“É impossível, compreendo, penetrar na solidão de outra pessoa. Se é verdade que sempre podemos vir a conhecer outro ser humano, ainda que em grau pequeno, isso só acontece na medida em que o outro quiser se fazer conhecido. Um homem dirá: estou com frio. Ou não dirá nada e vamos vê-lo tremer com calafrios. De um jeito ou de outro, vamos saber que está com frio. Ou então não dirá nada e vamos vê-lo tremer com calafrios. De um jeito ou de outro, vamos saber que está com frio. Mas e o homem que não diz nada e não treme? Onde tudo é intratável, onde tudo é hermético e evasivo, não se pode fazer nada senão observar. Mas se a pessoa consegue ou não extrair algum sentido do que observa é outra história.” (p.27) Paul Auster A invenção da solidão
Mês: janeiro 2024
Parque – São Paulo
Paul Auster
“Enquanto escreve, sente que se move para dentro (através de si mesmo) e ao mesmo tempo se move para fora (na direção do mundo). O que ele experimentou, talvez, durante aqueles poucos momentos na véspera de Natal em 1979, sentado sozinho em seu quarto na rua Varick, foi isto: a súbita consciência de que mesmo sozinho, ou para ser mais exato, no momento em que começou a tentar falar sobre essa solidão ele se tornou mais do que ele mesmo. A memória, portanto, não apenas como a ressureição do passado particular de alguém, mas como uma imersão no passado dos outros, o que vale dizer: história – da qual a pessoa tanto participa quanto é uma testemunha, é uma parte e se mantém à parte. Tudo, portanto, está presente ao mesmo tempo em seu pensamento […] Se existe alguma razão para ele estar em seu quarto agora, é porque há dentro dele alguma coisa ávida para ver tudo de uma só vez, saborear esse caos em toda a sua simultaneidade lenta, tarefa sutil de tentar lembrar o que já foi lembrado. a caneta nunca será capaz de se mover depressa o bastante para pôr no papel todas as palavras descobertas no espaço da memória. Algumas coisas se perdem para sempre, outras talvez serão de novo lembradas, e outras ainda foram perdidas, encontradas e perdidas outra vez. Não há como ter certeza de nada disso.” (p.156) Paul Auster A invenção da solidão – tradução de Rubens Figueiredo – São Paulo – Companhia das Letras – 1999
não consigo
Não consigo esquecer, nem perdoar. Pequenas coisas que bateram feias… Estes detalhes malvados tecem o caráter. Desavisada, entregue a nostalgia da tristeza, volta o sentimento ruim de ser traída. O dia volta com aquela alegria desavisada tão solta, a minha. Conversas, risadas… Tão bom! E fizemos o jantar. Convidamos os amigos, preparamos, programamos. Foi a pedra que colocaste na possibilidade. Culpa minha, tua? Não sei. Era uma terça-feira. Enquanto escrevo penso que, neste momento, deposito em ti minha incapacidade de conquistar. De ter amarrado o sentimento. Afinal, era teu amigo, não meu. Tua casa, não a minha, teus planos, não os meus. Quem sabe um dia esqueço e escrevo o outro lado da história. Dos meus namorados, não os teus. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2024 – E sinto saudade da vida em Santa Cruz do Sul – longe de tudo e perto da construção de ser apenas eu, comigo, sem trilha. O novo.
mínimo direito
Necessidade de estar só, de não ouvir ninguém pedindo nada, que não me levem junto… Esse horror de que tenham o mínimo direito sobre eu pessoa, de que me façam sentir isso… Essa evidente falta de jeito dos outros, de esperar alguma coisa. Eu me torno logo incapaz, eu me anulo: resolvo fazer o que não tenho vontade. Escrever pode ser um caminho seguro. Não sei. Desconfio.
Jardim com crisântemos, íris e pessegueiros floridos… Atravesso pelo caminho de pedras. Pedras escolhidas, eu posso dizer seixos? Não sei. Cabelos espichados, sem movimento, como chorosas lágrimas escorridas na cabeça. Pele escura. Olhar sombrio e castanho. A voz caminha pelas escadas do segundo andar.
Não gosto de ser vigilante, atenta, acompanhar o dia e a noite, insone. Quero o sono de todas as horas, aquele que sonha. No entanto, o jardim, a terra coberta de pedras encanta. Árvores se movimentam dentro da história colorida. Ou seria a cor do pincel? Troncos finos, outros maduros e grossos. Na tela estes espichados senhores do tempo, os trocos. Não. As palavras não conseguem entender a visão, nem explicar o som do dia, súbito, a vontade de voltar a dormir. Esta coisa de usar o sono como borracha, goma de esquecer. Questiono os detalhes. Tenho a certeza que no detalhe traiçoeiro se esconde o principal. A porta bateu, ou fechou bem devagar? Eles não queriam que eu acordasse, ou não iam me convidar para passear. Foram todos para o jardim no momento em que entrei correndo na sala cheia de novidades! Levaram os cães… Ou apenas as vozes. Quero olhos azuis, cabelo aloirado crespo, colorido e em movimento. Quero ser a outra, e ter voz mansa, fala arrastada (sensual), reticente. Estou cansada da leitura: arrastada, incompreensiva porque repetitiva. Será que todos pensam a mesma coisa numa variante de dia e noite e idioma, o mesmo. É deste mesmo escorregadio que eu me escondo: escondida, revelo. Todas as cores numa cor. Nenhuma cor: todas. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2024 – Torres
é proibido
Exatamente. O peixe saiu surpreendido no fio de linha! Direto para a panela. É sobrevivência. Então, “É proibido pescar” não importa muito… Tiro fotos, esquisitas, não sei otimizar. Depois eu me sinto uma idiota / há placas, viaturas passam… É assim. Sem regras mesmo. A lagoa recebe estas visitas, estes se hospedam num horror aqui mesmo. E as pessoas não se importam, ninguém se importa, ainda não entraram no cercado do seu jardim, então… Um domingo mal humorado este. Não deveria ser, mas este azedume explica a invasão do verão… o excesso. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2024 – Torres
limite
O limite do tempo que consigo ficar enfiada na emoção começa a diminuir. Cabeça, braços e pés se metem a tremer, e o que sinto não é mais pensamento, mas exige movimento físico. Então é preciso interromper a emoção e a cadeia de sentimentos e recorrer ao artificio. Fazer um chá, abrir uma coca-cola, dar uma caminhada. Os sentimentos não se escondem, eles te engolem. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2024 – Torres
do tédio
Mergulho no dia de qualquer jeito… O jeito bom de ficar na cama revirando e preguiçando não vem! Credo! Então vou folhear um livro, limpar outra vez a casa, resolver a poeira como se fosse uma questão filosófica. O cinzento dos dias, estas chuvaradas refrescantes lembram os bons verões, pois é, meu amigo querido, sempre voltamos para Torres porque os verões eram mágicos. Escreveste muito bem. Voltamos sempre ao lugar da felicidade / da alegria. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2024 – Torres
W.B. YEATS
coisa esquisita
Esta coisa de esquecer anotação e esquecer até de esquecer o que deveria. Lembrança deslocada, esquisita… Atrapalha o dia e não vai embora… Então não sei se ainda é quarta-feira ou já sexta-feira. Droga! Ainda estamos na quinta – feira, o jornal chega amanhã… Memória ruim das que secaram… Dos ferros de passar roupa que desaparecem, do espaço que eu tinha e deixei de ter… Das manchas pingadas na minha blusa cor de laranja. Um ressentimento apertado. Os números telefônicos de antes, os de agora, importantes, esquecidos! Ah! memória atrapalhada, memória lascada. E aquela esquisita… A gaveta com roupas que não me servem mais… Apertados estes ombros…. A saber que vamos fazer um efeito lúdico festa / e seremos bons amigos! Bom! Alguma coisa importa. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2024 – Torres

