Querer mais / talvez seja a pressa que choramingue pelo caminho, ou felicidade complacente, sem exigências… Quieta, meio adormecida esta alegria. Ninguém explica o feliz / felicidade: pode ser uma caixa de bombons, pássaro acordando, ou ideias atropeladas. E tempo. É preciso um espaço vago na agenda pra borboletear ou bordar, ou escutar música… A música precisa ser eu contigo, tu com ela. intimidade confessional. A depressão imobiliza. Começo a ser apenas sombra, sonâmbula… Logo teu chamado: acorda! Gosto de estares tão perto! Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres – faz muito muito muito frio /um amanhecer gelado claro, céu azul, azul, azul.
Multiplicar ou repetir? O mistério / a resposta está na matemática. Aquela história de repetir o mesmo, ou se repetir. E concluir. O que é mesmo renovar? Trocar os estofados, mudar o rótulo. As plantas se renovam e a poda vitaliza – exigem tanto da pessoa! Ser gente no meio de gente: reconhecer, identificar, mas seguir o mesmo… Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres (o bom mesmo é se reconhecer)
Eu aceito. Aceito o carinho, estendo a mão e tu me levas. Vamos juntos. Por um momento eu compreendo tudo. Tão bom! Encosto minha cabeça no teu ombro. Vou te contar, bem baixinho. Hoje esqueci o dia da semana, depois, desajeita, não encontrei o bom casaco. Não imaginas como faz frio! Eu era boa em não sentir frio, deixei de ser. Depois, vou até gostar do calor! Estranhezas! Eu encontro o caderno, perco o lápis, depois vou atrás da minha caneta. E já estou a me distrair com discos… Coloco na vitrola para voltar. Voltar a ser a de sempre. Lembro de outros tempo! Tão bom namorar! Não me olhes deste jeito. Se eu não puder te dizer que graça terá lembrar? Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres
Houve um tempo, houve um tempo em que a serenidade se acomodava em qualquer lugar. O livro me explicava ou esticava as sensações plenas, fossem quais fossem. O caminho seria o mesmo, ou se mudasse, eu seria a mesma e acreditava. Tão bom ser esta pessoa – tranquila e silenciosa, e ao mesmo tempo povoada. Hoje, num estranhamento intenso eu quero ver / achar e completar o jogo. Sim, ganhar ficou importante e lógico. O que acontece? Não há jogo. Apenas envelheço, sem cuidado, envelheço sem consciência. Acho que estou noutro tempo, com alguém a socorrer o abraço não abraçar.
Meu querido, escrevo às pressas, estou determinada a dormir um pedaço da tarde, e acordar atenta ao teu chamado. Esquiva ou rabugenta. Sou a mesma. O que tenho para contar de urgente? Da minha janela vi tanta chuva! Forte. Vigorosa. Não é chuva, mas intempéries que sacodem a embarcação. Logo chega um sol engraçado, faz caretas. Depois as nuvens voltam… Imagino que estejas, outra vez, envolvido nas boas condições e tuas descobertas te revigorem… Abri um livro, ao acaso, do passado, 1972. E surpresa! Estranhos sublinhados…
“Ah! l’importunité de ces êtres, à qui notre coeur ne s’intéresse pas, et qui nous ont choisis, et que nous n’ n’avons pas choisis! – si extérieurs à nous, dont nous ne désirons riem savoir, dont la mort nous serait aussi indifférente que la vie… et pourtant ce sont eux-lá qui ressemblissent notre existance. (p97-98) François Mauriac Le désert de l’amour
Enorme paixão, certeza absoluta. Gulosas leituras que me saciavam o prazer. Completavam a falta. Hoje diferente. Amontoadas observações sobre o nada, sobre coisa nenhuma _ sem tempo pra sentir. Num único dia faz frio (horrível) coloco todos os casacos e me enrolo na manta, no mesmo dia, o sol aquece a terra e vou a me despir, impressionada com as sensações geladas e inquietas. Tudo isso amontoado numa manhã. Quando acorda eu vou te escrever demorado… Talvez, já me tenhas escrito. Tua voz importa. Um beijo. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres com François Mauriac
Lento, arrastando, caminhando andando a passos miúdos, assim cresci e pensei desejos/sonhos… Estranhos, vivos, iluminados. Iluminados porque eram os meus sonhos. Há que se verificar se a sombra é mesmo a tua… Depois, se o desejo te representa. Antes, saber como és por inteiro: entender os pedaços. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres
Sabor de rotina / prazer / gosto de vida completa / ou a se reproduzir num dia depois do outro, serena e boa. Piano, a mesma música, o mesmo cheiro de casa / a tua. As mesmas roupas te identificam… É o mesmo que circula: ser feliz! Claro, tem pessoas, a maioria, talvez, necessita / precisa / e respira ao se sacudir. Acumular um vi fiz e provei. O mundo se desloca para fora dela. Substituições feitas automaticamente! A jardinagem ensina. Atenção! As plantas exigem cuidado, a terra exige. E o sol, a chuva, a noite e o amanhecer / as mudanças… O ciclo! Hoje acordei positiva, feliz, completa pelo bom sono, a boa comida, o bom silêncio e o bom amor! O bom de respirar! O melhor cuidado! Feliz! Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres com sol, e sol e sol.
Devagar o desânimo carrega uma pessoa… O positivo escorrega. Presença louca! Querer / necessitar / esta coisa de precisar mesmo deixa de ser urgente… Nada é urgente. A história estica tantas estórias ao mesmo tempo, e elas se diluem… Pessoas não são importantes por terem um papel significativo para este ou aquele individuo ou porque representam isso ou aquilo. O fato permanece multifacetado… Tudo se dilui. Claro! A expectativa do futuro / o tal objetivo se dilui também. Voltaire tinha razão quando descreve o melhor dos mundos possíveis. Porque nunca é mesmo o nosso mundo, mas o que gostaríamos de ter. Caminhar, mover-se de lá para cá / abrir e fechar janelas, ponderar o possível e o impossível. Esticar a mão… Um amigo me escreve com simpatia, alarga meu texto e eu fico feliz. Acredito no abraço. Sinto olhar e estou, imediatamente, a desejar repartir o pão com manteiga, brindar com o café e acreditar que o mar se abriu e vou caminhar até a ilha debaixo do sol sentindo o sal na pele e sendo feliz. É assim viver. Acredito nos milagres. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres e Porto Alegre, chegando no Rio de Janeiro, apaixonada por São Paulo.
“O quase: regime atroz do amor, mas também estatuto decepcionante do sonho – por isso odeio os sonhos. Pois com frequência sonho com ela (só sonho com ela), mas jamais é inteiramente ela: ela às vezes, tem, no sonho, alguma coisa de um pouco deslocado, de excessivo: por exemplo, jovial ou desenvolta – o que ela jamais era; ou ainda, sei que é ela, mas não vejo seus traços (mas será que no sonho se vê ou se sabe?): sonho com ela não a sonho. (p.100) Roland Barthes A CÂMARA CLARA – tradução de Júlio Castañon Guimarães – Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro – 1984
Fotografia de João Brentano
A leitura se atravessa no meu dia, e na verdade, tudo por acaso voltar a Barthes, entrar no passado. Esta tudo ali no texto, na hora de ler. As fotografias conversam com o olhar. O amanhecer o mesmo, diferente. O mesmo lugar, e particularmente, diferentes. O mesmo. Coisas do olhar – a distância do lugar e perto. A memória com magia de trazer / entregar o lugar. Pessoas, vontade. Colocar cor, tirar a cor. Desenhar, escrever, correr e não sair do lugar. Uma brincadeira séria. Esta coisa de OLHAR! Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2024 – Torres
Para “reencontrar” minha mãe, fugidiamente, é pena, e sem jamais poder manter por muito tempo essa ressureição, é preciso que, bem mais tarde, eu reencontre em algumas fotos os objetos que ela tinha sobre sua cômoda, uma caixa de pó-de-arroz de marfim (eu gostava do ruido da tampa), um frasco de cristal bisotado, ou ainda uma cadeira baixa que hoje tenho perto de minha cama […], as grandes sacolas de que ela gostava (cujas formas confortáveis desmentiam a ideia burguesa de “bolsas”. (p.97-98)
Para reentrar minha mãe percorro os mesmos corredores. Vejo os seus olhos claros, arregalados, generosos. Os olhos do meu pai. Os dela eram pequenos castanhos, inquietos. Lindo ele. Apenas carinho e encontro. Para chegar perto de minha mãe eu bebo uma xícara de café preto e fumo um cigarro. E ela sorri. Ou bebo um gole d’água gelada, ou água com limão, o pai recomendava. Acompanho a leitura em voz alta que ela faz para ele. Comentam o parágrafo, eu não entendo, apenas ouço. Antes das refeições estamos todos ali, reunidos. A tia Joana senta no sofá. Eu como as bergamotas descascadas com os dedos: sentada nos degraus do alpendre: o sol entrando… Os nós de pinho queimam na lareira porque é inverno. Estamos na biblioteca da rua Vitor Hugo, 229. Apenas eu sentada nos degraus do alpendre. Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2024 – Torres – com o sol a entrar no apartamento – a ideia de morar em Torres, meus filhos e eu deve ter sido, mesmo, do meu pai. O apartamento da rua José Picoral, 117 – foi comprado para ser meu. Coisas de saber o futuro, no presente, no agora das pessoas.
“Assim, a vida de alguém cuja existência precedeu um pouco a nossa mantém encerrada em sua particularidade a própria tensão da História, seu quinhão. A História é histérica. Ela só se constrói se a olhamos – e para olhá-la é preciso estar excluído dela. Como criatura viva, sou o contrário da História, o que a desmente, a destrói em benefício de minha estória apenas (impossível para mim acreditar nos ‘testemunhos’; impossível, ao menos ser um deles; Michelet, por assim dizer, nada pode escrever sobre seu próprio tempo. Para mim, a História é isso, o tempo em que minha mãe viveu antes de mim (aliás, é essa época que mais me interessa, historicamente). (p.98) Rolland Barthes A CÂMARA CLARA