as baleias

As baleias estiveram em Torres: dezoito ou vinte. Esguichavam, nadavam com seus filhotes. Vieram parir em Torres, nas águas mornas e mansas deste mar. Entre os lobos marinhos, as rochas. As baleias estiveram em Torres.

Passo o tempo arrumando os detalhes. Penduro os quadros, encero os móveis, lustro as pratas. Espaço no armário… Roupas passadas, empilhadas. Luzes para a meia-luz. Os marceneiros, as prateleiras, quase prontas. Ordeno o tempo e a casa: chegas amanhã, ou no final de setembro? Nunca sei ao certo. Exaspero. Outro telegrama:

Só quando rapaz é melhor amar sem paz; mas já, mais tarde, como agora, quero tranquilo comer amora pra que todos vejam Gaal me namora, menamora.

Leio, releio. São versos…

O que farei para que não leves os pedaços quando partires outra vez? Antecipo a dor, antecipo.

Encero, limpo, lustro, espero. O que faço? Vem logo, amor, meu!

Compro violetas. Plantas verdes, samambaias na luz de fresta das janelas. O verde sacode na ventania desta primavera. Outro telegrama:

Quando a quem ama só resta telegrama, até mesmo o beijo escreve-se com o desejo de que o papel tenha gosto de mel; saudade aperta, mas abraço não deserta mesmo que no dia 12 não esteja aí, estarei ao teu lado, contigo, todos os momentos.

Para que perdure andar do amor de abraços beijos toques alma, terminantemente proibido refrigerantes, comida salgada, álcool em suas várias modalidades; além todas manualidades exclusivas vida íntima. Gafa.

Um detalhe, outro. O riso perpassa. O desejo aquece. Palavras brotam, crescem no caderno de notas: para cada nova palavra nova leitura encadeada: um jogo.

Apaga incêndios, contém emoções, evita suicídios, homicídios, afogamentos. Enfim, explica aí. Quem interessar possa que não se aflijam além limites porque poucos dias mais chegarei. Beijos. Saudades.

Retido. Retido. Faço mil planos contigo para julho, também, depois tentando sonhar preciso Gaal pra vencer letargia tomou conta de mim; estarei aí nomáximo primeira semana de julho esperando até lá te cuides: corpo e alma, cabeça já que coração é ingovernável mesmo. Mil beijos, milhões de abraços. Gafa.

Adiamentos viagem aumentam saudades. Vontade sentir-te estar contigo; demora não é desamor ao contrário. Tardo por querer ganhar tempo extraviado anos não te conheci. Beijos.”

Cada palavra, cada nova palavra, desgoverno Rasgo. Todavia, no entanto, contudo, como diria aquela professora nossa amiga, tudo isso, ou, isso tudo vem de atraso, atraso… Releio, repasso. Outra via, outra guia… Leio releio. Espio o mar cinzento. Elizabeth M. B. Mattos (sem data) Torres

fatiada

ilusão de ser inteira! sou fatiada mesmo, e cheia de encaixes a ser pensados, ou usados, ou… uaiiii! e tem esta danada preguiça arejada pelo vento, pousada, a me estranhar! a vida assombra!

histórias fantasias. projeto de viver, o susto executa.

…e as risadas ?! as risadas se dividem… Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2023 – Torres

princesa nasce princesa

Princesa nasce princesa. No borralho, no jardim. Mulher e princesa. Surpresa no jeito de sorrir, no passo descuidado e surpreendentemente apressado, mas preciso… Caminha na direção iluminada do bom caminho, pelas veredas, sem medo, a princesa. Gentileza todos os dias, dorme esgotada de sonhos e obrigações. Ocupada princesa. Carinho generoso, natural. Princesa nasce princesa.

O príncipe reconhece pelo olhar, não importa aonde ela esteja… Ele virá atento e saberá festejar, salvar. Segurar o trabalho inteiro de ser feliz. Reconhece a luz da princesa, e, com enxada, espada protege o reino dos girassóis e dos trevos naquele gramado perfumado. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2023 – Torres

viver em estado de perplexidade

Nada se adequaria às suas medidas, a não ser algo como um queimador de incenso fantastasticamente grande, ou uma quinquilharia absolutamente colossal. Mas o Templo Dourado perdera inteiramente essas coisas; havia, de repente, despido sua essência e agora e agora exibia uma estrutura estranhamente vazia. O mais peculiar era que todas as várias ocasiões em que o Templo Dourado me mostrara sua beleza tão consistente – uma beleza que transcendia minha própria imagem, que transcendia todo o mundo da realidade, uma beleza que não tenha relação com qualquer forma de esvaecimento! Nunca antes sua beleza refulgia assim, rejeitando qualquer espécie de significado.” (63) Yukio Mishima O templo do Pavilhão Dourado – Editora Rocco, 1988

Fantasticamente o cheiro, o gosto, o abraço / todo / tudo se agita na gratidão e no susto por ser um moment único passado 50 anos… e o geste de pisotear uma jovem carregou todas as simbologias da maldade, e o bem se esparrama como margaridas num canteiro adubado. As certezas se apertam. O novo se debruça no Morro do Farol fatiado, com casas que se espicham…modestas e preciosas porque no meio da mata…o susto das picadas! A beleza! A novidade de ser eu a conhecer e dar o primeiro sorriso, perder a primeira lágrima. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2023 – T0RRES -os pernambucano chegaram… Foto de Joana Moog – beira do Rio Mampituba

perder

Perdemos um alguém, matamos / aniquilamos todos os outros alguéns: a sofrência arranca todos ao mesmo tempo. Aquele vazio precipício grande ou não sei explicar. O amor enlouquece um pouco / ou muito / mas não pode ser assim por muito / todo o tempo, há de não ser. Não deve ser. Coisa nenhuma, sentimento nenhum pode ser espichado assim… Tem que se reagir ou dar um jeito. Regar outra coisa, exceder por outro lado. Conversa mole, sem sentido. A história é dura / séria / única. Depositamos todas as moedas no mesmo saco e na cavalgada desaparecem. Digamos que não devemos ser tão intensos assim, nem tão exclusivos, nem tão… Vou usar todos os advérbios e dizeres com o mesmo sentido. Não devemos, mas somos. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2023 – Torres

Pedaços serão, num repente, inteiro, o todo que se precisa, em algum momento, o inteiro.

escondido no ido…

Pode ser passado, mas também hoje, agora feito / refeito sentimento de voltar a te querer. Na calçada dos jacarandás… Fantasia deste não foi / sendo / acontecendo de tão forte, ah! Danado desejo! Os nomes saltam, depois se escondem um atrás do outro envergonhados. Dizer / compartilhar estas mesmices que a gente vive, e vive, e volta, retoma, choraminga, quase dor. Muda de casa / de jeito / de amigos, de voz a gente também muda. Divaga vagar. O que será que agarra a pessoa, renova a terra, mas não arranca raiz e fica… O que será que resiste? Romântico pântano , atravessamos. As palavras tropeçam. Querem se prender / ficar nos galhos, mas também elas escorregam. A verdade e a mentira, a memória de tanto esquecer… Estes atropelos de viver! Limpo, limpo outra vez, reviro a casa, troco as mesas de lugar, as cadeiras se perguntam o que vai haver? As frestas se abrem e ilumino os quartos, espero. Esperar dá uma ansiedade curiosa: repasso os discos de vinil: Trenet, Aznavour, Jacques Brel, Françoise Hardy, uma gritaria dentro de mim… Elizabeth Mattos – setembro de 2023 – Torres