amado, afeto

Volto ao meu velho hábito de te pensar a cada página e cada volta de um dia completo e corrido. Procuro o sossego de amar devagar, mas a velocidade dos carros, a pressa de respirar sufoca as pessoas, e este chegar parece desespero de adormecer. Quero dizer, dormir sem hora marcada. Marcar o tempo no compasso do teu coração e das palavras. Sim, o gosto de conversar pode ser café com leite e uma torrada com manteiga. Maçã preciosa! Cheirosa. Preciso cuidar do que escolho para comer… Estou menos avestruz. Não macrobiótica como te agradaria. Sem leitura definida, numa pausa maior do que gostaria, eu me inquieto. Belisco a correspondência de Anïs com Miller. Ela escreve: “Je poétise New York jusqu’à la folie.”

Eu te digo: Porto Alegre esconde seus jacarandás, a cidade reclama atenção! As vitrines me encantam, o olhar se veste das novas tendências. Prefiro mesas e cadeiras aos vestidos, mas me interesso pelos sapatos, e outros acessórios. Já sinto calor no meio deste frio gelado. Já espero comer menos sanduiches, mais japonês. Mas pausar as leituras me inquieta. E Pedro não tem telefonado -, o hábito das vozes! Escuto a Luiza. Ana Maria, embora longe, cuida de mim, como sempre cuidou. Valentina desdobra o talento e Joana se encanta. Eis as notícias. Pensa no que escreve Anïs: “Je crois que ça fait m’a fait du bien de m’ éloigner de toi. Ça a réveillé mon activité. Tiens moi au courant des livres ‘clandestins’ dès que possible. Je ne peux rien faire sans livres. […] Mes démarches pour la danse se sont soldées par une nouvelle propositon à me mettre au lit. Il en sera sans doute de même pour Hollywood. Au moins, tout cela reste en suspens pour le moment. […] Merveilleuse idée que de m’envoyer quelques exemplaires de mon Lawrence. Délicate pensé. […] E sigo envolvida / misturada com tua lembrança e teu gosto, teu apressado jeito / todos os você disse, você contou, você esteve lá desapareceram / o Rio Grande do Sul engoliu o Rio de Janeiro. Seguirei sendo a carioca mais gaúcha, ou a torrense mais porto-alegrense, ou uma mulher sem nacionalidade que te ama. “Chaque fois que un rocher, il est bon d’aller à sa rencontre. C’est l’aventure. Le mouvement, avec toutes les émotions qui vous assaillent au moment, au moment de trouver à la fois le désastre et la felicité. Le mouvement. Le mouvement et l’humour sont mes deux obsessions.” (p.384-385) Anaïs Nin Henry Miller Correspondance passionnée

Valentina Nefer – Rio de Janeiro 2024

Escrever escrever / pensar pensar / voltar para ficar / e te espiar. Descubro que te amar… Sabes, você sabe ser/é selva e jardim, saudade de tua palavra, do azul dos teus olhos, ou verde? São castanhos estes olhos. Gosto de brincar neste amor. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre

surpresa ou estupefação

memória surpreende e sacode. traz lembrança e carrega pra longe / longe… o longe! aquele lugar que não existe segundo / lembrando Richard Bach no livro Longe é um lugar que não existe

eu cá contraponho na vida real: longe da memória a lembrança esquecida ou estremecida sacode e venta e escurece e assusta. poeticamente não existe, talvez, na vida ‘como ela é’ não apenas existe, como também assusta.

a cidade se movimenta e se agita, na madrugada silencia também, então, a conversa fica distraída e adormece. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre conectando o Rio de Janeiro

Atenas, em 411 e 404

“Em Atenas, em 411 e 404, o partido antidemocrático desarmou tanto os pobres quanto a classe média para impor seu jogo. Crítias dependia de uma guarnição de tropas de ocupação espartanas, seus epikouroi.Era para pagar estes soldados que Crítias expropriava os bens de estrangeiros ricos, como Leão de Salamina. O objetivo da casta militar na República de Platão, tal como no Egito, era manter o povo desarmado e incapaz de oferecer resistência a seus senhores.” (p.174) I.F. Stone O julgamento de SÓCRATES – Companhia das Letras – 1988

Esta ideia sobrevive na Carta de Direitos da constituição americana, que assegura o direito do cidadão de portar armas. Hoje em dia esta ideia é destorcida pelo lobby das armas […] mas na época era reflexo de uma experiência que ainda estava muito viva na memória dos homens que fizeram a Revolução. Foi graças à posse individual de armas que os colonos americanos puderam desafiar a coroa britânica. (nota de rodapé)

Platão /Sócrates a história se multiplica e sei tão pouco do que é necessário saber para pensar / escolher e votar. ” Teria havido uma caça às bruxas em Atenas? Teria Sócrates sido vítima de autoritarismo? Como explicar o súbito e incongruente surto de autoritarismo na terra natal da democracia? Ler é um ato investigativo, com certeza. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024

correspondência / correspondance passionnée

/Clichy/

Dimanche [18 juin 1933]

[Anaïs]

Ce n’est que lorsque j’ ai reçu le télégramme que j’ai pris conscience que tu partais vraiment. Telegramas, chegadas, partidas e saudades: o tempo amoroso de amorar. Je me suis assis dans un café à la Fourche, en proie à d’étranges émotions. Reler / ler correspondências amorosas devolvem o sentimento alerta do amor. Quand je vois des mots comme je parts, au revoir, etc., ça me transperce comme une lame d’acier. Je sais que ce n’est pas pour longtemps, mais, quand quelqu’un part en voyage, cela pose la question d’autres voyages – de derniers voyages. Cela rend immensément et magnifiquement triste. Estas coisas de partir / de chegar / de fazer uma viagem / aquele deslocamento importante que remexe / ativa todas as emoções escondidas. Sim. Eu conheço este ir e vir do outro, e os meus caminhos… Aqueles lugares de amor. ” isso é / se torna imensamente e magnificamente triste” […] Ces conversations avec ton père! Dis-m’en le plus possible, ou plutôt tout ce que tu te sens autorisée à dire à divulguer. Tu te souviens quand je suis parti pour Dijon? Et, comment, aussitôt, nous avons entamé une correspondance, c’était alors Proust et Dostoïevsky? Eh bien, nous y voilá de nouveau.(p.278 279) Anaïs Nin / Henry Miller Correspondance passionée – Cosmopolite Stock – Traduzido do inglês (Estados Unidos) por Béatrice Commengé . Aquelas cartas lidas, relidas. Conversas longas / cortadas e plenas, perto do mar, longe do mar. Perto do amor. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre

ensolarada e gelada

Porto Alegre avança gelada e hoje ensolarada. Eu gosto / sonho, desejo o urbano. No minuto seguinte, recuo / penso no mar e nas montanhas. Volto ao silêncio quieto de do meu sempre. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre

fresta na chuva

cedo nos molhamos, ônix e eu – já sei deste frio que retorna e da chuva miúda que abraça o dia… e as coisas da alma se sacodem e com olhos pesados de sonhos escorrego neste hoje. Olhos pesados de sonhos que mais absorvem do que veem as coisas… pela fresta da chuva eu te espero… estás a demorar. eu te espero, meu querido. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre

salvar a alma

temos que salvar abraçar a alma, acarinhar e respirar. viver pode ser respirar / primeiro lugar, depois vem o abastecer e acarinhar o sol o vento a tempestade, o amor.

acarinhar! Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 Porto Alegre

cinzento, menos frio

o tempo se faz tempo, e as mãos se estendem / entendem.

comunicar / dizer / mencionar ou silenciar, tudo nada muito e tão mais ou menos…

afinal chegamos, no campo, na cidade, na aldeia ou na vila, perto ou longe, não sei. Elizabeth m.B. Mattos – Porto Alegre -agosto de 2024

pais e filhos

filhos querem agradar aos pais, que confusão! pais querem ver/saber de filhos decididos / vivos / donos de suas vidas… e a gente nunca tem certeza, não sabe.

tudo um emaranhado – que confusão! E na verdade, ninguém deve isso ou aquilo / importa é respirar, e, se neste respiro, houver aceitação / compreensão / irmandade no lugar deste laço de descendência… como escreve Cesare Pavese in Oficio de viver

29 de janeiro

A coisa mais trivial se torna interessantíssima, desde que descoberta em nós mesmos. E decorrência disto, que não é mais uma coisa trivial abstrata, mas inaudita de realidade e de essência nossa. (p.146)

e continua escrvendo neste diário:

2 de fevereiro

Se é que somente as conscientizações que coincidem com coisas que já sabíamos (3 de dezembro de 1938) são verdadeiros progressos interiores, então só importa em nós o inconsciente e nele está nossa verdadeira índole e têmpera. O que se aprende na vida, o que se pode ensinar, é a técnica da passagem à conscientização – que se torna deste modo a simples forma de nossa natureza. (p.147)

Esquisitice esta questão das relações.

Eu, e creio que muitos, procuramos não o que é verdadeiro em absoluto, mas o que nós somos.(p.357)

Não resolve morar na mesma casa / que as distâncias se façam, e, seria /sou livre para ser eu… Ser eu importa – sem regras. Elizabeth Mattos – agosto de 2024 – Torres