contei teus anos

Com a ponta dos meus dedos contei teus anos passando pelos meus, se tivesse um telefone eu ligaria, e diria sem graça, a verdade: ainda te amo com vergonha, sem vergonha, envolvida, sem nenhum envolvimento, eu te amo. E não fizeste os noventa anos. Vamos festejar. Ou deixaremos passar mais este ano branco, sem festejo, Teu apartamento tem qualquer coisa de passado, mas tem a pureza. Todos os livros escritos rasgam teus projetos e explicam o inexplicável: tantas mulheres te amaram e tantos homem te sabotaram! E tu e eu nos amamos e nos despedaçamos também. Che Guevara morreu, e os caminhos ficaram/foram bloqueados, pintados as paredes de azul, e o quarto pequeno de vermelho, e os quadros de Iberê Camargo te esperam, são todos teus. Arruma tua sala principal com eles,. e me ajuda a publicar as cartas para que elas fiquem, assim como as do Paulo H.Filho, guardadas para a história de amar e de amar s de conhecer, assim como as tuas, assim como as pequenas e inacabadas …eu fiz tudo errado, amarei sempre. Quando a força do braço largou meus dedos medroso. Aceitei o medo e desprendi os dedos, larguei teus dedos. Vou sozinha. Tu estarás com alguém, sempre terás alguém esperando..Meu amigo querido, és um amado bastante querido, atravessado numa história de amigos e amores. Tinhas os lábios gelados, o corpo gelado. Mas estavas lá.Vivo. Décio Freitas já tinha morrido. Ser o ultimo parece mais simples. E tu não pensas o telefone, não falas comigo, não importa, eu te amo, e todas elas te amam. Beth Mattos – Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2020 – Torres. Por favor, me espera, lúcido. F. T.

fatia cinzenta

A cada movimento dos netos, em todas as saturações, cansaços, remeto a linha de sombra, a indefinida (e tão nítida!) sombra do Eu. Do quem sou eu, afinal? Retomo as experiências-fatos básicos para reconhecer mãe, tia, irmã, avó. Quem sou? Amiga? Filhos desenham trajetórias iluminadas: nuances coloridas. Inúmeros verdes, e o marrom a se espichar do negro cruzamento. A uma sua galhada. Abstrata projeção colorida. A beleza importa, mas não define. Certeza tenho de que a ideia principal se agarra na inteligência, mesmo escondida. Ou no limite da percepção onde o egoísmo habita. A se transformar dia após dia! Sim, o poeta explica a rima verdejante e ativa. O gesto descreve… Debruçada nas rosas amarela, no branco lúcido e perfeito do traço que descreve com a voz e apaga ao mesmo tempo eu me deixo ficar… Observo, anoto a linha repetida de cada um. As mãos se estendem, agarro uma delas, duas delas, e nos deixo arrastar na definição lúcida daquela voz. A luta/ a vida/ a hora exige solidão. Não aflita / ou ansiosa / ou a gritar/ ou a correr. Solidão pacífica. Reconhecimento. Quero falar/ponderar/ouvir/explicar dizer ao Felipe. José, Júlio, Carlos, Vicente, Luís, Marta, Antônia, Beatriz e Gabriela, Lucia e Maria, Stella e Georgiana, e Isabel. Com todos a última palavra, ou nenhuma. Apenas olhar. Acredito que está tudo impresso. A cada um dos laços emaranhados a nitidez. Corre na água transparente desta via os borbotões de narrativas, cada pessoa um atalho. E todas estas pessoas são o Eu. Não venço esta geografia estranha, mesmo ao florescer. Define / explode em orquídea ou em jasmim, em saúde ou doença… Estou tateando. Todas as cirurgias escavam, e toda doença avança, e a saúde floresce com ramadas selvagens. Descrevo o perfume a entrar invasivo pelo quarto porque os miúdos jasmins desabrocham em perfume. E eu me emociono. Elizabeth M.B. Mattos – agosto em fatias cinzentas de um dia movimentado. 2020 – Torres

Elizabeth Barrett Browning

Ama-me por amor do amor somente. Não digas: ‘ Amo-te pelo seu olhar,/ O seu sorriso, o modo de falar/ Honesto e brando. Amo-a porque se sente/ Minhalma em comunhão constantemente / Com a sua.’ Porque pode mudar/ Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar / Do tempo, ou para ti unicamente./ Nem me ames pelo pranto que a bondade/ De tuas mãos enxuga, pois se em mim/ Secar, por teu conforto, esta vontade/ De chorar. teu amor pode ter fim!/ Ama – me por amor do amor, e assim / Me hás de quer por toda a eternidade.” Elizabeth Barrett Browning

amigos

Amigos, amigos e amigos: pacote de possibilidades alegres, divertidas. Risos cortados com jogos, filosofia. Es comidas curiosas em quieta noite de visitar… Noite prolongadas pelo violão, na música, e somos nós. Sem planos, mas amarrados pelo desejo de estar um com outro, e o outro com todos. Vamos comprar uma bandeja de sonhos, de pastéis,. Sucos, empadas de camarão. Aquele gosto de Torres que nós conhecemos tão bem. Gostosuras engraçadas. Beth Mattos – agosto de 2020 – Torres

vento

Saí para te procurar, tinhas dito que virias, fui a caminhar, desconfiada. Desacredito que viesses, mas eu fui. Sentei, naquele primeiro banco, perto dos hibiscos, na beira da lagoa. Fiquei. Esperei, e fiquei. Demoraste, desisti de te esperar. Não sei o que te acontece, não vieste. Desisti de te esperar quando o vento chegou. O vento grita. Encrespa a lagoa. Lembras? Venta tanto por aqui, talvez já tenhas esquecido… No verão não ventava. Chovia de tarde, e no outro dia, o sol. Íamos para a praia: eu para o mar, tu para as canchas…Beth Mattos – agosto de 2020 – Torres

inconfessado

Imagino que estejas confinado dentro de ti, espedaço. Eu confinada nos meus limites, acabrunhada, também triste. Inquieta por mim, por ti. Não sei o que fazer neste teu pequeno apartamento. Eu me estranho, tu me estranhas… Esquisita aventura de querer. Por um momento não te reconheço, nem sei descrever quem sou, e nada sei de quem és/sejas. Eu me aventurei no embalo das tuas palavras. Equivocados os dois. Tu acreditaste em todas as expectativas e nesta minha alegria peculiar, descompromissada. Presa/ encurralada / dependente da música. Da alegria desta festa. Festa? A festa de estar, afinal, viva. Fechar os olhos. Abrir os olhos. E agora/hoje bebo o meu chá ao teu lado, constrangida.Tens o teu quarto, tenho o meu quarto, mas estou a vagar devagar pelo sonho bobo de acertar. Acertar exatamente o quê? Não sei. Preciso te dizer, mesmo que seja em pensamento. Acertar as aventuras de acertar o incorrigível. Por isso percorri tantos quilômetros de trem, passei pelos aeroportos necessários. Por isso me desloquei e caminhei tantas calçadas! O sonho, meu balão vermelho, me guiava. Lembras do Ballon Rouge? Estes balões coloridos enfeitam as calçadas, e, como bandeirolas, como as roupas nas janelas balançam intimidades e odores, conduzem à aventura. O desconhecido peculiar do amor. A cada pátio uma história. Sabes o que quero te dizer? Sonhos são incomunicáveis. E o esquisito de tudo que quero dizer…, o esquisito de te pensar sem palavras é exatamente esta incomunicável inquietude. Não consigo esticar a mão. Não consigo. E o tempo escorrega por debaixo da porta. Tenho vontade de voar. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2020 – Torres

Le Ballon Rouge (BrasilO Balão Vermelho ) é um filme francês de 1956, do gênero comédia dramática, dirigido por Albert Lamorisse e estrelado por Pascal Lamorisse e Georges Sellier.

sem explicar

Faculdade NOTRE DAME de Paris em Ipanema, de noite. Sério empenho:de manhã daria aulas, 5 períodos, no Colégio da Providência, freiras Dominicanas em Laranjeiras. Aceitei. Uma quinta série, 2 sextas séries, duas sétimas séries e uma oitava, e 1 primeiro ano, segundo Grau. Estudei e me preparei em junho com Roberto. Preparei minhas fichas de análise sintática, classes gramaticais, leituras e filmes. Dois seminários. E foi especial. Sucesso. Fui aceita. Faltava um ano para me formar. E me increvi no Mestrado, aulas…(??????????) a ser concluído.

empurrar porque não quero

E desejo tanto pegar o celular, discar o número, e dizer, mesmo não dizendo. De qualquer forma o dia ficou azedo, inquieto esquisito, não faço e nem faço este não fazer…Estou do lado errado. E tu não vais ligar. Não me importo. Juro que não me importo. Nenhuma vontade tens que dê certo. Eu estou com dor de cabeça, atrapalhada. E o dia estava/era um bom e gentil dia. Registro. Fica para amanhã, ou depois de amanhã. Ou abafo tudo e não escrevo. É assim, falta – me coragem. Beth Mattos – agosto de 2020 – Torres -Eu vou dormir, fora/sem ser hora de dormir para não te encontrar, nem explicar, afinal, não queres mesmo me ver. Amanhã eu vou telefonar.

inacabado

24/08/2020 13:49:26

Dois dias de sol. Pelo/com/no ou através do sol, vida a se contar e a se repetir. Luz e prismas, depois a inclinação da tua voz. O outro/ amigo, irmão, amado ou amante/ marido/noivo/filho escorrega/ ou surge/ ou aparece dentro da tua alma, num filme corrido… Desgarrada por um momento, definitivamente, não sei. Liberta a lembrança boa, também as doloridas e aquelas picotadas. Caminhamos as duas silenciosas. Depois de tanto silêncio não parece importante o som, ou qualquer coisa que se diga. Assim mesmo o fato de atravessar os corredores em aproxima nossas almas / e o nosso passado. O danado do impertinente passado em que dividíamos o mesmo quarto. Um pouco antes de Isabel casar, e sair definitivamente… O definitivamente não seria voluntário, mas as bandeirinhas coloridas daquele inverno, do salão de festas, dos quitutes: queijadinha, pinhão, amendoim, cocadas brancas, doce de abóbora açucarado ficou como uma pedra, espatifou-se do penhasco com a morte prematura. E as danças a se sacudirem nos babados dos nossos vestidos foram interrompidas com a notícia. E já faz tanto tempo deste dia! Alguém esbarrou no braço de Isabel, ela levantou os olhos, lagos azuis. Os redondos faróis que iluminavam o corpo, os gestos. E a voz não veio. Estávamos as duas na despedida ardida. Deixei as lágrimas escorrerem pelo meu vestido. As lembranças se misturaram. Estranha memória. Ninguém disse/falou ou emitiu um som. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2020 – Torres

Eu sempre estou a começar histórias sem alinhavo, escondidos fragmentos… E sem escrever / sem organizar / sem alinhavar deixo fugir a memória tão logo a manhã termine, e o sol desapareça. Ainda não estou pronta para recomeçar. Escorrego para dentro do passado enquanto o dedilhado do piano me embala e volto a dominar o piano. Por que deixei o tempo passar, por que corri tanto? Por que não estou onde deveria estar? O que exatamente aconteceu? Sou eu que decido ou a vida decide por mim a me empurrar como se fosse uma boneca desengonçada… Onde está o domínio, o poder de ser EU?

– Gosto das tuas histórias, precisas e organizas, catalogadas pelas viagens. Embora não deseje sair de mim mesma, ou trocar de lugar contigo, eu te compreendo. Não tenho pressa, e o tempo apressado se irrita com o meu sono e com os livros inacabados. Vozes interrompidas, aniversários não festejados. Ironicamente trancada em lembranças. Tuas/nossas memórias, ou seja num nada lacrimejante/ brilhante, um bordado inacabado.