te disser deste espicaçado forte amor a latejar …, terei perdão? Perdão por ter sido tão pouca, tão vil, tão nada diante de ti. A culpa aumenta a montanha, o mar, e seca a lágrima. É a minha culpa, eu sufoco. Perdoa querido este amor atordoado, esquisito, perdido e achado. Vontade de estar abraçada no abraço. Humilde exercício. Perdoar a mim mesma.

Envelhecemos. Direito tomado como mazela e remendo grotesco. O que resta dentro de nós depois deste envelhecer? Depois que ficamos velhos temos a casa, o pôr do sol, o amanhecer, a madrugada insone. O quarto. Aquela árvore. Os miosótis. A preguiça. E o corpo quieto. Depois que nós envelhecemos eu ainda fervo de amor amado por ti em cada gesto não esquecido. Se eu já tivesse voltado eu ia morrer aos pouquinhos outra vez para te rever / ver. Sem roupa. Mulher velha amada no amor novo. Depois que envelhecemos seremos jovens. Alguém toma conta de alguém, carrega o corpo e o destino. Todavia parece irreal, como se passasse leve, … devagar, mansa, esta vida. Elizabeth M.B. Mattos – Florianópolis – 2006

 

fantasma gaúcho

Garagem de Arte -, fim da manhã. A vida pulsa nas paredes brancas entre esculturas, telas e beleza, desperto. No  silêncio tua palavra. Reencontro com Porto Alegre. Fantasma da minha memória gaúcha.

A desordem aumenta, aborrece e justifica o enfado doméstico. Atordoada tento resolver o problema de espaço: roupas empilhadas, livros espalhados. Louças talheres e serem encontrados, copos desparelhados. Apartamento com cozinha alegre iluminada, envidraçado festivo para a Praça das Nações, ancorado em Petrópolis, e volto para casa. Memória de menina se aguça. Desânimo. Lugar certo. Luz e beleza. Lembro da mãe. Recorte de beleza. Não apenas o cheiro, mas o inteiro. Bom gosto no detalhe.  Aqui agora, posso tentar alimentar projeto, visualizar, ordenar, no entanto, sigo imóvel … Ócio. Sigo imóvel. Lenta. Atropelada pelas possibilidades difusas. Gostaria de permanecer/ficar por muito tempo imóvel. Depois, acometida pelo prazer escreveria. Escreveria páginas e páginas e as palavras escondidas perfeitas saltariam. Saltariam ordenadas prontas. E eu ficaria outra vez viva. Definitivamente viva.

Obrigada pela carta. Preencheu o vazio de dentro. Pensei estratégia. Pensei forma …costurei com agulha própria, segui o alinhavo. Tenho dormido e sonhado com a família …, os meus. E sonhar dormir renova. Seguindo teu conselho vi os filmes. Termino de ler Judas, Obscuro. Avanço no Fausto de Thomas Mann, remexo nos livros, vou comprar os da tua indicação. Itaci Batista feliz com teu poema: obrigada Paulo, encaminhei.  Estás sempre perto, e eu me embalo. Perco o jeito das longas missivas. Hoje Zero Hora abriu matéria para correspondências, e eu não fiz a droga da minha tese. Sempre lenta. Lamento. Elizabeth M.B. Mattos – Porto Alegre – Garagem de Arte, Luciana de Abreu – 2003, outros tempos.

prosaico

O melhor dia o pior dia: hoje a moça da faxina veio me ajudar. O pão chegou quente. O dia morno e azul. A noite iluminada de estrelas, e eu estou feliz desde  cedo: acordei feliz. O dia da faxina me deixe bem cansada, é péssimo, e depois tão bom! Elizabeth M.B. Mattos

ALTER EGO

Foi acontecendo sem alarme, como tudo o que vale a pena, como qualquer mudança revolucionária porque simples, inconcebível antes de acontecer. Foi assim que eu me apaixonei por você. Não tenho explicação possível. Entrei nas divagações. Não voltei aos seus quatorze anos, ou aos meus dezessete ou vinte anos. Afundei apaixonada neste agosto, ou julho, ou foi março, ou fevereiro de 2018.  Equívocos no estar e não estar, na palavra. E você se esquivou assustado. Gesto de perpétua tensão interior, olhar sem enxergar. E eu? Sigo escrevendo. Coisas minhas. Estou no meio dos papéis, olho para os lápis apontados, e todos os diários com datas misturadas, desordenados. Acha graça!? Ao abrir verá neles, datas de 1999, 1987 e 2000 ou 2018 misturadas. Inquieto? Não, fica sossegado. É que eu tenho um alter ego que me manda escrever. Esquizofrenia -, amar o amor, mas controlada. Você delega a outro que lhe conte o que acontece com você mesmo, e esse outro, que também é você, olha tudo de fora. Depois, quando vai ver, ele já se separou de você e acaba tendo existência própria. Foi o que aconteceu com Álvaro de Campos e Alberto Caeiro. Entre mim e o mundo uma névoa que me impede de ver as coisas como verdadeiramente o são: como são para os outros. Não pondero, sonho. Não estou inspirada, deliro … Ricardo Reis. Era esse o nome do terceiro heterônimo, acabei de me lembrar! Elizabeth. M.B. Mattos – 29 de agosto de 2018 – Torres, primeiro dia da Lattoog em São Paulo – Alameda Gabriel Monteiro da Silva

lojaaaaa pedro sao paulo 3 linda

 

CONVITE PEDRO MOOG LOJA 2

Um segredo muito simples: o amor. Tudo o que nos fascina no mundo inanimado, os bosques, as planícies, os rios, as montanhas, os mares, os vales, as estepes, e mais e mais, as cidades, os edifícios, as pedras, ainda mais, o céu, o pôr-do-sol, as tempestades, e muito mais, a neve, a noite, as estrelas, o vento, todas essas coisas, em si vazias e indiferentes, enchem – se de significado humano porque, sem que o suspeitemos, contêm um pressentimento de amor.” (p.127) Dino Buzzati – UM AMOR, tradução de Tizziana Giorgini

recorto

Pintei bodei. Agora recorto e faço colagens. Como está frio! Caminho acho graça, converso, choro e … adoro a vida. Amigos amigas se despedem no adeus final … É o tempo nos atropelando. E eu vou no meu caminho peregrina no adeus. Elizabeth M.B.Mattos – ainda tão frio! agosto de 2018

luiza e eu agosto de 2018 beira do rio

autobiografia atrapalhada desenhada tentativa

Dizer outra vez, caminho atrapalhado desenhado

 

1.

 

Todos os dias é = a nenhum dia. Óbvio incerto. Particularidades? …bem, suponho acho penso que somos todos iguais. Sublinhado fato. Identificação comezinha e filosófica. Lugar diferente, mas a mesma manteiga, o mesmo leite aguado ou não, o mesmo pão dormido. As mesmas laranjas e bananas. E lá vou tentar, outra vez, ser autobiográfica. Um pedaço de montanha, outra de lagoa, buganvílias, gramado, um cão. Natureza igual, aparência diferente. Sentimento sensação, os mesmos. Classificação por conta de especialista. Desejo o mesmo que desejas, somos iguais e isso me apraz. O começo é a vontade de um homem e de uma mulher. Sou eu nascida na rua Vitor Hugo 229, Petrópolis, Porto Alegre. Jardim e quintal. Abraços e beijos na conta das mamadas, do fogo das lareiras, das risadas. Do silêncio festivo atrás da porta fechada, e do escuro do quarto: arrulhos latidos difusas vozes miados. Depois atravesso a calçada. Mergulho na piscina do Tênis Club, vou comprar balas no Bar Tupi. Telhados, outros quintais, bonecas de papel, tampas de garrafas, rolhas, azulejos em lascas, corda, bola.

 

  1. Amigos cuidam, incitam a escrever: para eles, palavras.

 

  1. Setenta anos com evidências. Alguém vai corrigir: setenta e dois em setembro.

 

  1. O começo…, fatos. Ou amontoado confuso de emoções. E o Amoras, amor exigente. Hoje dia gelado. Amanhece no gosto bonito do sol. Demorei a sair da cama. Quase oito horas. No verão volta inteira na lagoa. Inverno ponte e sol, o limite. Café preto. Lavo a louça da preguiça, deixo outra no balcão. Vou escrever. Lá vai a fumaça azul, como disse, o amigo. Sigo pedras sinais fumaças. Persigo estórias e histórias. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2018 – Torres

 

mais planta planta e lagoa gosteiiiii

rosas gordas

PITANGAS AMORAS AMEIXAS: pomar da lagoa. Jasmim em tufos. Alameda de camélias. Abertas rosas gordas a desfolhar. Vejo pitangueiras floridas. Amoreiras modestas, atrasadas, e apenas uma ameixa amarela. Araçás verdes, sem fruto. Cheiro de mar, e uma esperança desesperançada de viver para sempre. Irei sob protestos agarrada neste galho de vida. Cheia de pensamento engraçado. A morte virá, eu sei. Penso na vida. O corpo descreve/conta/explica curioso. Floresta, campina, e sonhos… Desencontro. Bafo quente do último olhar. Alguém virá me chamar, dizer meu nome, e dar a mão. Outra vida se estica, o sorriso alegra e acolhe. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2018, já em Torres.

HELENA TERRA fotos de um rosto

Foto com autorização: o movimento da beleza  alegre: Helena Terra

borra de café

Passou o vento. Café com torrada sem manteiga. Geladeira se esvazia. Ainda tenho uma laranja. Feijão e arroz e uma gostosa preguiça. O frio se acalmou depois do vento. Feliz livre leve. Sensação de segura liberdade: sou eu sendo eu. O hábito da borra de café para adubar buganvília escabelada e sem folha. As formigas estão dormindo, e eu feliz. É isso: uma súbita vontade de ser apenas feliz… Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2018 TORRES

COZINHA LABORATÓRIO

Hoje tem a feira ecológica do outro lado da lagoa, Torres acorda. Muito bom ser sábado! Dormi bastante ontem e antes de ontem e tive sonhos: acho que foram coloridos, e tia Joana estava comigo.

vulnerável

…, menos frio! Seis travesseiros! Cinco cobertores!  Um acolchoado. Teu corpo junto do meu. Fogo na lareira. Brasas no fogão. Cinza no céu e na água. Inverno esticado. Casacos e mantas pelas cadeiras. Silêncio da chuva que bate forte na vidraça. E a passarinha no ninho, espia. Espera. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2018 – Torres

“ Antes de adormecer, penso nas flores. Nunca vira nem ouvira falar de um homem que colhesse flores e as colocasse num vaso. Era estranho, mas importante também, podia perceber isso. Teria que providenciar para que houvesse flores na mesa de John Broman. Pelo menos no verão.

Naquela noite, sonhou com gerânios, flores num jarro que vira certa vez na janela do presbitério.

[…]

Mas quando a semana se passou sem qualquer recado de John Broman, ela desistiu, e pela primeira vez na vida desesperou-se. Aquilo era mais duro do que a vergonha, e ela percebeu que que a esperança é que torna as pessoas vulneráveis. Não se deve ter esperança. (p.46) Marianne Fredriksson – Hanna e suas filhas

passarinho da Joanapassarinho no ninho olhandopassarinho no ninho

Fotos da Joana Moog – Torres – agosto de 2018