23 de janeiro de 1889

Toda a energia e toda atenção para não desanimar. Com certeza amanhã farei uma caminhada até o mar e verei o frio rolando na praia e colorido. Beth

Acabo de terminar uma nova tela que tem uma aparenciazinha quase elegante, um cesto de vime com limões e laranjas – um ramo de ciprestes e um par de luvas azuis – você já viu cestos de frutas meus assim… Ora fundir suficientemente depressa esses dourados e esses tons de flores não é qualquer um que faz, é preciso toda a energia e toda atenção de um indivíduo inteiro.” Vincent van Gogh

Como serão as conversas daqueles que não gostam de ler, nem de filmes, nem de passear como eu gosto, ou não gosto do que se faz todos os dias, inventam? Tô com inveja. E não ter automóvel? Nem andar de bicicleta? Nem trabalhar… Estou errada quando pergunto? Estou azeda hoje, com vontade de não ser Eu e ter escolhido outra Beth. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

suspiro

uaiiiii! Inquietudes: altos e baixos de envelhecer, e rasteiras de memória, ou da desordem. Encontros surpreendentes na geladeira, dúvidas depois, exercício de sol na calçada. E a Ângela, uma boa e completa amiga, ouvinte de memórias velhas, e de repente, vivas: balsas para chegar, ou a rota da praia com incertezas. Todas / tantas dunas de areia desaparecidas: primeiros verões. Ângela Barcelos e nossas pequenas caminhadas. Obrigada Beth Mattos

tumulto fundamental / cumplicidade importa

O tumulto é fundamental, é o sentido deste livro”. (Interrompi aqui a leitura e me distraí a pensar no tumulto -, alguma coisa pessoal minha me atormentando, mas segui a leitura, se trata de literatura.) “Mas é tempo de alcançar a clareza de consciência. É tempo… Às vezes pareceria mesmo que o tempo faltava. Pelo menos o tempo urge. (Clareza de consciência?! Hoje, agora, julho de 2021, perdi, completamente, suponho que não entendo nada de consciência, perdi….) George Bataille segue.

A literatura é comunicação. A comunicação exige a lealdade: nesta visão, a moral rígida é dada a partir. de cumplicidades no conhecimento do Mal, cumplicidades que fundamentam a comunicação intensa. A literatura não é inocente e, no fim de contas, devia confessar – se culpada. Só a ação tem direito.”

(Outra vez me surpreendi, DIREITOS? AÇÃO?, não estou num bom dia embora esteja azul por aqui, e o frio no lugar certo, mas todos os sentimentos estão desorientados, fora do lugar, e os direitos de ir e vir estão bloqueados por respeito ao outro, ninguém se importa, temos que ir e voltar, chegar, mudar de lugar, comer mais, beber, quem sabe até se abraçar um pouco mais, por que imobilizar? ou eu comigo desajustada, reaja,!!!! culpada, eu ou a literatura?) E segue o texto:

A literatura como pretendi mostrar pouco a pouco é a infância finalmente reencontrada. Mas a infância que governasse teria uma verdade? Diante da necessidade da ação impõe – se a honestidade de Kafka que não se atribuía nenhum direito. Seja qual for o ensinamento que decorra dos livros de Genet, a defesa que dele faz Sartre não é aceitável. Vistas bem as coisas, a literatura deveria considerar – se culpada.”(p.8 – 9) George Bataille – A literatura e o Mal – Editora Ulisseia – Lisboa / Portugal

Palavras chaves: infância, ação, honestidade, aceitável. Toda a verdade / na infância lembrada ou esquecida, mas…, de qualquer forma perdida. Mesmo reafirmada a infância, estou na velhice. Não reencontro aquele tudo. O festivo. Uaiii,, não resolve. Não hoje, dou retoques, mas nada definitivo, cadê a tal alegria resposta? A rua Vitor Hugo segue / está no mesmo lugar, volto, caminho por lá, estremeço, mas não me reencontro. Hoje estou nublada por dentro, meio sem sentido, azeda. Quero a verdade daquele tempo, daquele inverno severo como este de hoje. Ação. Sem passeios recreativos, mas ação povoada de decisão. Sem futilidade.

E o texto vai mencionar os grandes: Emily Brontë, Baudelaire, Michelet, Willian Blake, Sade, Prost, Kafka e termina com Genet. Uma lista a ser percorrida. Respostas. O Mal e, de certo, também o Bem nas frestas. Escrever pode salvar.

Esta suprema perspectiva não poderia ter outro sentido senão o de representar a que ponto a vida humana não é mais do que um instante incompleto, porque este gênero de vida (a espera da Terra Prometida) poderia durar indefinidamente sem que nunca resultasse disso outra coisa senão um instante.” (p.185)

E lá vou eu a me enfiar no instante, no agora, na Terra Prometida, na reza. Sem alcançar / imaginar, minimamente, a certeza. E cheia de rancor, de coisas azedas. Perversa e desagregada…, sem dizer, nem pensar. Será que a esperança vai me agarrar? Ou vou me perder numa fotografia, numa frase solta, ou num péssimo filme. Caminhar, caminhar salva. Vou dar mais uma volta e na calçada, olhar para os lados…Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

hora certa

Saber a hora certa, ou fazer na hora certa. Definir o certo e o errado, sair do evidente / do objetivo – céus! difícil. E pensar e dizer, escrever vai…, não vai / não acontece, não se reinventa nem se sacode. Espio pela janela, o sol bonito, eles saem, inventam, fazem, por que estou imóvel? Beth Mattos

cruel

Frio intenso: agora chuva. Vento assobiando, na calçada da lagoa, três homens / saindo do trabalho / casacos precários, se abrigam aqui, na aba do edifício / encolhidos. Esquina escura e gelada. Sinto um aperto por dentro. Está duríssimo este inverno gelado. Que dure pouco. Dói! O planeta geme, eu acho…, como estará Porto Alegre?! Beth Mattos – julho de 2021 – Torres – Rio Grande do Sul encolhido no frio.

na pausa das entrelinhas

27 de julho (07) de 2021 Torres cinzento, com vento, com frio, um jeito novo de ser criança. Caminhei com a Ônix (minha peludinha), o vento nos sacudia, resistimos. Inverno de promessas e medalhas! (poucas medalhas, verdade – Ouro pro Medina, enfim! nosso sempre campeão.) Ítalo Ferreira no surf -, primeira jornada. Prata para a menina do skate, e o vôlei faz bonito! Vontade que o esporta reagisse, temos futebol, ou tínhamos. Eu me sito menina neste frio, memória de criança, tão bom!

Curioso! Outra vez Petrópolis, rua Vitor Hugo, a correr pelas calçadas. Lembro dos amigos, do Nilton Lerrer, do João Noronha, do Moacir, da Nádia, da Ana Maria, da Marlene, do Beto Franciosi, do Ibaeté, da Ciegé (será que se escreve assim?) das calçadas, das pedrinhas, das tampas de garrafa e das bonecas de papel. Das cartas. Dos cães. Lá em casa, dos jacarandás, das lareiras. O pai e mãe sempre tiveram/amaram cães, gatos, e gramado, e risadas, e montes de nós de pinho para os invernos que eram longos! E alegria. Obrigada. Hoje, com este frio cinzento eu me sinto agasalhada nas boas lembranças. Bergamotas, laranjas, e fazer a comida invernosa me faz voltar para ti, e tuas habilidades, descobertas na cozinha: quero panelas coloridas, quero beber vinho, quero ouvir música. Esquisitices da felicidade, encontrar os motivos para recortar as revistas, voltar aos livros. Escutar a passarinhada que se agita. Recado? Eu te gosto mais ainda, no silêncio, na pausa das entrelinhas, na tua voz perdida. Não importa. Eu agradeço esta felicidade ENORME de hoje. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

você é inalcançável

Fiapos fazem a manta: leituras curam a inquietude. Sim, é preciso ver gente/pessoas, falar, pensar e dizer. E não é preciso / não posso ver/olhar ninguém para produzir, ou sentir. Tudo calmo, seguro, sem medo. Em amor deveria ser assim. Procuro o amor amado. Persegui o encanto da escuta, da palavra, também da alegria. Há de haver/ter risada e mais prazer no tato, no beijo, no abraço neste amor de amar. E as sombras desenham histórias, voltas e reencontros.

Quanta paz seria preciso, no silêncio das catedrais… Na França entrei nas igrejas, nas possíveis, nos santuários. Deixei um pedaço do que eu fui, uma agradecimento, um pedido. Em Rocamadour por ser um templo de amor sexual, sensual, erótico, eu chorei. Estes infernais amores se misturam. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

Onde estão as explicações narrativas? Um dia eu conseguirei / conseguirei desenhar? Não sei. Colorir, Talvez…

“Minhas cartas partem no seu encalço, mas você é inalcançável.”[…]

“Vamos nos encontrar no outono? Estaremos juntos em Feodóssia? Você, depois da viagem ao exterior, e eu, depois da cólera, talvez tenhamos muita coisa interessante para conversar. Vamos nos encontrar na Criméia em outubro. Não vai ser maçante, dou minha palavra. Vamos escrever, conversar, comer… Em Feodóssia, já não há cólera.” (p.243-244) Anton Tchekhov O assassinato e outras histórias”

eterno

Chego perto e “agarro” o prazer. Agarro o tempo de vida espichado e pleno. Agarro a beleza com as possíveis cirurgias plásticas rotineiras, e converso estou / fico / tenho pessoas amigas por tempo indeterminado, ou determinado pela vontade incansável de querer e esperar. Isso é eterno.

Vou de lá para cá, vasos de flor, imaginação colorida. Os frascos transbordam com perfume. Lavo os vidros com jasmim e o sol entra forte, o frio se espanta, dá lugar… Viajo através do tempo (agora eterno) nos filmes. Vou aos becos do amor, e atravesso o deserto. Consigo agarrar teu olhar e te reter por tempo indeterminado, o nosso. Posso te sorrir depois de vinte anos com a mesma brejeirice. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

sonho e precipício

Os sonhos são tão variados quanto os livros que lemos, os quadros que vemos. Sonhos curiosos, triviais, zombadores que dançam… visões, lembranças, devaneios. Texturas diferentes, diferentes são os efeitos que causam na mente, no corpo: cicatrizes. Então, num repente eu me mudei para Porto Alegre, o apartamento repleto de expectativas: venezianas abertas, e os detalhes da minha vida naquele momento…A Garagem de Arte, o trabalho feliz, algumas passadas. Perfeito. Quando inesperadamente, raivosamente eles me disseram: “não precisamos mais dos teus serviços”, tão fácil! Tão estarrecedor! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres -, Porto Alegre perdeu o sentido! Afinal foi apenas um sonho , ou um brinquedo novo.

A transparência desta memória se assombra: os demônios da inveja se espalham, não estão comigo – eu era gente/pessoa e alegre, demais? Sem poder – precisava ser esmagada, talvez apedrejada, mas sobrevivi ao pesadelo – tenho o sol e a Lagoa do Violão, e estou protegida, ainda humana. E tenho Torres.