Minha amiga,
Fiquei pensando: esta reclusão filosófica, esconderijo, fuga tem o porquê. Coisa mal resolvida, sentimento atrapalhado. Pouco dinheiro, pouca vontade. Se eu tivesse outra vez a Vitor Hugo, se a situação fosse aberta pro movimento, se eu trabalhasse… Se eu vivesse! Se cachorro não fosse importante. Se fosse ainda a Santa Branca, ou Santa Cruz do Sul. Ou Rio de Janeiro, ou outra Torres, ou Porto Alegre da Independência. Seria diferente. Seria outro eu, seria outra pessoa. Seria o ideal. Antes as portas se abriam, as janelas escancaradas chamavam. O mar estava do outro lado. Mais fácil. Os pés iam direto para a areia da praia. A vida tinha gosto de quero mais. Não existia não, nem não posso, muito menos não quero. Agora é diferente. Dizer não é preciso, incomoda, aperta. Dói. Estraga tudo. Deixa de ser natural, fica teatral.
Tudo grudado na garganta apertando. Machucando. Publiquei. Engraço estas coisas de dizer, escrever pro estranho ler, o eventual, o que não está inserido, mas fica. De repente sabe mais das tuas histórias do que tu mesmo sabes. Dizer feito grito, no meio da rua. Parece justo, resolvido, como tirar a roupa. Feito. Não sei. Parece analisado. Foi tua carta amorosa a me consolar. Fu eu mesma a repetir, a voltar atrás, a me redimir. Está feito. Tanta coisa surge de um simples não. Não sou eu que não a compreendo, sou eu que mudei. Não sou eu a tomar atitudes de preservar, voltar pra dentro, ou filosoficamente defender uma postura x ou y. Sou eu covarde. Quando se abre a porta a intimidade fica toda ali, devassada, ao julgamento do outro, exposta como se não fosse minha, mas de todos. Então passo a chave. Fecho as janelas. Ou então publico. Sou eu a rasgar o papel, deixar a notícia aparecer. A vida como ela é. Assim sem mistério. Apenas prosaicamente simples. E limitada. Eu mudei. Enrolada em papel, não é de seda, mas jornal mesmo. Respiro. Quero reconstruir. Será isso mais justo ou apenas negação. A mão no bolso? Ou pode ser reconstrução. Salientar recalques, fraquezas. Novo. Esta coisa de se adaptar. Estou outra vez me adaptando. Acomodando os dias num novo quadrado. Estranhada. Bandeira hasteada, mas, escondida. Ser verdadeiro pode dar um medo enorme porque sempre é mentira.