e…

…e toda a tensão chegou sorrateira, invasiva. estes sentimentos esquisitos entram e se acomodam como se fossem donos da sala, e vão para o quarto, se esparramam na minha cama, ocupam todos os travesseiros. vou para o chuveiro, deixo a água correr, correr e… outra vez, sinto saudade da banheira. ficar quieta na água. não, eu não tenho piscina, nem terra para cavar, o canteiro de margaridas, eu imagino. imagino as singelas flores sacudidas por boa brisa enquanto conversam… rosas e margaridas, talvez as hortênsias estejam floridas. não sei mais o que escrever, nem o que pensar. consegui desligar, desconfigurar os meus programas na televisão… só aulas de culinária, mas não gosto mais de fazer, talvez precisasse caminhar. sim, vou caminhar um pouco e esperar. esperar o tempo passar. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres

ANAÏS NIN (journal 1)

Jamais je n’ai vu aussi nettement que ce soir que tenir mon journal est un vice. Je suis rentrée chez moi épuisé par de magninifiques discussions avec Henry au café; j’étais euphorique en entrant dans ma chambre, jái tiré les rideaux, jeté une bûche sous le feu, allume une cigarette, tiré le journal de sa dernière cachette sous ma coiffeuse, j’ai jeté sur l’ édredon de soi ivoire, et me suis préparé de mettre au lit. J’avais le sentiment que c’est ainsi qu’un fumeur d’opium se prépare pour sa pipe d’opium. Car c’est le momento où je revis ma vie en termes de rêves, de mythe, comme une histoire sans fin. (p.138) Anaïs Nin (1931-1934) Journal 1

tempo físico e tempo interior

sinto com maior ou menor clareza esta mudança: quando criança um dia enorme! dormir/ deitar antes do sono um desperdício… agora, pois é, agora os dias estão, assustadoramente, lentos. eu os queria apressados, alegres. os dias me parecem punitivos. eu alegre.

o rio apressado, o dia preguiçoso, ansiedade. sou a medida, relaciono. os problemas sociais não são exatamente solucionáveis… o estudo de grandes problemas econômicos, sociais, raciais repousa em indivíduos. e, no tempo encolhido de cada um. o mundo respira. a duração do indivíduo, uma unidade defeituosa. família, o efêmero / quase circunstancial! vejo os casais apressados…

penso: ócio é mais perigoso para os velhos do que para os jovens… este nada / pensar nada / rodopiar moderno assusta em todas as idades e a vaidade corrida, exagerada! queria ligar o tempo, colocar na eletricidade / energia / conseguir alterar tudo. O esforço muscular não foi de todo eliminado da vida moderna, mas tornou-se menos frequente, quieto. Aonde estão os jardins? Os canteiros, os pés descalços? Os vizinhos? Os corredores… Elizabeth M. B. Mattos –

mundano cinismo

Um cenário… Calçadas, o espetáculo, o palco. Eu me desloco, feliz. Ou infeliz. Não sei. Caminho nas pontas dos pés, sinto os músculos. Depois, muito depois respiro (risos). Respirar não é tão evidente assim… Quero limpar o dia com este sol tímido, talvez a chuva volte e faça tudo por mim. Ando ocupada… Procuro um novo autor, um novo livro, um novo atalho. O novo. Escuto a passarinhada, tão desocupados! Tão alegres! Ontem faltou luz aqui em casa. Eu me acomodei satisfeita no escuro. Desliguei o mundo e fui deitar no perfume da cama, quieta. Durou pouco, súbito, o abajur se iluminou… Os sinais e as vozes voltaram… Levantei e resolvi escrever três parágrafos. Todos os dias investigo ideias. Procuro motivos. Estou agarrada numa moleza crônica. Por quê? As respostas não chegam… Estou sendo taxada, deve ser isso. Estou votando errado, ou escolhi dançar e a hora era de ser estátua. Começo a falar holandês. É isso. Estou desnorteada. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres

mentirinha verdadeira

Aquela explicação comprida justifica, eu dei: fui ao parque ver pessoas, até ao mar constatar as cores. Na casa daquela amiga, saiu para escutar músicas. Andei pela cidade me fui a comprar coisas, investigar vitrines, comer bolo, beber um café e deixar a chuva cair nos /a aos meus pés. Depois faltou luz, uns poucos minutos meio a longos. Vi um filme espanhol. Depois, viciada que sou, uma enfiada / rodada de jornais para saber: subiram, desceram as taxas, e o tal jovenzinho da câmara foi dar um volta, ou duas, atrapalhado está pra poder explicar anistia. anistia? Fez tantos acertos que agora se esquiva… As buganvílias começam a florir, e eu sinto saudade da ônix, ainda. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres

só eu fiquei: isso é pouco

continuo a adiar tudo para amanhã e fico a minguar, incerta, no entanto, sigo a ver o futuro como se tudo estivesse por começar, começar. o tempo das risadas floresce… tambores! escuto os tambores!

o último prazo

chego no ponto exato, e não me lembro / invento: coisa de palavra, história repetida, não exatamente, mas o detalhe… a criança lembra, exige, mas agora, agora já posso alterar.

esqueço a longa viagem, o texto das mensagens… eu te esqueço.

ah! coisas de amar! agarro o amor, embalo. Elizabeth M. B. Mattos

às vezes

sim, pode acontecer de você se sentir solitário, triste e tão triste! naquele momento / neste / agora / nada importa: nem o sorriso, nem a lágrima e muito menos explicação

um abraço, mas o abraço vai me aquecer? não sei.

às vezes respirar é tão difícil! Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025

pressa em contar/dizer o fim

7 de abril de 2025 – segunda-feira chuvosa / vento, e finalmente, o frio do outono se aproxima, cinzento o dia. Escuto a chuva batendo nas calçadas e os carros levantam a água nas ruas. A limpeza do ar, e, se renova a Lagoa do Violão: jardins se alimentem…  As macarronadas voltam a fazer sentido. Suculentas e quentes. Deixei de escrever. Os dias puxam um fio distraindo de horas vazias, sem nenhum entusiasmo. A cadeira aceita estar ocupada o dia inteiro, quieta.

9 de abril de 2025 – quarta-feira

Caminhada necessária! Jesus meu Deus! O exercício se arrasta dentro da preguiça. Bom que as ideias se amontoam interessadas… É preciso escrever, claro! Bocejar não. Aquele sono bom e prolongado terminou. Eu me pergunto: em que momento foi que eu dormia amontoada na cadeira, não me assustava com os ruídos, nem reclamava dos excessos nem da escassez. Era tudo bom e na medida. Não tenho priorizado a palavra, o exercício de quatro frases por dia, sete se possível. Começou uma bateção no apartamento de cima. Obra, obra / ou consertos? Primorosa reconstrução. Alugam: depois gastam o dinheiro refazendo o que os inquilinos destruíram. Eu fico neurastênica. Depois aceito. Gritos ou música, risadas ou conversa sussurrada que eu escuto. Ah! Estas paredes de papelão!

10 de abril de 2025 – quinta-feira – Torres com chuva. Forte. Incoerente. Depois da pancada que encheu a calçada fez da rua um lago, uma luz seca com jeito de dia bonito. Penso: vou caminhar, não. Saio do banho, outra pancada, outra ventania. Inquietude não definida. Recorro a memória saudade da Albertina de um tempo de amor, desconfiança, cartas e cartas, telefonemas e temporada de beijos. Tenho agora tanto tempo sobrando, inútil e rastejante! A saudade miúda volta, aquela do amor fervente, desgovernada alegria que me fez andar nas pontas dos pés e dançar.

Sempre recomeçar. Volto ao tempo de fazer televisão, trabalhar, escrever para a Revista Globo. Acreditar que podia, afinal, escrever. Não é fácil. Medrosa, escafedida com o estudo do inglês -, preguiçosa, – fiz tudo do meu jeito. Investi no francês (risos) o que não resultou em grande coisa. Não finalizei. Este ponto de vencer e encerrar e depois investir na etapa seguinte não é para todos, para poucos. Saber de que barro fomos feitos. Quem eu sou? Importa? Para mim mesma deve importar, com os outros a gente divide, parte, pedaços. E o bolo fica recheado. O bolo. Vou engolindo depressa. Cansando da pressa interrompo tudo. Sento quieta na cadeira. Quando será que vou conseguir fazer o sonho verdade, não ter as costas doendo, nem a vontade esgaçada. Fala tão atropelada?! A pensar. Observo. Sei. Sinto. Na verdade, não me atrevo a dizer. Nem educar, nem contornar. Abstenho-me da verdade. A tal coragem de matar o leão, a formiga. Espicaçar a esperança. Reler. Não mais atravessar as estantes a catar autores. Parece tão mastigado. Reeditado. Desenhar, pintar, colorir, usar os lápis, fotografar, ouvir música. Cozinhar. Cozinhar exige alquimia, inteligência, disposição e tempo. Algumas pessoas não desenvolvem o tempo para administrar panelas. Eu compreendo. Exige um prazer primitivo soterrado, esquecido. E tempo. Tempo. Tempo. Estamos todos na corrida de ‘ganhar tempo’ e ganhar dinheiro, ganhar espaço, ganhar beijos e sorrisos, ganhar. Na cozinha a gente perde tempo. Odores, cheiros e movimento desencadeiam um prazer a ser compartilhado… A invenção dos assados, e do tal churrasco com a conversa em volta do braseiro. TEMPO. Estamos reduzidos a comer nos restaurantes espalhados pela cidade. Os aglomerados e apressados restaurantes do quilo / servir-se pesar e comer com os olhos no relógio / liberando a mesa. Alguns sofisticados demoram mais, e não é hora nem para vinho, nem para bebericar, mas comer e voltar… E não gastar muito. Ah! Como eu me canso sem correr, canso de comparar. E aquele prazer de remexer as panelas desapareceu. Agora são chefs / não existem mais as cozinheiras, nem o tempo / a hora de sentar, aguardar, esperar, rir e comer devagar. Este tempo desapareceu. O domingo talvez possa reunir, o sábado, quem sabe. Mas vamos no estranhamento de ter pressa -, pressa pra sestear, pra dormir de tarde. Para inventar o feriado. Desenhar pula esta memória aborrecida. O desenho e as cores saltam mais festivas. A ideia sai andando faceira empurrando os pincéis e não se explica. A gente faz. Escrever tem aquela repetição, a releitura que desfaz, a preguiça do correto, o bom, da leitura. Do reescrever. Saudade tenho de procurar, desejar ainda, percorrer escadas às pressas, caminhar para chegar lá, e olhar. O mar… Este mar a ir e vir, tão natural! Despeja águas na areia. E eu tão urbana, quero olhar vitrines, esbarrar nas pessoas, voltar ao teatro, ao concerto. Vestir o esvoaçado da vida em movimento. As cidades se movimentam em baixo do azul e da chuva e da noite e do amanhecer. A cidade. Gosto da cidade. Do ônibus, do bonde (que já andei tantas vezes, trilhos certos), dos carros no engarfado trânsito. No sem pressa, agitado tempo de coisas obvias. Sem concorrer, mas ser no sonho sonhado. Crescer devagar. Fazer sem certeza.

Diletante. Distraída eu estou. Queria voltar a ladainha de casar, de ter noivo. Por que eu me casei tão rápido. Os noivados devem ser demorados. Os casamentos, o suficiente, sem bengalas. Mas é tão bom ser dois! Então vamos. Às vezes ficamos / somos logo, três ou quatro. Ou disputamos a sala, a conversa, os amores amados. Nem sempre estamos nos trilhos. Esta coisa de conviver. Viver com tem magias e feitiços. Comunidades. Tendas, acampamentos, aventura. A vida é uma conversa com tempestade: sol chuva ventania, desanimo e festa. Tudo junto.

A pensar meus casamentos. Os dois. Sou do tempo do divórcio. Da separação. De estar junto sem lágrima. Ou de ser independente sem ser. Enrascada pressa. Véu e grinalda. Missa, sonhos rezados. Apressada juventude: decidir. Por quê? Como? Foi assim? Hoje é tão diferente! Tudo espaçado. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres

fotografia ou palavra

não sei escolher / começo pelo aperto que sinto. a gente sente apertos. lágrimas. abençoadas lágrimas escorrem, mas não explicam. abençoadas! tão bom chorar! magnifica dor! Ela se esparra com lágrimas! o silêncio abençoa, é claro, mas o agito das flores, da música e das cores também ecoam. música, batendo, gritando, atordoando meus ouvidos. música no/ao volume alucinado do atordoamento. conversa / grita tudo sobre todos… quero ver a menina bonita, quero estar no centro, quero poder… quero que os olhares e as vozes estejam dentro de mim, um alívio! o circo dos horrores na maravilha alienada do nada. afinal, viver significa começo ou fim. quando vou conseguir plantar as margaridas, regar, acalmar o coração e entender que o quintal pode ser o universo completo, perfeito. não preciso entrar num supersônico para conhecer as geleiras e o deserto, nem escutar os olhares pela altura da música, está no calor do pequeno abraço. na ternura. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – Torres