Ernesto Sabato HETERODOXIA

A pensar sobre esta tranquilidade fabricada/ criada/ construída com endereço certo/preciso e adequado para apaziguar e proteger a angustia. Perigosa incerteza deste caos chamado terra, desta confraternização humana meio a  tantos desconhecidos/amigos… Sinto saudades doentes de meu pai e da minha mãe e do que diziam / como pensavam/ como eram -, pessoas. Quero eu mesma fugir. Covarde. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres

TERROR AL CAOS.

Los Sistemas, como decía Peguy, son sistemas de tranquilidad, que amamos porque nos sentamos sobre ellos. Es una forma de vivir tranquilos, a cubierto de los peligros y asechanzas del Caos, de la obscuridad, del misterio, del más allá. Son bastiones contra angustia que se levanta apenas asomamos un poco la cabeza a esa tierra pavarosa. Nos refugiamos en los Sistemas, en las Iglesias, en los Partidos, en las Ortodoxias, como chicos en las faldas de la madre. Son, en suma, manifestaciones de la cobardia.

El hombre libre, el herético, el solitario, tinne que estar poseído de un valor casi demencial.” (p.78) Ernesto Sabato Heteroxia

substantivo feminino
  1. caráter ou condição de heterodoxo.
    • oposição aos padrões, normas ou dogmas estabelecidos (por um grupo).
    • doutrina heterodoxa; heresia.

    Vem uma chuva deste céu: água lava e renova, e assusta. Será que o susto pode ser maior do que esta danada epidemia que me faz do avesso e  eu me afogo no medo? Elizabeth M.B. Mattos

a invenção da solidão Paul Auster

“[… ] um homem morrer apenas porque é um homem, nos leva para tão perto da fronteira do invisível entre a vida e a morte que não sabemos mais de que lado estamos” […]

(p.11) Paul Auster A invenção da Solidão

22  de dezembro de 1999 e eu fui tracejando meu prazer, fechada e convicta que o mundo só tinha esta resposta, o meu neto, Beth Mattos, todo uma nave especial trazia o evento e festejar seria normal e lírico e doce…a rede de amor.

.Ana e os meninos

 Ana Maria Vianna Moog e João V.M. Brentano e Lucas V. M. Brentano – 2020 – Torres –

outra vez Susan Sotang: constrangida

Ana e os meninos

A trajetória da vida humana deveria ser mais física na primeira parte e mais contemplativa na segunda. Mas a gente deve se lembrar que essa opção raramente está disponível e é muito pouco apoiada na sociedade. E também é preciso dizer que muitas de nossas ideias sobre o que podemos fazer em idades  diferentes e sobre o que a idade significa são muito arbitrárias – tão arbitrárias quanto os esterótipos sexuais. Acho que a polarização juventude-velhice e a polarização masculino-feminino sejam os dois principais esterótipos que aprisionam as pessoas.  Os valores associados à juventude e à masculinidade são considerados as normas humanas, e todo o resto é tido no mínimo como menos vantajoso ou inferior. Pessoas idosas têm um senso de inferioridade terrível. Elas se sentem constrangidas por serem velhas. O que você pode fazer quando é jovem e o que pode fazer quando é velha é tão arbitrário e sem muita base quanto o que pode fazer se é mulher ou o que pode fazer se é homem.” (p.28) Suzan Sotang – Entrevista completa para a Revista Rolling Stone

E a gente fica a pensar nestas coisas todas porque, afinal, pensar pode ser uma coisa boa para explicar a vida. Ou a gente escolhe uma vida cheia de vida, com cães, gatos e todos os animais que nos ensinam a fazer isso e aquilo. Ou a gente conversa, ou num monólogo a pessoa se repete e vai se explicando ou dizendo o que nunca pode dizer porque as falas nem sempre se misturam, mas se chocam. Por que me apaixonei súbito por F.T. – importa? Talvez por ele estar ali sentado naquele momento de aflição a se fazer presente junto a Iberê Camargo que morria…, ou porque me olhou e sorriu. E disse que estava procurando uma casa em Torres (todos adoram isso de morar beira mar ou no lugar das férias e ou da juventude, perto de sol), ou porque nunca entendeu como o Iberê e eu podíamos ser amigos, ou porque eu olhei nos olhos dele e sorri. Tinhas olhos azuis e era tão magro que até podia não ser/não existir. Um risco. A natureza dele sempre foi ser magro, magérrimo. E eu me apaixonei pelo Flávio. E eu estava ali junto a Iberê naquele dia. Éramos muitos. Por que me apaixonei outra vez por um estranho? Porque ele me contou as aventuras juvenis que viveu e, sei lá. Porque me disse que eu importava. E derramou fantasia erótica. E eu quis ser menina outra vez. Por que Gustavo morreu de repente sem que ao menos eu entendesse se era amor ou… Que não era nada, nem muito, apenas um encontro de dois setentões acreditando… Pois é estranho tudo isso de se apaixonar, de pensar, de se entregar. Ou dizer não quando deveria ter sido sim. Ou de se expor e querer tanto! Não é mais o tempo de querer como diz/explica Susan Sotang na entrevista. Envelhecer deve ser meditar/polemizar e pensar, pensar e pensar ou embalar netos, embalar doçuras, nunca querer sexo. Será assim, envelhecer? Envelhecer deve ser estender a mão e ter amigas. Beber chá, ou limpar a casa. Aquietar. Embalar os netos: perfeito. Colher margaridas, não / nunca se despir ou inspirar ou dizer / ou imaginar/ ou olhar para os lados. Envelhecer… Ah! Quando somos jovens vamos em frente, e nos jogamos no rio para atravessar a nado a correnteza. E temos certeza de conseguir. Pois é. A cada amor uma certeza absoluta.  E agora se eu espero, não faz sentido, apenas esperar porque tudo o que te rodeia já é mesmo um amontoado razoável de vida. E devo me acomodar no meu mundo de violetas e livros., com as margaridas. Ah! OK. Estou, levemente, deprimida: não podemos nos ver, tomar café juntos nem rir. Depois, eu penso: nem vais imaginar ou querer me ver, envelheço, vertiginosamente, enruga – se  a pele. Tenho vínculos, (risos) sulcos. Sim. Temos a vantagem do escuro. O escuro reduz o olhar. Estás rindo? Apenas tu sabes que te escrevo diariamente, e sem respostas… Elizabeth M.B. Mattos –  2020 – Torres

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Carta escrita  no dia 09 de novembro  – Ana Maria foi para Porto Alegre. A barriga linda nos seus sete meses, com o meu neto, o João. Estou emocionada ao vê-la nesta beleza  a transbordar… Os cabelos crespos espalhados pelos ombros, olhos esverdeados maiores do que já são; rosto marcado pela intensidade necessária da expectativa. Tudo nela, definitivamente, transborda. A boca entreabre na fala, todo o corpo é amanhã. Tenho vontade de chorar quando penso o que penso. O mundo continua e a a rede se faz lenta e mágica. Não pode ser diferente. Não posso parar para reter tudo como está acontecendo agora: pura limpidez e graça: felicidade. Enfim, lá foi ela encontrar – se com a irmã: tranquila, amorosa. Estão felizes eles os dois, o casal. Agostinho chegou em casa depois de uma semana de plantão e o abraço era de pura ternura e alegria. Vê -los  sentir a paz. Uma sensação de quietude prazerosa. Que perfeição podem ser momentos como este! […] É bom estar assim mergulhada na maternidade. Os filhos esteio: força interna que nos faz ser homens (seres) num mundo de vulgaridade em que as pessoas se escondem em cavernas… Estou sendo incisiva? É que perdidos os valores esbarramos nas aparências: beleza, dinheiro e poder. Estes fazem mesmo a máquina girar. Suponho que perdemos as referências interiores, perdemos a individualidade…, ou a necessidade dela. Agostinho e Ana Maria estão na mesma aventura: filhos. O espetáculo importante, não apenas a vida; precisamos representar…, ou nem existimos. Há que haver a manchete, a televisão, as vozes e o microfone, e o palco. Pobres daqueles pequenos…, lamento o homem que vive debaixo dos holofotes e esconde a sua essência na caverna. Mas a emoção da gravidez é a semente. Rejubilo. Acredito que o mundo pode se renovar e tenho prazer, muito/tanto prazer! Expectativa. Estou, como eles, feliz.  Elizabeth M.B. Mattos – 1999 – Torres

Curiosa correspondência que vou encontrando aos pedaços. Sempre atraída por este colorido das cartas. E estás na outra ponta. Como eu gosto de te pensar! És o hoje.

do direito de sonhar

O DIREITO DE SONHAR (Fragmento de um diário do homem)

Uma folha que cai dentro da noite é uma recordação que quer o esquecimento? Querer o esquecimento é a maneira mais aguda de se recordar. Um pequeno sofrimento que destacamos como uma folha murcha é realmente prova de que o coração se acalma? Um pequeno sofrimento que destacamos como uma folha murcha é realmente prova de que o coração se acalma? […] Estou feliz por estar sozinho no outono de minha vida? A solidão no mundo é de imediato uma velhice na idade.

Assim, na paz, em qualquer idade, aparece muito regularmente uma referência ao passado, que torna o velho a ser mais jovem. Começa então um surdo diálogo de vozes amortecidas entre tranquilidade e solidão.” (p. 194- 195) Gaston Bachelar O Direito de Sonhar

Volto ao que AINDA precisa acontecer. Em tempo…livros 2 ótima.jpg

 

 

 

 

para chegar mais depressa ao futuro, agarra minha mão…

E não fiques a me dizer que estou deprimida, ou triste! sabes bem, a energia da vida está numa alegria lá de dentro que alimento com amoras, biscoitos e leite…

“Eu fiquei pensando que as dores se separam em beliches, e se concentram, e quase se escondem, como se fossem conspirações, porque os homens entre si se separam; e os homens entre si se separam porque cada um de si mesmo se separa.” (p.48)


“A mim o que mais fere, o que mais dói são os equívocos que vejo no mundo. essa é a minha tristeza dominante: uma exasperação do senso do ridículo. E só quem já viveu essa experiência é capaz de avaliar a dor aguda, penetrante, glacial, que permanentemente me faz companhia. Falam de um inferno de fogo; eu penso às vezes num inferno de gelo.” (p.49)

É bom ter ponte entre o que penso e o que outro alguém pensa / escreve e expõe: “estou visitando o passado, para chegar mais depressa no futuro”, embalo tuas palavras, estremeço, e eu quero que me cuides para te esperar…, oxalá prestes atenção! Escuta com atenção, por favor, estou a te dizer o quanto te gosto, meu amigo. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres

“- Se alguém nos perguntar ‘aonde vão?’ nós nos calaremos. Querem que eu diga, com voz de menino, que vou correndo em busca da felicidade? Essa ideia de criança ficou enterrada no último buraco que fizemos no fundo do quintal.” (p.79) Gustavo CorçãoLições de Abismo

abismo

Não abismo, mas poço.

Acidente incompreensível.

Estou a pensar, e agora?

Por que me fiz/deixei/sou isso?

Penso no que não tenho: nenhum direto, nada.

Teu silêncio cheio de palavras.

E som atordoante!

Tanto! …, hoje voltei a conversa.

Estupefata com a timidez cruel de tudo que te escrevi, e já te perdi outra vez.

Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres

rua vitor hugo 3

 

Guido Piovene

cartas

[…] “A moral fanática da clareza interior não é útil à arte ao combater e destruir o mundo dos sentimentos, que quando ela intervém parecem todos fictícios, não porque o sejam, mas porque julgados segundo uma norma estranha que os fez parecer ilusões. Mas aquilo que escrevo tem motivos até mais graves que as razões da arte.

Nós homens modernos, não podemos aspiras à estupenda ignorância de algumas zonas perigosas do ânimo, que garantia a vida dos nossos antepassados. Somos obrigados à agudeza. Exatamente por isso, é necessário moderá – la continuamente com um piedade cautelosa, com um caridade voluntária, que impeça a agudeza de nos dominar totalmente e se tornar uma paixão e um vício.” (p.10) Guido Piovene Cartas de uma noviça

Cartas/missivas ou epístolas, ou bilhetes, importam. História ou confissão. Poucas, ou duas palavras apressadas. Penso em ti, ininterruptamente, sem parar, sem parar desde…, o que importa? Não estares nos bailes não impediu de termos dançado por/em lugares inusitados. Sempre e tão  perto um do outro! Tua história se colou de tal forma na minha não-história que se prolonga… Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres

 

prisão

Complicado chegar perto de ti! Maluca esta prisão! E tão estranho eu não poder ter certeza, ou… Não sei o que quero dizer, tens razão. Os recursos e os muros e as dúvidas, e as palavras aprisionam. Agora o vírus se alastrou… Tenho febre ao acordar e ao adormecer. Não posso dizer ou falar. Assim sentir/pensar ou adoecer, um veneno. Penso em ti, não consigo me livrar… E não tem vacina, ou modo / ou jeito de expelir, jogar fora, ou esquecer. Nada modifica a sensação premente, a carência, a loucura. Tu entendes meu corpo, apenas tu sabes o que digo sem dizer. A experiência foi avassaladora. Eu te pergunto: fomos nós que nos excedemos ou a idade nos transtorna, limita ou enlouquece? Coloquei no plural, mas talvez seja eu, apenas eu a te querer e te chamar… Eu quero te dizer tanto e tudo! Não querias / não podias ouvir. Tanta pressa! Urgências e tuas prisões, ou eram certezas. Tua resiliência! Eu compreendo sem compreender. Perigoso ultrapassar o limite. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres

” […], cada ‘amanhã’ parecia um futuro suficientemente distante e completo em si mesmo, era por assim dizer como se ela entesourasse os dias da infância, não querendo perder a riqueza individual de cada um.” (p.173) Aquele dia Inesquecível  James Hilton

Rua Vitor Hugo, 220 Petrópolis – Porto Alegre – rio Grande do Sul – 1940

A HERDEIRA

O cuidado excessivo é tão prejudicial quanto um grande descuido.” (p.76)

Primoroso desenho do caráter e da convicção. Reli com a mesma avidez de 1984. Fatiados desencontros. Amores amados.

Odeia – me, disse Morris, que desejava imensamente arrancar a Catherine um gesto de paixão que lhe permitisse ter esperanças.

Não, não o odeio. O ódio não dura tantos anos, há contudo outras impressões que perduram, quando são fortes. Porém não quero falar mais.” (p.208) Henry James  A Herdeira

Cada livro/leitura possui um impacto recorrente, e diferente. Lembrei do noivo Antunes. Quanta mágoa, por tanto tempo! Bobagem! Quanta vida vivi depois, maior/melhor ou pior / outra! Quanta lágrima, e depois boa risada e alívio! Nunca voltou para explicar a loucura daquele noivado festejado, foi levado pela mão pelo pai Leocádio como um menino desobediente. Tanta coisa ridícula e teatral nesta história montada com pedido formal de casamento e outra, mais formal ainda de rompimento: o pai do noivo  protagonizando a cena. Céus! Palmas ao senhor  repelente Leocádio Antunes. E aconteceu em 1967. Noivos ou noivas, simplesmente, desaparecem. Este romance de Henry James foi escrito em 1881. As cenas se repetem… Eu que não sei escrever histórias. Ler sempre, caminho de voltas iguais. O bom da vida? Os encontros agora / hoje. Café na rodoviária. Sonhos e pastéis. O vinho. Risadas sem epidemia. Céus! Envelhecer significa tanto e tanto!! Precisa ser diário / agora. Viver, mais do que nunca respirar e voltar, mas ficar! Elizabeth M.B. Mattos – março de 2020 – Torres (retomo velhas histórias nesta terapia)

[…] ” o famoso stream of consciousnes (corrente da consciência), mais tarde levado a extremos por James Joyce em seu Ulisses, é constante: os indivíduos nunca deixam de discutir detalhadamente o que acontece em torno deles, até os acontecimentos mais banais.” Coleção Grandes Romances da Abril Cultural

branco e preto na mesa