lucidez

tenho saudade da lucidez de minha mãe e do meu pai; tenho saudade da generosidade, e do brilhante caráter. a inteligência, perspicácia política, opção de vida e cuidado. de ontem para hoje as mentiras e a ganância se debruçam na sesta de frutas e já não sabemos o que colhemos no pomar, ou o que compramos, ou o que alguém, distraído ou não, colocou na mesma cesta… estranho o sentimento que molda a paz e empurra, com facilidade, o conflito. preparei o chá, passei um café fresco, o bolo ficou perfeito, e eu permaneci inquieta.

quero estar na doçura de todas as certezas, em todas as idades, nenhuma é a perfeita, todos são a família. e o jogo de quem seria o melhor, o menos ´perfeito /quem é quem no tempo, não faz sentido nenhum, somos nós de mãos dadas. Elizabeth M. B. Mattos – agosto – 2024 – Porto Alegre, a caminho de Recife com meu amigo amado

respeitado

o vagar necessário / o silêncio, o arrastar das palavras, a não teoria, apenas sentir… como e o quê? aprendo devagar. nestes passos o prazer do quebra-cabeça. e claro, a felicidade. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Porto Alegre

não sabemos a hora

O que estamos escrevendo é sempre cego. Não podemos saber na hora se está ficando bom ( se depois, retornando-o, o julgaremos realizado ). Nós simplesmente o vivemos, e é claro que as astúcias, os expedientes que já empregamos, são outro estilo composto de antemão, estranho à substância do atual. Escrever é gastar os maus estilos, empregando -os. Voltar ao já escrito para corrigir é perigoso: seria justapor diferentes coisas. Então não há técnica? Há sim, mas o novo fruto que importa está um passo adiante da técnica que conhecíamos, a sua polpa é que aos poucos vai nascendo da pena, sem sabermos. Conhecermos um estilo significa termos desvendado parte do mistério. E que daqui por diante nós nos proibimos de escrever nesse estilo. Chegará o dia em que já teremos trazido à luz todo o nosso mistério e então já saberemos escrever, isto é, inventar o estilo.(133-134) Casare Pavese O Ofício de Viver

O que faz o encanto desta existência tão despida e tão vazia aparentemente!

A liberdade. (p.216) Henri-Frédérique Amiel Diário Íntimo

…e ele segue maravilhosamente bem a descrever a mansarda e se deliciar escrevendo no diário. “É antes o que suspira e que desejaria mais e melhor. Mas o coração é um glutão insaciável – já se sabe – e, além disso, quem não suspira? É o nosso destino, aqui na terra. Somente, uns se atormentam à procura de satisfação, sem nada conseguirem; outros ao resultado se antecipam. e se resignam fazendo a economia de esforços estéreis e infrutíferos. Já que não podemos ser felizes, por que nos preocupar tato? Convém limitar-se ao estritamente necessário, viver de regime e abstinência. conter-se um pouco e dar valor somente à paz da consciência, ao sentimento do dever cumprido.” (p.216-217)

Um tanto pessimista pode ser, mas um tanto verdade escrita e saborosa de 1847. Reflexões lúcidas, não festivas. A vida é todos os dias tanto quanto nenhum dia. Beijos e abraços, mas tão fortes porque existe, é claro, a ausência, o contraponto.

E ainda diz / escreve:

Eis por que é tão fatigante viver. O eterno recomeço é fastidioso até o enfado.

Mas, penso, cá entre nós, este eterno recomeço e estas coisas todas, bem negativas, são iluminadas por uma alegria lá de dentro – plantada – porque viver é maravilhoso – as mágicas são diárias! Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Torres

excesso e incerteza

não sei usar o não vou / não faço / não gosto/ basta e pronto. decisões banais como quero bananas não maçãs / se me oferecem as duas, com ênfase / bá! / fico vermelha, aceito. não é timidez, como me disse um amigo, mas dúvidas mesmo. viver por inteiro o amor, a raiva, discutir o sim ou não, tomar posição… resolver. não consigo, vou pegando um atalho, escondo o braço, depois corro, e não enfrento. e se alguém sugere ou quer ajudar, debater, lá vou eu na corrida, de frente, raras vezes uma resposta. o sim dos casamentos… foram ditos, mas depois, o resolução / a saída, foi correr, não resolver. a decisão de sair correndo… (bom, de certo, esta basta) bem, pode ser positivo, sei lá… deve ser assustador conviver com uma pessoa como eu, tão bom escutar as certezas do outro…decisões que ‘chegaram’ do nada, se fizeram sozinhas… mas chegar a um acordo, por que tão difícil. credo! sou assim? transparente, não tenho imagem. medo de vencer, e medo da derrota. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2024 – Torres

banalidades idades banais

A vida ensina com fatos / com empurrões e beijos… Expectativas nos alegram… decepções estão acontecem dentro: golpes internos. Tentamos justificar e ou distanciar da coerência ou abraçar. Que exaustão!

Afeto e indiferença estão no picadeiro. Este circo conhecemos… Que canseira! Escrever e ler acontece fácil saber. Usar o S ou o C ou SC ou SS ou Ç ou ou ou… Difícil! Tudo mora nos detalhes, pois é. Pensar também se encolhe, estica ou se espreguiça, nos detalhes! Amigos e amados amores. Depois chegam os filhos e os netos e os bisnetos… A família se estica! Aquela coisa de saber de onde viemos, e, afinal, o fim, o destino… ARTE eterniza? AONDE está a eternidade? A dos sentimentos? A inquietude cresce. Estou a escrever um pouquinho. Lavar a louça, espanar, varrer, cozinhar. Abrir e fechar janelas, tão fácil! Esquisitices e banalidades, a essência. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2024 – Torres dentro do frio e dentro da terça-feira sonolenta.

caminho perdido

o olho que tudo vê transforma, o bloqueio se faz e a doença se desmancha pela terra. cai o avião e tudo o mais conversa com a morte /paralisa, depois tropeça. estas tristezas… o que sempre houve se minimiza porque a vontade de mudar /fazer e ter outra coisa que não eu mesma…uma filosofia ilusão e difusa. esquisito que perder as palavras… perder as palavras, sentir na garganta o esforço. os outros cavalgam dentro das nossas veias, não há repouso. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2024 – Torres

querido

Não sei como te responder quando perguntas do meu dia. O dia me assusta quando chega. Vou espiando, e aceito. Então, faço a tal caminhada curtinha… Passo o café – a hora do café preto com pão e manteiga. Hora de beber água, de pensar o dia. E fico a janela. Segue bonito aqui. Ônix também envelhece, envelhece muito e tanto… Penso no teu abraço, no teu olhar derramado. Teu jeito quieto. Lembras o quanto eu era agitada: falava atropelando. Um rádio apressado a despejar notícias. Com os olhos, rias de mim.

Hoje me dei conta do quanto sou dispersiva. Começo mil coisas ao mesmo tempo. Agora, vez que outra, esqueço de descascar o alho e já estou cortando a cebola… Depois pego o as borras de café pro jardim, e vou molhar os canteiros. Sento. Lembro do feijão. Do que pretendia dizer para a irmã. E me repreendo porque não arrumei a cama… Coloco roupas na máquina de levar…

Sento para te escrever. Estar contigo importa mais do que qualquer coisa. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2024 – Torres