ZOLA A CÉZANNE
Paris, 26 de abril de 1860, 7 horas da manhã
[…] Quando vejo um quadro, eu sei quando distinguir entre o branco e o preto, é evidente que não posso permitir-me julgar pinceladas. Limito-me a dizer se o tema me agrada, se o conjunto me faz pensar em alguma coisa boa e grande, se o amor do belo transpira na composição. Numa palavra, sem ocupar-me do ofício, falo sobre a arte, sobre o pensamento que presidiu à obra. E penso agir sensatamente; nada me dá mais pena do que as exclamações dos pretensos apreciadores que, tendo aprendido alguns termos técnicos nos ateliês, vêm recitá-los com aprumo e como papagaios. Você, ao contrário, que compreendeu como é difícil espalhar, segundo nossa fantasia, cores numa tela, entendo que o ver um quadro você se ocupe muito do ofício, que se extasie ante tal ou tal pincelada, ante uma cor obtida, etc., etc. Nada mais natural; a ideia, a centelha está em você; você busca a forma que não tem e a admira seja qual for sua desculpa, ponha a ideia na frente dela. Explico-me: um quadro não deve ser apenas cores trituradas, espalhadas numa tela; você não deve indagar constantemente por qual processo mecânico o efeito foi obtido, qual a cor empregada, mas ver o conjunto, perguntar se a obra é efetivamente o que deve ser, se o artista é mesmo um artista. Há tão pouca diferença, aos olhos do vulgo, entre um quadro ruim e uma obra-prima! Em ambos há o branco, o vermelho, etc., pinceladas, uma tela, um quadro. A diferença está apenas naquele algo que não tem nome e que só o pensamento, só o gosto revela. […] Aliás, não falo por você; se você tem qualidade, como creio firmemente, não precisa estabelecer essas distinções que acabo de fazer um pouco puerilmente. Cada gênio nasce com seu pensamento e com sua forma original; as coisas é que não podem separar-se sem acarretar uma completa nulidade. […] Mas não me leve a mal se estou assustado, mesmo sem razão, e se digo como amigo: Cuidado! Pense na arte, na arte sublime; não considere apenas a forma, porque a forma por si só é a pintura comercial; considere a ideia, crie bons sonhos; a forma virá com o trabalho, e tudo que você fizer será belo, será grande. […]
P.S. Estou recebendo sua carta neste momento. – Ela faz nascer e mim uma doce esperança. Seu pai está se humanizando; seja firme, sem ser desrespeitoso. Pense que é o seu futuro que está sendo decidido e que toda a sua felicidade vai depender disso. – O que digo sobre a pintura torna-se inútil a partir do momento em que você mesmo reconhece os defeitos de X***.
Responderei à sua carta brevemente. (p.51 )
Cartas da Juventude, CEZANNE Correspondência, tradução de Antônio de Pádua Danesi, 1992 – São Paulo

Da pintura para a memória
Éramos tão jovens quando casamos, tão apressados! Lembro do reencontro depois dos sustos com nossa pequena! Então poderíamos retomar, recomeçar, e ficar, definitivamente, perto um do outro. Oscilamos, duvidamos, e nos separamos. Talvez houvesse certeza certa que os filhos seriam elos, amigos e guardiões. Hoje penso que poderia ter feito mais …. Tínhamos o mesmo olhar, a mesma convicção. As mesmas dores, mesma lucidez diante das perdas, dos encontros, da família. Passados tantos anos, e todos separados, conseguimos, ao final da vida, devagar, aproximar a saudade. Eras tu, eras eu, e sentamos lado a lado como se acolhêssemos a vida, juntos. Aceitamos o olhar. Mas foi apenas isso, o olhar. Nunca a mesma língua, nunca o mesmo entendimento. Nunca a mesma sintonia, sempre o estranhamento incerto do momento. Nunca entramos na vida um do outro. Foram ligeiros e passageiros aqueles anos de sermos marido e mulher. Você embalado na fluidez, ou aturdido: “ não sei do que se trata”. Eu, inquieta pessoa a procurar…
O sitio Arapiranga em Carangola (Petrópolis- RJ) foi nosso. Nós dois a recriar a forte e premente ideia de liberdade que sempre alimentamos. Pintavas no teu ateliê, e eu badalava o sino para te chamar. Plantamos flores, fizemos horta, e nos deixamos ficar a sombra das grandes figueiras. Lemos. Eu estudava o francês no encantamento das minúcias. As crianças tranquilas no silêncio da serra, no nosso silêncio. O telefone não tocava, não nos distraímos com o mundo, apenas um com o outro. Partilhávamos o fogo da lareira. A quietude livre, o silêncio criativo. Música. E nos amamos no frescor desta reclusão. Por isso, disso, sentimos a miúda saudade, e vem o lamento de termos nos separado.