Distração

Lugares inesperados me esperam, foi o que senti…Irei a Noruega, a Suécia. Um novo amor. E também ao Japão ver as cerejeiras floridas. Haverá tempo? Sei que não posso levar a Ônix.

Não haverá tempo para cumprir promessas, escrever cartas, dizer o que pretendo. Tenho me arrastado desanimada. Não consigo reter sentimentos. Sou atropelada. O emocional enterra o raciocínio lógico, como diz e explica, meu neto. É distração. Pensei muito nesta distração filosófica. João demorou bastante para me explicar… E me esforcei. Sucumbi ao modo sereno como insistiu no assunto. Será que entendi?  Sublinhou a importância de escutar, ouvir e falar. É nas palavras proferidas, diz ele, que o pensamento e o entendimento se completam. Elizabeth M.B. Mattos – 2016 Torres

“A aura dele era ponderosa, ele era uma pessoa com uma presença que se fazia notar, mas não era uma presença física, porque o corpo dele, magro e leve, simplesmente não chama atenção. […] Os raciocínios dele sempre chegavam a lugares inesperados. A abertura que tinha me  oferecido superava todas as minhas expectativas. De uma hora para outra eu me senti à vontade para dizer tudo o que eu tinha guardado  dentro de mim, era como se eu tivesse me contagiado, de uma hora para outra os meus raciocínios também começaram a me levar para lugares inesperados, e fui tomado por um sentimento de esperança.” (p.188-189)  Um Outro Amor, Karl Ove Knausgård

“Aquele cenário despertava em mim notas estridentes. Ao mesmo temo havia em mim uma outra nota, uma nota de anseio, porém não mais voltada a abstrações, como tinha ocorrido nos últimos anos, não, meu anseio era tangível, concreto, Linda caminhava lá embaixo a pouco quilômetros de mim naquele exato momento.  Que tipo de loucura me afligia?, pensei enquanto eu caminhava. Eu era casado, meu relacionamento ia bem, planejávamos comprar um apartamento em breve. E de repente eu tinha vindo para cá e resolvido destruir tudo. Era  que eu queria. Caminhei sob as sombras malhadas da folhagens, rodeado pelos cheiros quentes da floresta, pensando que eu estava no meio da vida. Não da vida como idade cronológica, não no meio da estrada da vida, mas encravado no centro da existência. Meu coração palpitava.” (p.196) Um Outro Amor, Karl Ove Knausgård

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Você já chegou?

Você já chegou? Estou pensando em você. Quando pensamos em uma pessoa conhecida, […] mas tudo o que aquele rosto podia ser, todas as coisas indefiníveis e ao mesmo tempo infinitamente claras que uma pessoa irradia para quem a ama.

Aquelas duas frases de repente fizeram com que eu sentisse a presença dela.A imagem de Tonje, de tudo que ela representava para mim, me preencheu por inteiro durante um breve intervalo. Não apenas o rosto dela e a forma de agir, como acontece quando pensamos em uma pessoa conhecida, mas tudo o que aquele rosto podia ser, todas as coisas indefiníveis e ao mesmo tempo infinitamente claras que uma pessoa irradia para quem a ama.Mas eu não quis responder. Eu tinha ido embora justamente para me afastar dela, então assim que uma onde de tristeza me atingiu eu apaguei a mensagem e voltei para a tela com o relógio com um clique.”(p.145)

Qual seria o problema se eu nunca mais voltasse? Esse tinha sido o meu desejo. Estar aqui sozinho, em uma cidade estranha. Sem nada que me prendesse, nenhuma outra pessoa, apenas eu, livre para fazer o que eu bem entendesse.”(p.147)

Karl Ove Knausgård  – Minha luta 2 – Um Outro Amor

Pelo fim

Meu querido: parece inútil escrever quando estás tão longe!  Longe já seria o bastante para me sentir perdida. Quanto tempo o tempo tem para nós dois?  Escrevo pelo fim, contradigo toda lógica …. Apenas obedeço, e sigo peregrina atrás de ti. Enquanto te aventuras pelas estradas, enquanto tu segues o desafio do vento, eu te espero. Sentada na cadeira grande da varanda, perto dos gerânios. E seguirei teclando, lendo, e te esperando. De noite brindamos. Paradoxalmente, louca de amor, já estou outra vez ao teu lado. Não perdi nenhuma conexão, e embora os aeroportos sigam se agitando, gritando, empurrando, eu me inclino na gentileza de esperar.  E chego bem cedo, conforme recomendaste. Leio devagar, muito devagar. Faço tudo assim, devagar, já sabes bem como sou. Elizabeth M.B. Mattos – Torres 2016

« Mais difícil de reconhecer, por terem consistência de sombra e sonho, eram as relações na outra árvore, cuja imagem reproduzia a vida. Lembrança primitiva da relação infantil com o mundo, da confiança e entrega talvez fosse a base; tudo isso continuará vivendo na intuição de ainda vir a enxergar como terra vasta o que habitualmente enche apenas um vaso do qual brotam os raquíticos ramos da moral.” (p.422)

O Homem Sem Qualidades, Robert Musil

 

POEMAS para você

 

POEMA

“Daqui, dali, pelo

Vento em atropelo seguido,

Vou de porta em porta, como a folha morta

Batido… “Alphonsus de Guimarães

obraDEDICATÓRIAdois poemas

“Qualquer coisa me afoga, entre soluços e ais. É preciso exprimir, traduzir, explicar…Ninguém sente senão o que soube falar. Vive-se de palavras, nada mais. Mas é preciso que eu consiga essas palavras e que eu diga, e você saiba … Mas, o que? Se eu soubesse falar como um poeta, que sente,  – diga!  – diria eu mais do que quando tomo entre as mãos essa cabeça linda e cem, mil vezes, loucamente, digo e repito e torno a repetir: Você! Você! Você! Você!”  Guilherme de Almeida

 

 

 

 

 

 

De volta no tempo

Fiquei de conversa, esqueci a reclamação. Domingo preguiçoso. Desarrumado. Sei. Sei do sol e da luz limpa do inverno. Mas está tudo de cabeça virada hoje. Tu me salvas amiga.  Queixoso domingo! Tu és preciosa, brilhante, e me salvas quando conversas comigo. Vai, e te solta neste mundo… Já me antecipo na alegria de saber e conhecer o acertado que existe dentro de ti. Eu cá dentro das angustias pendentes, permanentes, atuantes e constantes, como diz meu amigo amado, afundo. Tu me salvas com a tua exuberância.  Amanhã serás a borboleta. Eu? Tão acostumada ao triste, e ao cinzento choraminguento da vida esqueço o lado mutante.  Caminho novo já não pode ser. Ou não quero. Preciso me afundar no barro do quintal. Criar raízes, escrever.  E cuidar do príncipe que me espia, e estende a mão. Caminhar. Ou reclamar para me vitimar, e ser salva pelo teu sorriso, pela mão dele, pelos sonhos. Que volte logo para bem perto, para o possível, mesmo que impossível seja te beijar agora, meu querido. Hoje quero dizer que a casa está toda fora do lugar, nenhuma cama feita, o pó bem instalado, a cozinha revirada. A roupa por passar, o chão por aspirar. As costas a doerem. A idade a me cansar. A máquina de lavar gritando. E eu atrapalhada praguejando. Odeio a vida doméstica, passada a limpo, estagnada. Esterilizada. Céus! Que venham ao meu socorro as moças da limpeza, a comida bem feita, sem alho, porque o amado não gosta. Geladeira arrumada, vidraças lavadas. E eu volte a ser colorida, bonita e, livre. Quero o pai, a mãe de volta. Quero minha vida cuidada, perfumada, cheia de futuro longo, largo, grande…f99f75ab-103b-45f8-a57c-6b5a071b30b8.jpg BETH outra vez1d4298c4-63d1-4ee8-a186-d659af64a819.jpg  BETH

Karl Ove Knausgård

Estás lendo, neste momento, Dostoiévski. E o tempo destas leituras são roubados da vida. Não sei se terei tempo. Não sei como começar Karl Ove, nem deve ter começo. Encontro acidental. A imprensa. Mas não fui até PARATI, Rio de Janeiro. Estavas lá. Embalaria o prazer de te ver/olhar. Tens a idade de minha filha, então, eu te vejo, e eu te vejo jovem, quase aquele menino da Ilha da Infância, ou o moço de trinta anos  do livro A morte do pai. Mas estou em todas as idades, contigo. Escreves. Eu leio. Leria/leio, indefinidamente, o que escreves. Seduzida. Transito pelos países gelados onde moras, onde cresceste. Mas, também quero os livros de Linda. E tu nunca vais entender, ou descobrir como tudo me interessa… É mais… Acompanho autores, conceitos, pinturas, até a música escuto enquanto leio o que comentas, escutas, fazes, olhas e pensas e enfrentas o escrever. Sou voyeur, não leitor. Obrigada Karl  Ove.

” E a Europa, que cada vez mais está a caminho de se tornar um grande país igual por toda a parte. O mesmo, o mesmo, sempre o mesmo. Ou seria porque a luz que brilhou sobre o mundo e fez com que tudo parecesse compreensível ao mesmo tempo o esvaziou de sentido? Seriam talvez as florestas que tinham desaparecido, os animais que tinham sido extintos, as antigas tradições que jamais voltariam a existir?” (p. 70)

Um Outro Amor, Karl Ove

Como sempre eu não pensava em nada enquanto lia, simplesmente me deixava levar pela experiência, e depois de umas cem páginas, que eu leva uns quantos dias para ler, todos os elementos dispostos com tanto cuidado ganhavam vulto, aos poucos começavam a operar em conjunto, e de repente o efeito era tão intenso que eu me deixava levar por aquilo, totalmente arrebatado, ….” (p.75)

Um Outro Amor, Karl Ove

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LINDA

Karl Ove Knausgård

eu me escondi outra vez

Apaixonada, presa no amor. Os pés afundam no barro do quintal e os braços se agitam. Os cabelos voam porque venta. Faz frio onde estou.  Aonde estás é verão, sempre sol onde estás, sol e luz.   As cores te cercam e te cobrem… meu menino de olhos espertos! Pequeno menino da lembrança que tem saudade. Saudade da presença boa na minha vida. No sempre intenso da preguiça amorosa…

Por que as portas bateram e trancaram? Lembras dos gritos? E dos beijos? …não puxa meu cabelo, não esquece meu nome, não me tranca neste quarto. Fica comigo o tempo inteiro de um dia de uma noite inteira, e outro dia.  Agora já posso te beijar, posso te apertar, posso cantar, e dançar. Não te esconde. Estou com os pés enfiados na terra deste quintal, de frente para a casa que se esparrama nas sacadas, nas grandes janelas… Os braços, meus galhos, meus sonhos… És o príncipe, eu a serva. Guardei as bonecas que gostavas. Escondi o trem, e o caminhão branco… Chorei muito depois que foste embora…Depois, depois, eu me escondi outra vez.

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Para esquecer as dores do massacre

Às vezes, acho que nunca mais conversaremos, ou nos veremos. Faço força, remexo a vida, procuro. Volto no tempo. Depois, eu te aguardo. Espero. E depois esqueço. Será apenas o hábito? Esta coisa volta mesmo esquisita, a insegurança. Tudo volta nada volta, porque já é outra coisa. Mas volta esta vontade de te chamar na madrugada, comprar presentes, mandar flores, preparar jantares. Festejar, escrever, e escrever, todos os dias. Cartas, telegramas, bilhetes, enfim, mimar a nós dois. Estar feliz, acreditar, rir sem medo. Recomeçar. Sim, tenho vontade de fazer tudo outra vez. Acredito que tu me tomarás pela mão, e dirás querida, vou cuidar de ti.  Ou sou eu que devo cuidar de nós dois? Como num velho filme vou revendo o que já fomos. Então, eu me conto histórias de amor, e acredito nelas todas. Por que eu não aceito a vida como ela é, ou as coisas como elas são? Sinto saudade do teu entusiasmo, e sinto saudade da primeira vez, da segunda vez quando nos encontramos no café. Do presente escondido na mala do carro. Quando pegaste na minha mão. Do dia que demos uma carona, cunhado e irmã. No dia que foste ver o meu neto. E jantamos japonês. Das idas para Torres. Dos beijos telefônicos. Da vontade de misturar os fazeres. Do dia que me deixaste dormindo numa manhã de preguiça. Dos telefones desconectados. Do que nos prometemos. Sinto saudade da paixão. Das carnes na churrasqueira. Dos vinhos. Do filme que assistimos no sofá. Dos discos que nunca escutamos. Das músicas que não dançamos. Da ida pra São José dos Ausentes que sonhei sem nunca te convencer a sonhar. Das pitangas, e do mar que me faz lembrar de ti. De todos os jogos de futebol que não assistimos. Das caminhadas por Porto Alegre. Tenho saudade das tuas risadas, do teu cheiro, dos beijos roubados. Das minhas loucas fugidas para te ver, e correr de uma galeria para outra. Das meninas, das conversas sobre nós dois, eu a me queixar, e tu a consolar. De um almoço com os filhos. Das idas e vindas. Da nossa juventude com música, e velocidade. Das fotos que te mandei, da cópia da chave. Dos presentes que inventava. Da surpresa. Da raiva quando eu me sentia roubada na fresta do teu tempo. Na vontade que sempre tive de morar contigo, e ser marido e mulher todos os dias. Dos acertos e desencontros. Da minha incoerência no amor. Que saudade eu tenho da tua cama, das roupas espalhadas, da tua pressa. Da nossa preguiça. Saudade do meu beijo no teu beijo. Das fantasias. Saudade de te esperar entregue, pronta. Não ter nenhum pudor. Rasgar a vida por nós dois. Vontade de que me chames ao telefone, de hora em hora, a surpreender. Vontade de gritar no amor sufocado do teu beijo. Ter lua, ter chuva. Nenhum sol, e o mar. E, então, só nos dois na praia. Carregar as malas, e ir pro Norte, ou pra Flórida, ou pra Paris no verão. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2016 – Porto Alegre

Descuidados

Não sei por que temos que voltar sempre ao início do nada.  Voltar de Paris, ir a Bruxelas, ou a Nice, esquecer Limoges, não sei o  que dói mais. Estamos descuidados, tristes, desatentos. Estou ainda a te esperar, meu querido. Desanimada, encolhida nesta esquina. Vontade de chorar,  chorar com as lágrimas todas de criança… Voltar caminhando. Sim. Voltar…

De qualquer modo não podemos voltar atrás, tudo o que fazemos é irreversível, e quando olhamos para trás não enxergamos a vida, mas somente morte. E quem acredita que as condições da época atual são o que promove essa sensação de deslocamento só pode ser megalomaníaco ou simplesmente idiota, e em ambos os casos é desprovido de consciência individual. Sinto repulsa em relação a muita coisa da época atual, mas a falta de sentido não tem origem nela, pois não era uma constante…Na primavera em que me mudei para Estocolmo e conheci Linda, por exemplo, o mundo de repente se abriu, ao mesmo tempo que a intensidade aumentou a uma velocidade alucinante. Eu  estava perdidamente apaixonado, tudo era possível, a alegria estava sempre a ponto de explodir e envolvia tudo.”

(p.71-72)  Karl Ove Knausgård Um Outro amor

descalça na Gucci

f00645e0-e163-4767-a261-32b3fe507fad.jpg GUCCI

Vou ao teu encontro porque assim o determinas, vou ao teu encontro porque me esperas. Vou ao teu encontro porque chove, chove muito, e tanto  que não virias me abraçar, nem trançar meus cabelos, nem comer o meu feijão, nem beber o café. Trovoadas, raios. O céu se enfurece com tua ausência. Vou ao teu encontro para acalmar as crianças. Praguejar menos. Olhar teus olhos. Sentir teu cheiro, deitar na tua cama, e sonhar teus sonhos. Gosto quando entro nos teus sonhos. De me apossar brejeira de toda aquela sofisticação que aprecias e desfrutas. Bebo teu vinho. Falo francês, italiano, ou inglês, um pouco de português porque assim o exiges. Vou ao teu encontro desiludida do que se passa por aqui. Desiludida com este nada que tanto fez e tanto faz, e não muda, nem enfeita, nem alegra, sequer perturba, meu amor, porque chove e quando chove tanto assim entro logo pra dentro do teu pensamento, e me escondo de pesadelos, de trovões, de raios, e de mim mesma. Chove. Chove forte, meu querido. Mas vou, assim mesmo ao teu encontro. Vou mansa e quieta. Já caminhei pela chuva, Ônix e eu passeamos pelas poças, molhando sapatos, a roupa e os cabelos porque chove. Penso em ti, ando tomada pelo prazer solto de te pensar mesmo sem olhar.  Vou ao teu encontro, e te espero como recomendaste, na calçada do café da esquina. Que movimento de carros! Que lojas magníficas! Que agitação de gravatas e paletós, e estas mulheres! Perfumadas. Vou até a Gucci, pés descalços, vou comprar a manta da vitrine. Sinto o calor da madeira, o perfume.

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Vou ao teu encontro para ver as estrelas e a lua porque aqui chove, chove muito em Torres… E quero logo te contar da minha saudade. E, de como enfrentei tranquila a operação padrão dos fiscais  no aeroporto… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2016