os afins se encontram… no vácuo deste prazer. leitores se encontram com livros, mundanos se encontram em festas, nos bares / festas e convescotes / intelectuais em noitadas filosóficas, músicos nas canções dos violões, praianos na beira do mar / ao sol. os afins se encontram nas suas afinidades. os amorosos se encontram no carinho, os amantes no sexo, os enfeitiçados no fogo. os endinheirados no luxo, os passeadores nos jardins. e as rodas são feitas. os estudantes nas universidades, as rendeiras mexem com as mãos, as doceiras enchem tabuleiros, os pipoqueiros enriquecem as pipocas. mães cercam os filhos, poetas se debruça, no papel e nas palavras. divertir-se é saber certo quem somos e o que queremos… um jogo bom de viver. Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – Torres
ela nunca me contou exatamente o que aconteceu… eu? eu não perguntei detalhes, nem para ele, muito menos para ela. certas coisas, a vida nos ensina no silêncio, aos empurrões… o curioso, ainda conversamos, ela e eu sobre tempos idos, mas ela nunca deixa de mencioná-lo com desprezo, ou inquietação raivosa. eu me surpreendo. já se passaram tantos e tantos anos? a esquisitice me surpreende. os anos / estes tantos que vivemos, mais do que meu pai e do que minha mãe, minha tia Joana…pois é, estes anos atravessam a alma e me fazem mais forte, eu quase esqueço… luzes, os filhos, os netos, e me sinto tão viva! eu ainda rezo. abro a porta e, quando vens me ver, sei bem do teu carinho, da tua saudade querido. obrigada. será que as intrigas interessam? sei lá… Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – Torres
…porque me gosto nesta foto que Joana Moog fez qdo fui visitar o primo Cláudio Bohrer e estávamos todos juntos no Rio de Janeiro
Falavam português misturando com árabe, francês e espanhol, e dessa algaravia surgiam histórias que se cruzavam, vidas em trânsito, um vaivém de vozes que contavam um pouco de tudo: um naufrágio, a febre negra num povoado do rio Purus, uma trapaça, um incesto, lembranças remotas e o mais recente: uma dor ainda viva, uma paixão ainda acesa, a perda coberta de luto, a esperança de que os caloteiros saldassem as dívidas. Comiam, bebiam, fumavam, e as vozes prolongavam o ritual, a sesta. (p.48) Milton Hatoum, Dois Irmãos
Bom e precioso escritor. Dor acesa, paixão viva, coisas de escutar o eu, e transbordar na sintaxe. Escrever pode ser juntar letras. Pode ser, mas não é (pensar importa mais). Cito porque escrever me apunhala com a dificuldade – eu, vou a tentar, desanimo, persigo não chego. Agarro os pincéis , escolho as tintas, risco o papel e começo a desenhar… Antes, preparar o papel, mas, antes de preparar o papel escolher a boa qualidade. Depois a cor. Aguada, terebentina, esforço, ou o acrílico. A técnica, não basta. O bonito, não basta, o bom também não basta. Afinal, o que é trabalhar? Produzir? Suponho que seja continuar… Continuar. Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – Torres
foto de Ana Moog
(janela pro mar / janela pra lagoa/ janela pra vida)
eu ia contar quantas vezes eu me mudei, quantas eu comecei, quantas recomecei, contei a mesma coisa. casei com o amor amado, com o possível, casei às pressas descasei. rezei bastante. perdi perdão. nunca mais orei, mas estou a rezar o tempo todo. percorri quadras e quadras antes de chegar no lugar certo, e abri a porto do incerto. eu me assustei tantas vezes, eu festejei um milhão de vezes… coisas da vida! viver (começo outra vez, ou é recomeçar?)
Pedras se movimentam e a vida rola… Este movimento vai desenha o tempo / fotografo objetos e sinto o perfume / odor das coisas, do mundo… será assim? Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – Torres
fronteira e encontro, cercas: convivência entre países / respeito ao limite. conquista. pessoas espiam, espreitam: amam e depois menosprezam… no sorriso uma lágrima de prazer, coisas de amar.
conhecer os animais / sinto saudade da ÔNIX e repasso o que ela me ensinou / eu me sujeitava? ou apreendi a escuta da atenção… tão complicado… não sei definir, sinto saudade. Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – Torres
não parece possível existir guerra / desrespeito, ganância, e logo o beijo / deve ser o perdão – será tudo isso oração?
juntei os seis lápis depois de ter as pontas feitas…e fiz um risco colorido que se curvou e arredondou…brincadeira de criança em folha de papel, reflexo do sol, brincadeira de dia colorido. obrigada, obrigada, obrigada dia! Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2025 – logo, aniversário da minha Joana / dia 9 foi escolhido por mim, magia.
O tempo dentro do filme, no encontro, os desencontros. Fazer o talento andar / tentar mais vezes, todas as vezes possíveis: telas cheias de tinta, depois os azulejos / mosaicos feitos por ele. as letras, e a casa. os móveis, o bom gosto, o talento. Estou a pensar no talento. Estilo e beleza, Geraldo tinha tudo isso. Juntos carregamos a juventude. Soubemos nos recolher / saborear sem pressa o que tínhamos / ficávamos mais tempo no sítio Arapiranga em Carangola (Petrópolis) do que na Viúva Lacerda, Humaitá. Mais tempo dentro de nós mesmos… Rodeados de amigos dele e com os verões em Torres. Das cartas e dos jogos de roda! Da música, e amigos. E os filhos ( os três vieram ) enfeitiçar a vida com ternura e tanto amor. O que fizemos de nós dois? Líamos muito, ele pintava e a música. Tanta música!
Geraldo e eu nos amamos tanto e muito! Por que terminou o casamento? Seguimos perto, verdade, mas o que fizemos de nós dois? Passou tanta vida! Por que pensar agora? Dizia / repetia sempre que me encontrava que minha mãe tinha nos separado / se não fosse ele (isso pode ser verdade? não sei). Geraldo, se estivesses vivo ainda te diria, foi excesso de juventude, foi precariedade de fazer, ou o que hoje dizem tão fácil, foi imaturidade, não minha mãe. E no final, ficamos, tu e eu, cada um com uma vida paralela / próxima. Os filhos nos ajudaram a derrubar barreiras. Os netos nos aproximaram. Filhos nos abraçaram, estreitaram, e uniram. Geraldo!Não deixamos de ser nós dois, nunca.
Eu me abarrotei de sentimentos estranhos, decepções, ou raivas, estranhos sentimentos! Biombos foram sendo levantados / compartimentos de sobrevivência. E te dei mais uma filha, imaginaste uma escolinha / a escola dos sapos brigalhões. E tu te apaixonaste pela minha caçula. Lembro quando encontraste em Santa Cruz do Sul com um balde de morangos colhidos e as mãos enfiadas na horta. Era um pouco do sítio Carangola na casa / e a fazenda, em Rio Pardo éramos nós. mas eu já tinha me casado outra vez… Não éramos nós dois, mas a vida escolhida. Apenas não assistia mais a missa aos domingos como nós dois… Tu também seguiste tua vida. Agora terminou. Tu foste. Eu estou indo devagar meu amigo, amado querido. Elizabeth M. B. Mattos – abril de 2025 – estou em Torres / mas voltarei ao Rio de Janeiro / voltarei… É bom lembrar o quanto fomos felizes e atropelados pela nossa juventude.