onda

onda e mar e onda e areia e sal e perfume de colônia e e e e e e, muitos enganchados, perdidos. boas e ruins as ondas desta memória. hoje, literalmente, sonhei com meu pai e minha mãe. ela sorria e feliz, feliz – eu surpresa, emocionada. eles tinham vindo me buscar. ela estava muito tão sorridente! pensei a vida com surpresas, e tantas! pinga felicidade: gotas de estar com os seus / entre os seus. sentido desta / nesta vida: elos, correntes. sonhos, fatias de realidade. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres

arrastar o erro

Errar ok, a gente erra, e depois? Há conserto ou novo caminho, ou falar no assunto, enterrar… Coisa mais complicada esta coisas de viver. E tomar consciência – saber dos cantos dos tantos mundos… São tantos possíveis! Tudo ao mesmo tempo… E saber dos sentimentos também. A tal possibilidade de discutir as inquietações, arrancar as dúvidas, confessar. E depois? Oxalá os muros se levantem! Tanta confusão! E deixamos de ser pessoas, logo números. Preenchemos exigências! Que saudade do tempo de ser menina sem exigências. Brincar no jardim. Depois ter aquela mãe e aquele pai -, abençoada eu fui. Nasci livre. Pés descalços, risadas e lágrimas soluçadas sem problema. Soluçadas. Era eu sem alma, sem culpa, ou apenas um pecado vivo e livre? Esta coisa de culpa caminhava, mas logo se perdia entre as margaridas, no gramado, ou na calçada. Sempre as frestas da luz eram boas direções. Uns conseguem, outros não. Coisa de sinfonia, da música deste abraço de sons poderosos… Escutar e entender a música, como a gente entende o silêncio. Conversar virou esgrimar. Difícil! Haja maestria e destreza. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres

Depois que a gente envelhece deixamos o coração envelhecer, não para tudo… A gente fica seletivo, deve ser isso. E como!

às vezes quero

às vezes quero perguntar a minha mãe: o que devo fazer? como fazer? será que o melhor seria mesmo não dizer nada? o amor atrapalha ou ajuda nas decisões? como é mesmo esta coisa de viver e escolher e decidir? quando foi que eu apreendi? quando foi que deixei de ter dúvidas? quando foi fácil? por que ainda sinto a incerteza forte e a dúvida?

decisões impostas pesam menos, muito menos. entrar ou invadir? ouvir / escutar paciente. por que tanta inquietude? o calor invadiu a alma e senti o corpo gelado. sacudidas de amor… deve ser isso. o amor aos trancos. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres com piscina e sol, aonde o mar?

encarapitada no amanhecer

amanhece a gritaria da festa… são eles! conversam e gritam e se agitam em revoadas, quanta alegria! e as calçadas se movimentam… as carroças cheias de balangandãs! e o exercício matutino, colorido: férias!

este movimento tem cheiro de mar, alegria picotada como confete. ah! o gosto adocicado das férias! Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres

perdi / desapareceu

se eu perdi, foi porque o encontrei.. e se desapareceu / e se foi… foi, de certo com certeza porque existiu… ao alcance da minha mão. perto. tão perto! você aqui. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres espera por você

s tantossssss

a letra dá voltas e chega na saudade. a saudade ela mesma não se explica, volteia, retoma, desaparece. surge naquela curva e se surpreende: as hortênsias azuis, e as outras pintadas e rosadas. uma flor folhada… eu só queria dizer / escrever da saudade. picada, ardida, tão diferente… e tão sem explicação! puro sentimento elaborado: temperado de tanta vida! pois é… pois é, pois é! não sei explicar. não é pertencer, não é estar porque se fez assim ou daquele jeito, de repente, ouso dizer, não é / foi sequer uma escolha, mas amor. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres

Foto: Pedro Moog

fendas, botões e zíperes

… tesoura, linha e linho para o verão. Obrigada meu amigo. Estás a repartir o tempo entre estar / estar e estar sempre comigo. Respiro. Vou afofar a terra e semear / deve chover neste verão… Sinto tua falta. Um beijo. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres

HISHAM MATAR

Nascido em 1970, em Nova York, de pais líbios. Viveu em Trípoli e depois no Cairo antes de se mudar para Londres. Com O Retorno venceu o prêmio Pulitzer (tradução Odorico Leal) EditoraÂyiné / 2022 / Hisham Matar 2016

(p.57) O país que separa pais e filhos desorientou muitos viajantes. É fácil se perder aqui. Telêmaco, Edgar, Hamlet e inúmeros outros filhos, seus dramas particulares demoram-se nas horas silenciosas, navegaram tão longamente para a distância incerta entre passado e presente que parecem flutuar à deriva. São homens, como todos os homens, que vieram ao mundo por meio de outro homem, um fiador que, com sorte, abre o porão da forma mais gentil, talvez com um sorriso reconfortante e um tapinha encorajador no ombro. E os pais devem saber, tendo sido filhos, que a presença fantasmagórica de sua mão permanecerá ao longo dos anos, até o fim dos tempos, e não importa que peso seja posto sobre aquele ombro ou o número de beijos que uma amante plante ali, talvez levada deliberadamente pelo desejo secreto de extinguir o domínio do outro, o ombro permanecerá eternamente fiel, lembrando a mão do bom homem que o acolheu no mundo. Ser homem é ser parte dessa cadeia de gratidão e memória, de culpa e esquecimento, de entrega e rebeldia, até que o olhar de um filho se torne tão ferido e agudo que, contemplando o passado, ele já não veja nada além de sombras. A cada dia que passa o pai viaja mais para dentro de sua própria noite, aprofunda-se na neblina, deixando para trás vestígios de si e o fato monumental, embora óbvio, a um só tempo frustrante e piedoso – pois como o filho continuaria vivendo se também não esquecesse – que, não importa o quanto se tente, nunca podemos conhecer nossos pais por completo.” (p.57-58)

Não é uma novidade, também não é o ponto, talvez a reticência entre passado e presente – a reflexão de como e por que tanto e tanto se escreveu / descreveu sobre desesperos / amor / expectativas e frustações que nos arrastam como filhos. Estamos sempre / continuamente atrás da semente, procurando a essência deste motivo _ estamos vivos… Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2025 – Torres – outra vez mergulhada na leitura.