lento

Lento, arrastando, caminhando andando a passos miúdos, assim cresci e pensei desejos/sonhos… Estranhos, vivos, iluminados. Iluminados porque eram os meus sonhos. Há que se verificar se a sombra é mesmo a tua… Depois, se o desejo te representa. Antes, saber como és por inteiro: entender os pedaços. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres

sabor rotina sabor e rotina

Sabor de rotina / prazer / gosto de vida completa / ou a se reproduzir num dia depois do outro, serena e boa. Piano, a mesma música, o mesmo cheiro de casa / a tua. As mesmas roupas te identificam… É o mesmo que circula: ser feliz! Claro, tem pessoas, a maioria, talvez, necessita / precisa / e respira ao se sacudir. Acumular um vi fiz e provei. O mundo se desloca para fora dela. Substituições feitas automaticamente! A jardinagem ensina. Atenção! As plantas exigem cuidado, a terra exige. E o sol, a chuva, a noite e o amanhecer / as mudanças… O ciclo! Hoje acordei positiva, feliz, completa pelo bom sono, a boa comida, o bom silêncio e o bom amor! O bom de respirar! O melhor cuidado! Feliz! Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres com sol, e sol e sol.

limite da risada

Devagar o desânimo carrega uma pessoa… O positivo escorrega. Presença louca! Querer / necessitar / esta coisa de precisar mesmo deixa de ser urgente… Nada é urgente. A história estica tantas estórias ao mesmo tempo, e elas se diluem… Pessoas não são importantes por terem um papel significativo para este ou aquele individuo ou porque representam isso ou aquilo. O fato permanece multifacetado… Tudo se dilui. Claro! A expectativa do futuro / o tal objetivo se dilui também. Voltaire tinha razão quando descreve o melhor dos mundos possíveis. Porque nunca é mesmo o nosso mundo, mas o que gostaríamos de ter. Caminhar, mover-se de lá para cá / abrir e fechar janelas, ponderar o possível e o impossível. Esticar a mão… Um amigo me escreve com simpatia, alarga meu texto e eu fico feliz. Acredito no abraço. Sinto olhar e estou, imediatamente, a desejar repartir o pão com manteiga, brindar com o café e acreditar que o mar se abriu e vou caminhar até a ilha debaixo do sol sentindo o sal na pele e sendo feliz. É assim viver. Acredito nos milagres. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres e Porto Alegre, chegando no Rio de Janeiro, apaixonada por São Paulo.

Roland Barthes

“O quase: regime atroz do amor, mas também estatuto decepcionante do sonho – por isso odeio os sonhos. Pois com frequência sonho com ela (só sonho com ela), mas jamais é inteiramente ela: ela às vezes, tem, no sonho, alguma coisa de um pouco deslocado, de excessivo: por exemplo, jovial ou desenvolta – o que ela jamais era; ou ainda, sei que é ela, mas não vejo seus traços (mas será que no sonho se ou se sabe?): sonho com ela não a sonho. (p.100) Roland Barthes A CÂMARA CLARA – tradução de Júlio Castañon Guimarães – Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro – 1984

Fotografia de João Brentano

A leitura se atravessa no meu dia, e na verdade, tudo por acaso voltar a Barthes, entrar no passado. Esta tudo ali no texto, na hora de ler. As fotografias conversam com o olhar. O amanhecer o mesmo, diferente. O mesmo lugar, e particularmente, diferentes. O mesmo. Coisas do olhar – a distância do lugar e perto. A memória com magia de trazer / entregar o lugar. Pessoas, vontade. Colocar cor, tirar a cor. Desenhar, escrever, correr e não sair do lugar. Uma brincadeira séria. Esta coisa de OLHAR! Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2024 – Torres

reencontrar

Para “reencontrar” minha mãe, fugidiamente, é pena, e sem jamais poder manter por muito tempo essa ressureição, é preciso que, bem mais tarde, eu reencontre em algumas fotos os objetos que ela tinha sobre sua cômoda, uma caixa de pó-de-arroz de marfim (eu gostava do ruido da tampa), um frasco de cristal bisotado, ou ainda uma cadeira baixa que hoje tenho perto de minha cama […], as grandes sacolas de que ela gostava (cujas formas confortáveis desmentiam a ideia burguesa de “bolsas”. (p.97-98)

Para reentrar minha mãe percorro os mesmos corredores. Vejo os seus olhos claros, arregalados, generosos. Os olhos do meu pai. Os dela eram pequenos castanhos, inquietos. Lindo ele. Apenas carinho e encontro. Para chegar perto de minha mãe eu bebo uma xícara de café preto e fumo um cigarro. E ela sorri. Ou bebo um gole d’água gelada, ou água com limão, o pai recomendava. Acompanho a leitura em voz alta que ela faz para ele. Comentam o parágrafo, eu não entendo, apenas ouço. Antes das refeições estamos todos ali, reunidos. A tia Joana senta no sofá. Eu como as bergamotas descascadas com os dedos: sentada nos degraus do alpendre: o sol entrando… Os nós de pinho queimam na lareira porque é inverno. Estamos na biblioteca da rua Vitor Hugo, 229. Apenas eu sentada nos degraus do alpendre. Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2024 – Torres – com o sol a entrar no apartamento – a ideia de morar em Torres, meus filhos e eu deve ter sido, mesmo, do meu pai. O apartamento da rua José Picoral, 117 – foi comprado para ser meu. Coisas de saber o futuro, no presente, no agora das pessoas.

“Assim, a vida de alguém cuja existência precedeu um pouco a nossa mantém encerrada em sua particularidade a própria tensão da História, seu quinhão. A História é histérica. Ela só se constrói se a olhamos – e para olhá-la é preciso estar excluído dela. Como criatura viva, sou o contrário da História, o que a desmente, a destrói em benefício de minha estória apenas (impossível para mim acreditar nos ‘testemunhos’; impossível, ao menos ser um deles; Michelet, por assim dizer, nada pode escrever sobre seu próprio tempo. Para mim, a História é isso, o tempo em que minha mãe viveu antes de mim (aliás, é essa época que mais me interessa, historicamente). (p.98) Rolland Barthes A CÂMARA CLARA

duas vezes o mesmo

deve haver a terceira vez, ou o antes. aquele enfado do mesmo… sem o outro, sem estares aqui, tu.

ora, ora, ora! sou eu a me queixar. conversar / o tal dialogar, ou escutar. escutar seria importante, montar e colorir a memória. envelhecer sim, mas usar máscara. o teatro japonês… a ideia de ganhar e o preço por perder. uma droga esta coisa de perder…

para ser franca (procuro mentir para acertar), perder é a ordem. ou passar aquele cofre para as doações! verdade! acreditar no dia seguinte e no tal sono, fechar os olhos e dormir – delícia. em que momento perdi o sono? ficou numa esquina, ou eu enveredei (veredas é coisa de Guimarães Rosa) para um lado, e ele, o sono tomou outro rumo. sugestão: fique acordada, faça exercício, ou musculação, caminhar, seja tranquila. caminhar muito. olhar para todos os lados, procurar os amigos, rir, fazer novos amigos. e amar. beijar. o beijo existe? deve existir né?! os que nós devoramos ou quando nós nos apaixonamos. as letras! junte letras para escrever, use os pincéis e não interrompa o dia, deixa a lua estar cheia e espera diminuir… e o dia ser dia vinte e quatro horas. aqueles ensolarados dias de sol! ora, ora! leia livros. os certos / os errados também, principalmente, os proibidos.

e o tal medo? empurra o medo… se não aconteceu eu não sei. se sei /sabes qual foi, não repetir. o “perigo mora ao lado”, não. era o pecado… começo a ver os mesmos filmes, sonhar com o mesmo amor. cansar das mesmas coisas. amanhã eu vou pegar o telefone e discar o número. afinal, do outro lado tem apenas uma voz. uma voz pode ser mesmo assustador. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres. as contas não conseguem fechar, não acertei o número!

inacabado

a gente vive no / dentro / pelo inacabado… o movimento importa, o voo em direção a / o pouso momentâneo do descanso. no repente do cansaço: exaustão de vozes, de fazer / de responder. atuar ou compartilhar: um esforço que não termina… pinturas, melodias interrompidas. o silêncio da pausa. a importância do inacabado. história sem fim. nenhuma doença termina, nenhuma saúde é completa. o melhor gosto está na prova, no meio esquisito: viver o amor compartilhado, nunca inteiro, mas fraccionado… com brilho, ou na penumbra, o dito, se explica atravessado no silêncio. ah! como gosto quando lês o meu silêncio e tu me tocas na ausência! Elizabeth M.B.Mattos – junho de 2024 – Torres

Ave Maria e Pai Nosso

Com Santo Anjo do Senhor, aquela alegria mágica das orações não esquecidas, e o rito completo que abraça o tempo de ser/ter relação direta. Vejo teu nome. O calor das preces, com a doce presença presente de teus olhos castanhos impregnados de doçura esperta. Obrigada. Hoje amoleci por dentro a memória de te querer. Foi uma linha, duas linhas, foi só tua distração… Estás atravessando outra luz, sério e concentrado. Eu sigo distraída, os mosquitos me inquietam, a chuva me salva, a música entra… Danço contigo bem apertado como se o tempo, o nosso, fosse agora, apenas embalo e perfume. Não és tu, nem eu mas a dança e a música… Eu me afasto. E nos vejo iluminados. Tenho que descer e chegar na realidade, mas ninguém diz meu nome como tu falas…Vou voltar para as cobertas! Ah! pensar em ti me faz bem…Volta logo! Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres

GANCHOS

  1. saudade do sono – daquele sono possível em horas improváveis – do cansaço feliz / daquele muito fazer e tanto dizer, fazer acontecer e adormecer… dormir muito / bastante não assim aos solavancos.
  2. ilusão tenho de felicidade / alegria posta a cada refeição, lição feita, brincadeira acabada. livro lido, ordem na gaveta, caixas e caixas com papel – segredo, o colorido feliz.
  3. não é porque sou / tenho natureza feliz, nada disso. sou / era feliz porque a ilusão me dizia: depois do sono, tenho um dia, outro, mais outro, e anos, e tantos anos que na corrida do tempo a passar, o tempo a ser galgado e vencido é / seria maior. sem ponto. esquecer a pontuação é uma das loucuras de hoje, entre tantas as que cometo. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2024 – Torres outra vez com chuva, tanta chuva, que a calçada desaparece, e chove…chove…chove outra vez, tanto!