
Se eu fosse um Fama eu já teria um carro, uma casa, emprego, nenhum filho. Se eu fosse mesmo um Fama eu teria assinado o contrato, recebido o dinheiro. Teria comprado inveja, ironia. Se eu fosse um Fama teria beijos, abraços, muita comida. Se eu fosse um bom Fama estaria rico, gordo, risonho. Teria visitas nos fins de semana. Ganharia presentes a toda hora. E eu seria o melhor no tênis, no golfe. Ou jogando cartas, bebendo uísque. Seria bom nas piadas. Se eu fosse o Fama teria um alguém abrindo a porta do meu carro, servindo o vinho no meu copo. Seria inteligência pura, certeza pura, acerto certo. Se eu fosse um Fama não seria este Cronópio que surpreende, mas não faz, e se faz se machuca. Quando transforma chora. Quando acerta grita, quando grita diz, obstrui, inverte inventando… Não pintaria este retrato sem rosto, com tanta tinta sem risco. Eu não seria este Cronópio que vive espremido entre Cronópios! Nem teria este quintal que chamo jardim sem canteiro neste terreno que não começa nem termina. Nem pensaria viagem, festa, alegria quando apenas caminho, e caminho até o outro quarteirão pra visitar a tia. Se eu fosse um Fama não teria tanto filho que grita, chora, e pede. Nem tanto aperto pra morar, nem tão pouca comida pra comer. Não iria pras praças reivindicar. E todas estas pernas, braços que se enchem de areia, de barro seriam Esperanças caminhando distraídas, alegres e contentes nesta vida… Se eu não fosse Cronópio acho que não queria ser Esperança não. Não esta tal Esperança que não acontece. Nem queria ter a tristeza parada de ser estátua pra ser olhada. Queria o amanhã que não vem… Se eu não fosse! Se eu pudesse deixar de ser fantasia e ficasse vivo, Cronópio esperto! Porque se eu fosse Esperança boba. Se eu fosse Esperança flutuando sem ser, nem fazer, eu queria ser um Homem no sentido completo da palavra, queria pensar, organizar, sentir e caminhar em direção ao Bom, ao Justo, ao Alegre e ao Generoso bem do jeito que tem que se deveria ser… Não sou Cronópio, nem Fama, nem Esperança, nem aqui, nem agora, mas lá! Neste lá possível e esquecido de todos.
Exercício da Oficina TERAPIA DA PALAVRA – após leitura de Julio Florencio Cortázar (escritor argentino, nascido em 1914). Livro lido: Cronópios, Famas e Esperanças. Elizabeth M.B. Mattos – Torres, agosto de 2013

Julio Cortázar! Autor de Los Reyes