sem nome / sem título

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“A pintura de Pierre Bonnard é limitada ao leste pelo impressionismo, a oeste pelo nabis e a arte japonesa, ao norte por Toulouse-Lautrec e ao sul por Henri Matisse […] Ele pinta fragmentando os planos em pinceladas que lembram os impressionistas […] Bonnard é, de todos os modos e sobretudo, um pintor da cor e da luz. Mas a sua cor e a sua luz não são as que entram por nossa janela matinal. São uma invenção da pintura que, nesse caso, tem o nome de Piere Bonnard.” Ferreira Gullard  Relâmpagos

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Deveria ter começado a escrever mais cedo. Vida de fazer  num ir e vir ranzinza; quase compulsão, quase alguma coisa que não sei explicar, mas me impede / barra / interrompe o fluxo / o verdadeiro trabalho. Os afazeres domésticos se colocam em prontidão. E não posso dizer perfeito, fica do jeito possível. Perfeito no limite justo do possível.

Dias preguiçosos, ensolarados, os teus. Também os meus, são povoados. Arquiteto, penso, volto, refaço: cuidar da casa, do corpo preenche o tempo. Os músculos se movem e me entendem. Penso na xícara de chá, biscoitos e gentilezas gulosas. Penso nos netos, esqueço de te pensar.

A confessar! Estar/desenhar/ imaginar e me plantar nesta vida praiana foi querer bem meu… A moça carioca com gosto de decepção se armou livre, alegre, disposta e feliz, em direção ao litoral. Ao trabalho! Por que não usaria a palavra feliz?

Agora este jeito de ler entre preguiçoso e minucioso se instala na madrugada. A cada livro uma vivência vida. Redundante escrever, repetir a mesma coisa. Viajo. Posso ir a qualquer lugar, e estar com quem bem entenda… Se a vida exige, flutuo. Obedeço. Suporto a magia.Engraçado! Não sei o que pretendo escrever. Saiu diferente. Não eram livros, nem memórias, eram outras coisas… Envelhecer causa espanto.

Está quente e azul e claro e até fresco. Se eu abrir todas as janelas… Abrir as janelas e me deixar levar… É o tempo de antes que me agarra, e surpreende hoje. Contigo eu volto para mim: teu cheiro e tua mão me transformam. Eu me entrego.

O vento traz poeira, janelas abertas, sem venezianas atraem o sol. Quero abrir espaço mesmo, entrar no disco voador, ir a Marte, até a Lua e voltar. Tu / você entra no poder de ser você, ou tu mesma com aquela mágica. Funciona / está em cada pessoa. A força transborda / exala / salta do objeto, a matéria se espiritualiza. Posso carregar / ter / estar no mais perfeito dos mundos. Aventura e compreensão, deleite se empilham.  Respiro a terra no céu azul. Marrom e vermelho do fundo da terra me surpreendem verdes e se amarelam devagar. A transparência da luz no ouro brilha. Elizabeth M. B. Mattos – 2019 – Torres

Terezinha Lanzini

Quero agradecer! E nem sempre sai do jeito bom. Quero agradecer carinho e palavras. Transcrevo o escrito para repetir / dizer / sublinhar: estamos a usufruir da mesma, e abençoada, melancolia. Felizes nesta magia, juntas. Faço registro do teu texto:

“Ainda pouco, sentada na varanda, sentindo o vento voltando do mar senti um fio de dor brotar do fundo da alma ao ler: “eu era tão menina”. Aquela menina que fomos um dia… Com suas tranças brilhando ao sol, correndo pelos campos bordados de flores amarelas, quando ainda era primavera. Aquela menina que sorria para a manhã que nascia, acreditando ser cheia de promessas e adormecia com um sorriso angelical, à espera de mais alegrias e descobertas. Não conhecia tristeza porque não tinha tempo a desperdiçar. Só o tempo fez com que aprendêssemos muito sobre o que é essa tal “melancolia”… Melancolia ainda maior quando sentimos nosso envelhecer. Porém, amanhã será outro dia. Quero voltar a ser aquela menina que fui um dia, e correr às  cinco horas da manhã para ver mais uma vez o sol raiar, na beira da praia. Beth, cada minuto é precioso. Pra nós, basta olhar uma flor para nos darmos conta de que precisamos viver. Com urgência. Te quero bem.” Terezinha Lanzini  dezembro de 2019

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eu era tão menina…

Envelhecer, perder pedaços e não encontrar bordas! E perder referências… O filtro. Memória apertada. Lapsos e estranhezas! Envelhecer surpreende. Reconheço o corpo, cada músculo. Os ossos conversam. E o tempo grita! Não sei responder. Pensar exagero. Olhar/ver assusta. O que nunca enxerguei aparece, e reconheço. O nunca imaginado existe e se exibe. Dois anos, três anos e eu era tão menina! Beth Elizabeth M. B. Mattos ainda em Torres 2019

A Leste do Sol e a Oeste da Lua

Este lugar existe, estou acomodada nele. Acordo com o sol deslumbrado. Eu me vejo no espelho deste tempo longo, esticado… E me dou conta que não existe ninguém, nem mesmo na sombra da minha imaginação, não importa. Fico invisível! Se arrumo os cabelos, se o vestido se ajusta, e ou as unhas perfeitas feitas, igual desapareço. Não existe ninguém, imaginar não faz sentido,  imaginar é fugir. Longa e ajustada despedida do que foi… A música! Existem os contos / histórias… Esta sou eu. Beth Mattos em dezembro de 2019, em Torres.

A leste do sol e a oeste da lua. A localização geográfica sugere um reino sobrenatural, uma região misteriosa distinta da realidade cotidiana, especialmente porque o sol nasce no leste. “Era uma vez um camponês muito pobre. Seus filhos eram tantos que ele não tinham nem roupa bastante para lhes dar. Todos eram crianças bonitas, mas a mais bonita era a filha caçula, que era de uma beleza infinita. Em muitos contos de fadas a beleza de uma das filhas encerra a promessa de atenuar a situação econômica angustiante de uma família.”

E o peso da urgência pode ser desesperador. A beleza pode ser a marca de uma gorda infelicidade que se espalha preguiçosa, e depois, inútil. Não é assim?

“Numa noite de quinta-feira, quando o outona já ia tarde, o tempo estava tempestuoso e uma escuridão pavorosa reinava lá fora. Apartada do mundo, trancada nesta escuridão, os sonhos nos acordam e a surpresa da vida me agarra. A chuva caía com tanta força e o vento soprava tão furiosamente que as paredes da cabana tremiam. Todos estavam sentados ao pé do fogo, ocupados com uma coisa ou outra. Foi então que, de repente, ouviram – se três pancadinhas na janela. Assim como o sete, o três é um número privilegiado nos contos de fadas: três porquinhos, três ursos, três tarefas e, neste caso, três pancadinhas na vidraça. […] Quer me dar sua filha mais nova em casamento? Se o fizer, torná – lo – ei tão rico quanto agora é pobre,…Ogros e pretendentes animais sempre almejam a caçula das três filhas, talvez porque, num tempo passado, a mais jovem numa família era, com toda probabilidade, a mais atraente, já que as irmãs mais velhas disponíveis geralmente não tinham conseguido se casar, por uma razão ou por outra.”

E o estranhamente destas narrativas dos contos repetem a vida / indicam a trilha. Estes malfadados e desastrosos casamentos que roubam as possibilidades de aventurar-se na vida. Velha, desesperançada deste / neste tempo de envelhecer dou -me conta que esta tal desperança sempre existiu, dentro ou fora. Casamentos e fazer audaciosos. Construir e produzir me atropelou do mesmo jeito. Queremos no sonho o impossível do querer.  Estou a ler contos de fadas. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – ainda em Torres

Este conto norueguês foi publicado pela primeira vez em inglês em 1849. Uma variante de A Bela e a Fera, foi inspirado  por Eros e Psique. Longo e cheio de voltas não poderia transcrevê – lo. Apenas deixar a vontade de viajar nos detalhes e percalços do amor. A Leste do Sol e a Oeste da Lua  foi escrito por Peter Christen Asbjornsen e Jorgen Moe2019-04-27 20.13.01.jpgcapa das histórias

juntos, com certeza

24 de dezembro de 2019 – estranhamento pendente, não sei explicar. A memória se espreguiça confusa, ora lembro, ora esqueço. E neste jogo vou a me dar conta do tempo como se fosse um hoje disfarçado, e ao mesmo tempo tão real! Palpável. Esquisitice de outro mundo a despedida: um presépio, uma árvore de Natal. Velas acesas. Quero tudo  outra vez, quero tudo de volta! Aqui é Natal! A mãe e o pai, a tia Joana lindos nas vestes natalinas, especiais. Olhos verdes arregalados do Roberto. Anita enrolada no bom gosto da elegância festiva. As pratas e os cristais. Pacotes com fitas coloridas, e as flores. O perfume. Na fantasia da memória todos alegres. Na casa da Magda o Papai Noel vai descer com o grande saco de presentes, e vai dizer como nos comportamos durante aquele ano… Nunca o reconhecemos, intuímos, mas não temos certeza, igual sentimos certo temor. Depois, na rua Marquês de Pinedo, a Frigga tocará piano, e cantaremos Noite Feliz! O Moog rodeado dos netos, e a casa iluminada, enfeitada com guirlandas. A mesa com a toalha cor de rosa e seu bordado de ramos. Caixa de música e o riso de crianças. É Natal! Eu estou em casa. E hoje tão longe! Silêncio de passarinho acordando, e quase frio neste amanhecer. Separados! E com certeza juntos! Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres

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esculpir e pintar

Vou pintar de alegria a janela, esculpir aquela porta, e o vento me trará jasmins… Vou descer os degraus com cuidado, vou rezar Ave Maria e Santo Anjo. Vou pedir para voltares. Vou me deixar ficar triste sem chorar! Que este ano se apresse para sair. Mergulho no mar, abro os olhos no fundo. Chamo a Magda, competimos nas braçadas, depois vamos comer pastéis e sonhos, e vemos filmes, não dormimos, rimos de nós duas, tanto tempo! Vou lavar a louça, e também os copos, a comida está pronta. Ah! Estou com fome! Por isso não durmo, invento. Querido, porque não me perdoas, e vens me abraçar… Estou atrasada para o amor, fiz tudo errado, fiz certo… Quebro os copos, todos. Esvazio gavetas, e a música, francês… Sou tão atrapalhada! Perdoa! Beth Mattos cansada em dezembro.Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – tanto quero dizer para não guardar dor e aperto! Vou comer pão com manteiga, café com leite, e será demais… Saudade tenho de ti. Beth Mattos dezembro de 2019.

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sempre o SE condicional

Se tu viesses me ver. Se tu viesses me ver eu te surpreenderia no beijo sem palavra. Surpreenderia com beijo a tua presença surpresa…

Depois, constrangidos e silenciosos, ficaríamos no abraço, sem conversa.

Se o beijo caminhasse, iríamos sorrir no gosto apressado de ir e voltar, ficar.

Se tu viesses me ver, iríamos caminhar…

Tuas mãos nas minhas mãos. Sem palavras.

Se tu viesses me ver, talvez fôssemos ao mar. Elizabeth M.B. Mattos 2019