autobiográfico

O correr texto / escrever ao longo do dia / este registro chamado diário, o Eu dentro do Eu: autobiográfico parece (ou é mesmo) um preguiçoso escrever. Contemporâneo / atual, virou moda, recurso bom. Escrever, afinal, é tarefa /coisa difícil, trabalho. Pintar, mais ainda, esculpir muito difícil mesmo. O fazer, a culinária, trabalhar… Trabalhar. Penso sobre o recurso autobiográfico… É pensar em voz alta este falar do eu para dizer… Estou camuflada. Conversar é duro, difícil: inclui o escutar e o pensar, compartilhar. Conviver. Esgrimar. Há um Eu escondido na literatura no teatro, no ensaio, no romance, na poesia, mas quando se manifesta o eu, nestes gêneros literários, são exigências de um eu camuflado. A autobiografia é preguiçosa, disfarçada em literatura d’ água, da correria. Da passagem. Enrolada nela mesma… Quem escreve assim descuidado, preguiçoso ensaia, faz tentativa, não avança. Sou eu escrevendo. Cartas são honestas, limpas, rápidas… Contudo, esquecidas, não escrevo mais cartas: não existem envelopes. Ou existem? Bem! A pensar… Se sou eu mesma atrás das palavras / não viajo, sou. Assim, acabo absolvida na ladainha de querer escrever / ler e não fazer. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres (ainda tão quente)

eterno do tempo

Domingo (já outono, aquele clima amor e abraço)

Sensação do imperativo. Hoje. Sempre sensação do eterno. Não temporada de vida. Se purgatório, céu ou inferno… Sei lá, sempre um gosto de para sempre.

A memória / ou o que chamo de lembrança se esconde num canto alegre e permanente – o meu equilíbrio de voltar… Quero morar outra vez naquele bairro, aquela casa, aquele apartamento de aconchego. Retomar. Estar outra vez a perseguir o mesmo sonho. Assim, seguido, quero estar outra vez no mesmo sonho. Naquele lugar do tão bom, tão perfeito, tão nosso, tão meu… Paradoxo, não me dou conta que este hoje, este agora, o café com leite, ou a torrada. A preguiça desenhada nas voltas que dou no travesseiro, sem vontade de levantar, vão ter também gosto de eterno, de muito, já no próximo ano, ou na próxima saudade. De passado que poderia ser, quem sabe já uma volta… Voltar pra que eu possa ter dito isso, ou aquilo, festejado aquilo outro. Mais atenta. Mais agora.

Dentro desta reflexão fecho a porta do ateliê para conversar com cores, pincéis. A minha ordem, Terebentina e paleta, remexo nas telas inacabadas, continuo o desenho daquela boca entreaberta… Quero captar o olhar e o cheiro do campo naquela floração ligeira do outono que se transforma em frutas:  laranjas, peras, uvas ou manga e carambola. O que eu quero pintar? Nunca sei, mas já faço e esqueço o tempo. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres (hoje aniversário do Paulo / um beijo e um carinho)

taxa crescente

Na escrita não se pode falar de confiança, antes da honradez do engano.

As taxas crescentes dos juros são, para uns, um custo, para outros, uma renda. Na escrita eles se tornam os dois, quanto mais eu me aprofundo no texto.

Acho que os objetos não conhecem seu material, os gestos não conhecem seus sentimentos e as palavras não conhecem a boca que fala. Mas para nos certificarmos da nossa própria existência, precisamos dos objetos, dos gestos e das palavras. De quanto mais palavras pudermos nos servir, mais livres seremos. Quando a boca nos é proibida, procuramos nos afirmar por meio dos gestos, até dos objetos. São mais difíceis de ser interpretados, permanecem insuspeitos, permanecem insuspeitos durante algum tempo. Podem nos ajudar a transformar uma humilhação em algo digno, que permanece insuspeito durante um tempo. (p.19-20) Herta Müller- Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio

pipoca

Pipoca voadora… Faço analogia com falas que voam e saltitam! Desalinhado encontro apressado! Criança saltita, pula, fala enquanto corre, e se comunica na alegria eufórica: todo encontro festa! Alegria agitada, a correria de calçada… Eu já me surpreendo com a minha lentidão para pensar, expressar e sentir. Ah! Pois é assim o tempo: percepção dos saltos, das pipocas desgovernadas… Supresa! Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres

verdades de amor são meias verdades?

meu querido:

vida vivida: meia verdade, meia mentida, um pouco de sonho, um pedacinho de ilusão. uma pipa / pandorga colorida com todas as cores possíveis da minha caixa de guardado. e no /ao vento voa alto… resolvo entre palavras, entre escritas, e nas fotografias recorto o tempo.

ah! se viesses me ver! para sentar perto, um pouco perto / para que eu pudesse ser eu com o tempo colocado assim no meu rosto, e a vergonha de ser eu fosse, pouco a pouco desaparecendo para sermos nós, tu eu sem medo. enfrentando esta coisa apertada do tempo… na música a nota certa! como te penso e te desejo! Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres

tulipas tulipas tulipa

Elas as flores: tulipas e a vida, a casa limpa e tua voz a sussurrar. Palavras jorram e se espalham pela casa e pelo meu sono. Sono de uma noite de tanto abrir os olhos, escutar a rua… Agitação de uma festa de falar falar falar… Som e música. Não. Apenas ponderar. Perorar e sapatear sobre ideias sonambulas e inquietas. Sou eu a viver. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres

Luiza tão longe! Mas perto, sempre presas, nós duas, nas conversas deste longe pernambucano.

quinze linhas por dia

  1. Quando eu te conheci estava emocionada pelo momento urgente/triste arrasta do coma perda: um amigo se despedia / falávamos emocionados, com cuidado. Eu não resisti aos teus arregalados olhos claros e a tua magreza, nem a tua fala cheia de feitiço. Estellita esperou, deu tempo para conversar… Eras o herói do dia, com uma enorme matéria na Zero Hora a teu respeito. Eu voltaria para Torres no dia seguinte. A universidade me permitia ausência de dois dias. A vida estava estruturada com trabalho e alegria. Projetos estavam sendo realizados.
  2. Ficamos atordoados. Exaustos. E nós nos olhamos. E tu procuravas uma casa em Torres. Seria? Sei lá – foi a conversa e a troca de telefones. Guardei aquele micro / mínimo papel – letra pequena / pequena, mínima.
  3. Coisas de rede. De hora certa no momento certo. Já contei mil vezes esta história, eu e minhas estórias com olhos azuis. E também castanhos. Seriam verdes? Nos olhos / pelos olhos derramo o mel / o fel. Depois nas letras, nas cartas, neste frenético escrever. Que saudade sinto do amor amado, rimado. Contido e represado. Depois cachoeira e corrente: rio leva na corrente, afoga. Não lembro do que foi ruim, talvez o meu ciúmes, tu não tinhas nenhum / eu era tão eu / tão apressada de tanto trabalho de tanto falar, falar. E te escutar. Por que escrevo estas coisas? Por que eu volto. Ainda estás aí perto / agora não mais Buenos Aires. O Décio foi embora, o Iberê se foi. Memória do Esquecimento sucesso. As colunas no Estadão de São Paulo / Zero Hora / mas tínhamos lados diferentes / eu era desligada, ignorante, alienada / nenhuma militância. Nossos pensares não se misturavam, ideias e atitudes diferentes / eu simbolizava o oposto dos princípios, tu atravessavas com desenvoltura a biblioteca do meu pai e da minha mãe. Verdade, meu querido amigo, embora fosse Lajeado, e eu Porto Alegre / o Rio de Janeiro nos fez de carne e osso, homem e mulher. E o amor foi para Búzios depois Torres. Eu quero te ver.
  4. As linhas não se completam. A memória ela mesma se agita e se mistura toda nas barras dos meus lençóis. Ah! Estas camas perfumadas. O cheiro do amor e da saudade presa num minuto. Não, não podemos agarrar e reter tudo. Há sempre um oxalá atrás do suspiro… E com o tempo escorregando apressado morro abaixo. Subir um desafio, descer assusta, mas a expectativa de voltar ou chegar anima. Divagações! Elizabeth M. B. Mattos – 2025

Fotos do Pedro Moog

percepção: coisas de Huxley

Percepção: coisas ditas por Huxley: “Todos os ruídos haviam desaparecido. A escuridão era completa, mas no vazio e no silêncio, ainda perdurava um certo conhecimento, uma vaga percepção.

Percepção não de nome ou pessoa, não do presente, nem lembranças do passado, nem mesmo deste ou daquele lugar, pois não havia lugares. Havia apenas uma existência cuja dimensão única era saber que não pertencia a ninguém, que não possuía nada e que era solitária” (p.138) Aldous Huxley O tempo deve parar

Li / sublinhei, voltei e reli tudo outra vez. Avancei na leitura e me surpreendi… Acho que ainda acontece seguido isso de me surpreender e navegar… Surpreender com pessoas, textos e com a vida. Estamos assim, superlotados, surpreendidos, carregados de exclamações e interrogações. Viver tem encanto de amor, se renova nos teus beijos, teus abraços, e teu envolvimento. Com o teu objetivo, tuas risadas. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres

eu digo bobagens

Eu não sei dizer o que pode, poderia, realmente, ajudar. No meio da dor, atordoada pelo medo, quero estender o braço, o socorro. O que faço? Com voz de fantasma repito coisas bizarras: beba um copo de leite, a maçã é uma boa fruta. Agarra um livro. Mesmo que não entendas bem, mesmo sendo aborrecido, segue lendo… Depois anota. Abre aquele caderno, com um lápis  / feito desenho escreve. Se nada original ocorre, descreve…., se não te ocorre ainda nada, escreve teu nome. Conta do almoço, do banho quente, ou gelado. Descreve a árvore que vês pela tua janela. Alinha o pensamento ao cotidiano. Deves ter comido tomates, feito um macarrão, cozinhado dois ovos. Ou uvas, ou pêssegos. Milho, quantas espigas de milho tinham ali na cozinha? E nada me ocorre. O que eu falo? Estamos juntos, tardes inteiras a rir bobagens, mas não consigo desenvolver a ideia. Tenho ideias? Ou eu mesma me agarrei na vida porque respirar era / é bom? Tenho dúvidas. Por que este meu otimismo pequeno é couraça? Um jogo do contente de M. Deli ou das Vacas Voadoras de Edy Lima. Em sala de aula eu atuava cheia de vigor. Anotava, e me proponha a explicar, ou eram os alunos que se propunham a ouvir e fazer. Era uma energia emprestada? Eu repito sempre as mesmas coisas. Coisas de beijo, de abraço, de carinho, de representação. Odor. Eu persigo o cheiro da luz, do brilho, da alegria, da risada cantante. Afinal, não faço nada. Sequer escrevo. Eu sonho. Como posso solucionar o problema dizendo: tudo vai ficar melhor, perfeito, sonhe meu querido, deseje forte e a vida se abrirá… Estou mentindo? Não. Eu sinto assim, a vida se abrirá… Elizabeth M. B. Mattos – março de 2025 – Torres