voltei para ti

Estranho o peso deste vazio. Volto a te pensar. Eu confesso: comecei a te esquecer, doeu. Esqueci. De repente voltaste azul. E eu vi teus olhos castanhos, brejeiros. Saudade de uma coisa boa que tu me devolveste junto com tua memória. Eu acreditei. Elizabeth M.B.Mattos – abril de 2019

2018-07-10 14.36.57.jpg foto do PEDRO num passeio EU

identidade

Identidade e posse.

O vaso de cristal está no  centro da mesa: coloco  pratos coloridos, copos transparentes e talheres de prata. Guardanapos com monograma. Para a mesa redonda seis cadeiras. Todas diferentes. O sol entra pela fresta da veneziana, e o cheiro de grama molhada invade a sala. Qualquer objeto aquece aumenta o sentimento.  Eu me sinto poderosa, iluminada, embora meu vestido seja preto, e os brincos pequenos. Espero.

Imagine-se, agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será vazio, reduzido a puro sofrimento e carência, esquecido de dignidade e discernimento – pois quem perde tudo, muitas vezes perde a si mesmo; transformando -se em algo tão miserável, que facilmente se decidira sobre sua vida e sua morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana, na melhor das hipóteses considerando puros critérios de conveniência. Ficará claro, então, o duplo significado da expressão ‘Campo de extermínio’, bem como o que desejo expressar quando digo: chegar no fundo.” (p.25) Primo Levi  É isto um homem

Não posso deixar de pensar: identidade nos gestos, na casa, na voz, sou eu a me descrever. O que me impede de ser mais eu? Tua ausência. Sem vida social, escorrego menos. Quase não choro. De natureza alegre, careço de pessoas. Então, não sou. Os objetos me definem, e não possuir isso ou aquilo, também. Sou uma tola se penso nestes pequenos sentimentos. Levi menciona nos dá uma dimensão maior da vida. Um dia depois do outro. O desejo de viver…

“Steinlauf, porém, passa-me uma descompustura. Terminou de se lavar […]. Justamente porque o Campo é uma grande engrenagem para nos transformar em animais, não devemos nos transformar em animais; até num lugar como este, pode-se sobreviver, para relatar a verdade, para dar nosso depoimento;e, para viver, é essencial esforçar – nos por salvar ao menos a estrutura, a forma da civilização. Sim, somos escravos, despojados de qualquer direito, expostos a qualquer injúria, destinados a uma morte quase certa, mas ainda nos resta uma opção. Devemos nos esforçar por defendê -la a todo custo, justamente porque é a última: a opção de recusar nosso consentimento.” (p.39) 

A leitura dá uma dimensão louca da vida. Acorda! Insana é a guerra, e a tortura quebra um homem, a disputa. No entanto sabemos: ” A convicção de que a vida tem um objetivo e está enraizada em cada fibra do homem; é uma característica da substância humana. Os homens livres dão a esse objetivo vários nomes, e muitos pensam e discutem quanto à natureza. Para nós, a questão é muito simples. Hoje, e aqui, o nosso objetivo é aguentarmos até a primavera.” (p.71)

Palavras libertam… Enquanto escrevo acordo, desperto. Também adormeço. Se espero o impossível, elimino o impossível, o mal, a dor. No papel a experiência fica plana, dividida. A memória irreal se transforma em experiência: uma química. Pedro Levi nasceu em Turim, em 1919, e formou- se pela Faculdade de Química. Este livro o liberta de terríveis experiências em Auschwitz. Estranho como a leitura faz uma caminhada. As experiências se misturam. De repente, eu penso, o homem/ o ser humano é o mesmo sempre…, como posso ser cruel? Haverá forma de negar, de reconhecer o mal? Insano quando gritamos, e deixamos de ser! Ele conta:

Hoje é um dia bom. Olhamos ao redor, como cegos que recuperam a visão, e nos entreolhamos. Nunca nos víramos no Sol! Alguém sorri. Se não fosse pela fome…

Porque assim é a natureza humana: as penas padecidas simultaneamente não se somam em nossa sensibilidade; ocultam-se, as menores atrás das maiores, conforme uma lei de prioridades bem definida. Isso é providencial, e nos permite viver no Campo. E é esse o motivo pelo qual ouve-se dizer, amiúde, na vida livre, que o homem é incontentável. (73-74)

Entrega o sentimento bem explicado. Esta leitura se atravessou, assim eu me surpreendo lendo dois textos. Estou presa… Elizabeth M.B. Mattos –  31 de março de 2019 – Torres

as conversas

Conversar em voz baixa e respeitar o silêncio. Ouvir a quietude agitada do mundo: um exercício diário. Escuto felicidade, tristeza e lágrima. Meus passos ao teu encontro…  Estendo as mãos cheias de esperança. Na madrugada a ordem acalma esta desordem laboriosa do dia. Elizabeth M. B. Mattos – 31 de março de 2019


abajour que eu gostava

também estás…

Melancólica tarde. Parece estranho falar/dizer ou pensar em amoras…  Difícil se entregar ao instante vazio da exaustão; sinto tua falta atravessada, ausente. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2019 – Torres. Prosaicamente eu penso em sonhos, pastel, coca-cola e suco de laranja. E o mar conversaria por nós dois.

o que não vais ler, posto que me confesso

Estou com enorme preguiça de te dizer as coisas que não vais ler. Tu estás fechado, trancado, atento, mas feliz. Ah! Viver é tão desconfortável! Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára e a lagoa se contradiz, o silêncio não importa e te desejar, ou querer, significa tão pouco. Estou no meio de uma obra, os cabelo com caliça, os olhos ardem. E o corpo espicaçado. Trabalho sério, real, te amar. E é tão pequeno! E como pesa! É apartado? Pois fui dormir e sonhei: um lago majestoso / enorme, e era mais verdade ainda do que te escrevo: era sem medo. Logo tudo voltou para o nada… Tudo acabou, mas o que te escrevo continua, por que não me queres, cheguei tarde, cheguei depois da hora.

Meu querido, o melhor ainda não te escrevi, está nas entrelinhas. Hoje é sábado e é feito do ar mais puro. Estou sem orgulho nenhum: O que te escrevo é um isto fantasia. Não vai parar: continua. Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo. O que te escrevo continua e estou enfeitiçada. Serei tua em todos os lugares serei tua… escandalosamente tua. Elizabeth M.B.Mattos – março de 2019 Torres com Clarice Lispector dentro de mim.mesa preta com ibere camargo

 

 

qualidade sacra: pensar em ti

Penso que posso voltar. O deslocamento, o sonho ele mesmo se diluiu… Penso e penso, não é nada, assim mesmo vejo beleza leveza e sinto gratidão. Quero materializar. Quero ser a mesma: escapaste do toque, deste milagre que seria tua mão na minha mão. O sagrado da ficção nos alcança: “[…] tudo que é sagrado possui a substância dos sonhos e lembranças de forma que experimentamos o milagre das coisas das quais estamos separados, seja pelo tempo seja pela distância, e se tornam, de repente, tangíveis para nós.  Sonhos, lembranças, o sagrado – são todos parecidos pelo fato de estarem de além do nosso do nosso alcance. Quando estamos separados, ainda que não substancialmente, daquilo que podemos tocar, o objeto fica santificado, adquire a beleza do inatingível, a qualidade do milagroso. Todas as coisas, na realidade, possuem esta qualidade sacra embora possamos conspurcá -las com o toque. Que estranho é o ser humano! Seu toque  vilipendia embora nele esteja contida a fonte dos milagres.” (p.47) Yukio Mishima, Neve da Primavera Mar de fertilidade Volume I

Empurro a reforma, respiro poeira, caliça e desejo. Vejo através do vidro e da possibilidade… E estou contigo no toque, no desejo, na loucura, da interdição. Sou infantil quando te desejo. Repito as pequenas frases! Narrativas. A tua história sedutora a se colar na minha vida. Conseguiste bulir e remexer e transviar, preencher. Prazer de menino protegido. Tens o muro. Ontem te escrevi uma enorme carta cheia de explicações e bobagens. saltando pedaços de mar, areia, vento, cheiro, e o corpo suado nos acalmava. Claro! Vivo e divinizo…, uma brincadeira. Foste a mais séria. Ao chegar aos setenta anos, o mundo se ilumina com camélias, anêmonas, cravos e jasmins e trabalho. Fome. E bebemos muita água com alecrim. Tantas vezes eu preparo a casa para tua visita. Ainda te espero. Elizabeth M.B. Mattos março de 2019Esta no POST

Trancaste todas as possibilidades: não importa. Igual eu sonho contigo. Quando abro os olhos: estás apressado a te vestir, e eu te vejo fechar a porta…Elizabeth M.B. Mattos

letras…

O inverno se despede, com ele este ano de magia, de sentimento adverso convergente. Turbilhão que enlouquece; paciento e deixo a inquietude plantada, e já sendo hora de amanhecer, de despedir, resolvo escrever para contar, Viver para Contar (Gabriel Garcia Marques), ou seria Contar para Viver

Viver contando, ao contar se  vive, revivendo…

Neste descrever sem ponto. Texto solto, sem alinhavos, aberto. Beth Mattos – março de 2019 – na releitura. Aqui está azul, não exatamente frio. Fiz a pequena caminhada e resolvo te escrever. Sabes tudo e tão pouco sobre minha vida, mas assim mesmo te debruças e espias. Estimulas meu fazer estendes a mão, e me fazes escrever. Então digo: tens razão na afirmação: criança bonita doce. Também da saudade tens razão, e desta desordem da/na vida. Um sonho que nos desperta às duas horas da manhã. E aquele dia fica um ontem agonizante.

Esta coisa de estar importa, eu me pergunto por que nunca estou? Porque nunca estou perco o tempo a vida e o espaço. O que faço parece sempre um mergulho noutro mundo. Então eu chego com atraso. Depois. Estupefata porque, afinal, já passou … Deveria me dar conta que viver tem urgência, e os olhos, o sentimento, o corpo precisa estar atento, aberto. Não se pode ser muro, fortaleza, floresta. Não se pode ser o medo. Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2019

 

Labirinto

O labirinto (27/03/2019 02:30) no sonho, e acordo. Acho que pode ser mais tarde, ainda amanhã, logo, hoje. Tenho pressa. Erótico sonho sem saída. O medo maior, talvez, seja dizer ou fazer o viável: conversar e chegar, definitivamente, um no outro. Eu me aproximo na urgência de ser tu e eu, nós dois. Mas eu me escondo (perigosamente) de mim mesma, não consigo. Das amarras quero me livrar, neste momento invisível, aparentemente, intransponível. Ne bavarde pas. Não diz, não fala nada. Estou amedrontada. Teus olhos serenos. E a mulher que não sou volta inteira para te tocar. Sinto medo. Sinto medo. Desafio, anos de insegurança, e hoje, sem falar / sem explicar, audaciosa te procuro. Tu pegas na minha mão e começamos a descer as escadas. Por todos os lados chegam vozes, eu seguro / prendo o passo. E tu, surpreso, apertas meus dedos. Não vamos desistir. Sem dizer penso: Não posso ter medo. Não temos mais o tempo esperando / acontecendo a se arrastar paciente. Somos dois fantasmas daqueles meninos que fomos, e sempre nos querendo bem, apertados um contra o outro. Interrompemos a descida para sentir o escuro. Teu sorriso aberto está preso no meu. Trocamos um beijo no vão da escada. O passado se apresenta ruidoso, mas temos um hoje rasgado e inviolável. Os malabarismos seriam impossíveis se não houvesse esse querer. Enquanto vou descendo e identificando as vozes eu me agarro na tua certeza. Temos convicção. Releio tuas cartas, não vou pisar nos sonhos de um homem que vaga / caminha num eterno e solitário passeio pelo desejo oculto, tão visível para nós dois: prazer terreno. Os mais secretos porque silenciosos. Vou andar pelo nosso sonho obscuro e latente. Não precisamos de vozes. Apenas o toque. Não precisamos de luz, atravessamos o tempo. É tão fácil estar perto! Tão possível! É uma espécie de surpresa / missão humana, a nossa. Este passo / este caminho nos pertence. É preciso materializar / fazer acontecer ainda nesta vida: não somos promessa, temos que ter coragem de avançar. Não importa o limite. Somos nós. E somos transponíveis. E possíveis. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2019 – Torres

2019-03-27 02.50.44

 

pássaros

Depois da vã imaginação sinto um forte tremor no coração como se estivesse em tua presença. (E todos os teus vestígios foram apagados, não tenho uma linha, nem a tênue possibilidade para saber se és ou não real.) Tive uma visão do Amor, do homem que certamente és. E de tua alegria preguiçosa. Tua vida nova, ou tua nova vida a porejar de paz… De longe acompanho teus passos alegres e teus pássaros voam pelo outono. Elizabeth M.B. Mattos – março em Torres de 201920140801_134947

Sim, hás de pensar que resvalo na voz do silêncio, outra vez atrapalhada. Eu me esforço para não correr ao teu encontro. Corro pela rodoviária como se atrasada fosse perder o último ônibus. E depois, eu me deixo ficar naquele café. Olho para todos os lados como se fosses me surpreender.

…aceito: nunca virás. Embarco no ônibus e me distraio pelo caminho. Será que foi / é real o teu nome? O que faço com histórias que saltam incomodadas? Liza, Eliza ou Beth, não. Elizabeth (sorrindo) Beth Mattos na tua memória.

mesa preta com ibere camargo

 

falar dizer explicar

…esvaziar a alma. Enredo, narrativa, até mesmo conviver, sentir o outro, incompatível. Pensar e se expor: suicídio. O espaço vazio da possibilidade se transforma em gentileza e cortesia. Não é possível vender imaginação nem sentimento. E nem é possível transitar entre direita e esquerda. Escrever deve ser desaparecer, falar sufoca. Olhe pela janela. Não saia de casa, não abra a cortina, muito menos a veneziana. Mantenha buganvília folhuda, verde. Cuide dos espinhos. E que o jasmineiro perfume as frestas. Beba chá, e coma maças aos pedaços, ou peras. Use suco de limão na água. E que o chuveiro seja forte e quente. Mantenha os olhos fechados. Corpo entregue ao fluxo da vida, não ouça a voz, mas a melodia… Elizabeth M.B. Mattos – março de 2019 – Torres

“O romancista e poeta australiano David Malouf nos avisa que o ‘verdadeiro inimigo da escrita é a fala’. Ele alerta particularmente contra os perigos de falar sobre uma obra em andamento. Quando se está escrevendo, é melhor manter a boca fechada, para que as palavras saiam pelos dedos. […] ‘Influência’. A própria palavra sugere algo fluido, algo’fluindo’. Isso parece certo, até porque sempre visualizei o mundo da imaginação não tanto como continente, mas como um oceano. Flutuando, aterrorizadoramente livre, sobre estes mares sem limites, o escritor tenta, com as mãos nuas, a tarefa mágica da metamorfose. Como a figura do conto de fadas que tem de fiar palha em ouro, o escritor tem de descobrir o truque para tecer as águas até se transformarem em terra; até haver solidez onde antes havia apenas fluidez, forma no que era amorfo: passa a existir chão sob seus pés. (E, se ele fracassa, evidentemente se afoga. A fábula é a mais cruel das formas literárias.)” p.87-88  Salman Rushdie Cruze esta Linha.

 

velho quarto