O crisântemo descabelado

 “A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. […] A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil. […] O jasmim é dos namorados. Dá vontade de pôr reticências agora. […] Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. […].

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 E Clarice segue daquele jeito escorrido, fluído, maravilhoso que ela inaugurou, e rege.

“O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeladamente controla a própria selvageria.

Acho que vou ter que pedir licença para morrer. Mas não posso, é tarde demais. […]

Lawrence, Lispector. Tempos diferentes, o gosto, a cor, o mesmo desejo ardido e descabelado.

Água VIVA, Clarice Lispector, página70-72, escrevendo das flores.

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Os crisântemos pertencem à família das margaridas. Os jardineiros cultivam crisântemos pelas suas flores numerosas e vistosas. O nome crisântemo deriva de duas palavras gregas que significam flor dourada.

Ao sabor do vento

“[…]pessoas que vivem ao sabor do vento. Parece interessante num primeiro momento, mas isto também significa não se posicionar, não tomar partido[…]”

É um estilo de vida, um jeito de ser, e tomar partido, engajar-se no sentimento, nos afetos, para o coração, pode ser a escolha, emocionalmente, errada quando se trata de um ser mundano, quero dizer, que vive no mundo fora da pátria, embora conjugado com ela, como é o caso. Sei lá se é bom viver no/ do outro lado do mundo, na outra lua, lembrando Hurakami. Como jogar futebol para times de outros países que não o seu! Ganha-se melhor, aperfeiçoa-se, faz a diferença… sei lá! Tem sempre alguém que quer explorar outros planetas, outras estrelas, e os que se acomodam num asteroide, como o Pequeno Príncipe. O que significa botar o pé no mundo? O amor, ou estas histórias amorosas, ou amorosas histórias de amor com ladeiras, precipícios, noites enluaradas, prazeres, delícias, lágrimas, e irritação. Superação, aceitação, as chamadas generosidades, e, constante negação interior. Não somos adestrados, amestrados, somos selvagens. Não somos? Se quisermos estar fazer parte da manada, do grupo, do acerto, da dupla, em família, socialmente dizendo, há que se acomodar com diretrizes e bases, dogmas, ou leis. Está na natureza rebelar-se. Num primeiro momento, como dizes. Existem seres humanos que permanecem selvagens. E digo selvagem no melhor sentido, a escolha é a do momento, ou salto, e vivo, ou entro na caverna, e me escondo, ou… Subo na árvore, tudo depende do cenário, do perigo, da força do momento. Escolher parcerias, complicado. Escolher é aperfeiçoar o limite. Bem, de certa forma, também um desafio. Outro tipo de desafio. Dizem que o tempo define o amor, o companheiro, mas, até este tempo de certeza chegar passamos por muitas surpresas, apenas, aceitando… Ao sabor do vento. Complicado para ambos os lados, mas muitos ambicionam o limite. Comprometer-se, em todos os sentidos, nem sempre é possível. Defendendo o moço? Pode ser. Não só histórias, fatos, nós trepidamos, suamos, e nos irritamos com o afeto, com a falta dele, o equilíbrio, a lógica não está na paixão. Aliás, não está em lugar nenhum. O bom companheiro acontece no bom momento. Clichê: no ambiente de trabalho, no desafio profissional, na mesma rua, no mesmo bairro, com a mesma situação financeira, com as mesmas, e reconhecidas carências, com os ajustes certos na hora de dar espaço, em família, na tragédia. Sem mágica. E, o principal, saber quem somos, e como queremos querer.

Que coisa mais longa!  Se viajar hoje …Talvez chegue para o cinema, não sei. Estou sem o hábito. Esta coisa de ler toma tempo!  O livro não posso emprestar. Cheio de anotações, intimidades. Fico assim, indo e vindo nas vontades! O temporal segue. Quase caiu um poste aqui na lagoa.  Muita chuva, e vento. Tanto vento!

Diário 1Q66

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Citações e conversa / texto, esquisitos. Desgraça. Despedaçada mulher – personagem que se decompõe na dor de apenas ser a mãe. Diário de 1Q66.

Uma jovem mulher a lamentar-se de filhos belos, mordazes, e presentes. Envelhece por dentro. Amamenta, embala, sorri, e envelhece por fora também. Lacrimeja perdida. O tango? E o gosto do prazer partido.

Mauriac, Lorca, Turgueniev, Paulo Hecker Filho, Paulo Autran, Maria Della Costa. A beleza ultraja, transgride o talento. A beleza se transforma em escudo. Cria sombras. Maria Della Costa bela, genial, mas, principalmente, belíssima! A beleza abafa, ou se aperta. O poderoso estende a mão de midas, e sufoca ao mesmo tempo que acarícia.

Em paralelo,  o sofrimento sonha segredos intrusos usurpa o direito de ser apenas mulher. Maternidade escrava agravada como se para sempre fosse, apenas mater em idade. Palavra velada, ou vomitada…

A tragédia respinga, e o sofrimento se faz já ao café da manhã, com o primeiro cigarro. Pesado esforço para ser o que de fato já deixou de ser, alegria alegre… Inteligência equivocada. Emocional dividido, somos o que queremos, mas também o que não queremos.

Escrito solto num caderno azul que sobreviveu as mudanças. Devaneios, e confissões. Os casamentos nos consolam. Casamentos, bailes, e verões no ócio. Não foi a inteligência, nem a formosura que a livrou da solidão. Confusão que nos arrasta aos equívocos. Mundo paralelo. Beleza ou talento? Elizabeth M.B. Mattos –  janeiro de 2015

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Sentimento Achado

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1.

Estou a tentar… Este ou aquele sentimento. Segurar nas mãos o espaço preciso entre felicidade e prazer. Então, a mentira, o segredo, o pecado se transforma em transgressão libertadora. Mãos nos bolsos de jeans desbotados. Enfeitar, e despir.

Histórias já mapeadas. Nada específico, foto sem contexto. O detalhe sem corpo. Não existe lembrança já transcorridos tantos anos … Por isso lhe escrevo apressada querendo dizer tudo, sem especificar nada. No entanto, a lembrança, sua história de galã na charmosa ponte aérea Rio – São Paulo tem raízes, também lacunas! Lembro o olhar, ou a sofreguidão. Sinto o prazer do corpo. O beijo, a liberdade descabelada dos crisântemos do D. H. Lawrence. O que não foi, ainda é sua presença. Vou largar mesmo aquele tu seco, e cheio de medidas engessadas onde fidelidade e traição se fazem ícones desgastados. Você presente ao segredo essencial que se mistura na leveza espumada desta lembrança. Vida desvendada por prazer, sem acertos. Sem dinheiros contados…

Você soa como piano, violino, sonata, sem trovoadas nem tambores. Flores pelo chão, ventania no cabelo, deslumbramento. Voltar ao você endérmico, aberto. Uma imagem se sobrepõe a outra imagem, esta corrente de histórias! Particular, esta raiva, decepção súbita. Pedacinho de sentimento desgarrado.  E dou risadas! Tudo ao mesmo tempo. Sobreposições. Se nos imaginamos lisos, higiênicos, coerentes, previsíveis sucumbe-se no vazio.

Uma colagem, um minuto, um dia, depois outro. Abraços, risadas, dores. Dicotomia gasta: vida e morte. Ausência de artigos, de pronomes. Canções, ausência. Invasão. O que seria bom e adequado dizer? Fidelidade ajustada. Haja generosidade!

Escrever e contar tem aquela costura grosseira da pequena mentira útil. Mercados, ou quem sabe aeroportos? Pode ser rodoviária, ou porto. Lugares de embarcar e desembarcar, livre comércio, exposição. Passageiros…  Importante é costurar. Esvaziar a caixa. Não aguento mais guardar, ou empilhar. E você, meu querido, você não está em nenhuma delas. Sem fotos. Ainda você e eu, hoje.  Voltar a te ver passados trinta anos pode ser um equívoco.

Lacunas a borboletear! Perguntas embaladas no eco. Feridas abertas. Pisotear na lama do sangue. Adubar aleatoriamente resíduos do passado. Escalavrar, sucatear, e juntar ao 2015 uma memória seletiva e gasta. Importa? Reter amigos, embalar, beijar com assombro. Eufórica juventude! Sexo e rock! Cerveja, areia, e risadas em qualquer idioma. É preciso reler. Rever, e valorar o tempo, medir generosidade. Enterrar a mesquinharia frouxa que se refestela por aí feito cachorro sem dono, gato perdido, leão sem selva.

A imagem apagada do seu sorriso me aquieta. Sem fidelidade, nem traição o sentimento achado aquece.

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D. H. LAWRENCE

” crisântemos brancos desgrenharam-se ao calor ” D. H. LAWRENCE

Certas notas, certas frases, algumas observações caminham nos próprios espaços, cercadas.

O que significa, ” crisântemos brancos desgrenharam-se ao calor “?

Vibração, a volta ao mundo, a poesia na prosa, vibração!

Outro

O céu, queres dizer. O céu azul. Não recebendo resposta reformulas mentalmente a pergunta e, cem passos, cem minutos, sem ânimo olhas de novo para o rosto dele, e perguntas se não parece muito menos distante do que, na verdade, é. Onde estás? Não te vejo. Por alguma razão que nunca chegaste a entender,não respondes a pergunta. Estupefatos, os dois.

Um GANCHO de leitura

SE EXISTE SENSO DE REALIDADE TEM QUE HAVER SENSO DE POSSIBILIDADE

“Mas se existe senso de realidade, e ninguém duvida que ele tenha justificada existência, tem de haver também algo que se pode chamar senso de possibilidade. Quem o possui não diz, por exemplo: aqui aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer isto ou aquilo; mas inventa: aqui poderia, deveria, ou teria de acontecer isto ou aquilo; e se lhe explicarmos que uma coisa é como é, ele pensa. Bem, provavelmente também poderia ser de outro modo. Assim o senso de possibilidade pode ser definido como capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser, e não julgar que aquilo que é seja mais importante do que aquilo que não é. Vê-se que as consequências dessa tendência criativa podem ser notáveis, e lamentavelmente não raro fzem parecer falso aquilo que as pessoas admiram, e parecer permitido o que proíbem, ou ainda fazem as duas coisas parecerem indiferentes. Essas pessoas com senso de possibilidade vivem, como se diz, numa teia mais sutil, feita de nevoeiro, fantasia, devaneio e condicionais; crianças com essa tendência são educadas para se libertarem dela, e lhes dizemos que tais pessoas são utopistas, sonhadores, fracos, e presunçosos ou críticos mesquinhos. “

Robert  Musil, O homem sem qualidades

Haruki Murakami

Haruki Marukami, 1Q84.

“Eis o mundo do espetáculo

em que tudo é fantasia;

Mas, se você acreditar em mim,

real ele se tornará.”

Luas, duas, ou três luas no céu. Que inveja deste poder! Mundo, o meu, carregado, perigoso, intenso! As luas. Sim, temos duas luas, ou quatro, e o paralelo. Considerações, violência, solidão, e plenitude: “Não importa o que aconteça ou o que eu faça, preciso lutar para que isso se torne real.” E a sintonia não se faz senão no amor. Do amor, o específico amor da criança que fomos, que somos, por favor, estende tua mão. O entendimento da inteireza: fiel, vinte anos, ou trinta, cinco, ou já sessenta anos passados. Onde estou?

Há que sentir o outro na lágrima, na entrega e acreditar na plenitude. Acreditar. O sentimento invade. Confiança absoluta: vou te seguir, estou sentido a tua mão na minha mão…

O livro segue descrevendo, pintando um vazio de detalhes, e inteiro, completo. Não exatamente uma história de amor, mas de paciência. A perfeição da religiosidade, sermos nós mesmos. Conduta coerente. Sabemos o fio condutor raro difícil. Deus e coragem. Do vazio completo a integração perfeita em pequenos gestos.

“- Cidade dos gatos?

 –  É uma cidade onde impera uma profunda solidão durante o dia e gatos grandes ganham o controle durante a noite. Há um rio bonito e uma velha ponte de pedras. Mas não é um lugar para nós ficarmos. “(p.446. Livro 3)

OBSERVAÇÃO, em tempo

Exagerei nas luas. Só podem ser duas. Esta é a metáfora. Se  forem muitas, será desdobramento excessivo. Realidades com tanto plural acumulativo vira esquizofrenia… Doença. Haja resguardo! No livro a medida é justa, no fantástico real, no imaginado real, na imaginação real. E ainda temos um bom percurso literário, pinceladas adequadas, citações por extenso, bem do meu agrado. Um autor na alma de outro autor. Outro mundo, outro texto-livro. Viagem longa, enriquecida: degustada. Vejo outras ilhas. Acrescento autores nas estantes. Volto a leituras já feitas, renovo. Para quem escreve citar é uma isca. Algumas indicações conhecidas, mas sempre outras cerejas. Pontuar a bagagem literária, bom para o autor, bom para o leitor. Outras luas! Elizabeth M.B. Mattos – janeiro 2015 – Porto Alegre

 

Cheio de letras

Leitura fermento. Proposta feita, fisga, aperta. Processo inexplicável. Se não escrevo o susto chega, se leio o medo flui… Escrever. Ler. Associações, memória. Pequeno caminho interno. É o texto objetivo, é o texto escondido, é também, o pedaço de quem lê. Tudo misturado, outro livro. Como “em suas recônditas escuridões, os seus respectivos segredos”, traz o passado. Uma porta pintada, emassada, a bala de um revólver Taurus 838 Inox 6,5 polegadas, 8 tiros. Calibre 38. Ameaça. Passos, ou apenas um vulto do medo? Alguém estaria escondido atrás das hortênsias floridas? Venezianas, embora fechadas, permitem que a sombra assombre na sombra da noite insone.  Na memória inventada o som de um disparo. A porta emassada, o vestígio. “A realidade é sempre única, não se deixe enganar pelas aparências”.

Não conseguimos saber se este hoje ventoso, cinzento tem qualidades de alegria, de permanência palpitante. Ou será ainda mais cinzento porque faltou água? Faltou luz, e estou doente. Falta sono. E o corpo se estica, resmunga. Posições tomadas, fixas, previstas.

Bateram duas vezes na porta. E o som veio de longe para bem perto do meu sono da tarde. Não levantei. Estas viagens extraordinárias acordam os nervos. E, as vozes desaparecem. Depois os corpos se avolumam, se inclinam como novas sombras. É o vento das venezianas.  Os pinheiros conversam. Alto! Com as duas mãos apertadas bem forte contra a cabeça tapo as orelhas.

HARUKI MURAKAMI – 1Q84   – Livro 1. Prossigo a leitura sem entender a história lenta, detalhada, nem este texto dentro do texto. O que exatamente Murakami escreve? Alguém se propõe, faz acontecer, e somos fisgados. No Natal do ano passado os três livros estavam enrolados numa fita amarela… Promessa de um verão cheio de letras. Gosto. Neste janeiro avanço na leitura.