no meio do caminho: pedras e risadas e

no meio do caminho eu me apaixonei (risos) coisa engraçada, coisa perigosa e tão bom! escrever pode ser assim, engraçado e perigoso, depois, bem, depois fica tudo absolutamente certo / perfeito / foi dito escrito grafado e ainda se pode apagar, fazer de conta que desapareceu… só fazer de conta porque nada, absolutamente nada desaparece, e aquela coisa de que se transforma, sei lá… fica por ali no ar, na terra, acho eu que não desaparece. as pedras viram pó…as risadas soluços e tanta encrenca! conversar é assim… conversar espalha palavra complica, ajusta. esquisito isso de conversar. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2025 – TORRE ( tá chegando um calorzão )

beleza perigosa

Pensei: um dia a gente deixa de dizer / falar / não escreves, não escrevo, simples assim… Vai desaparecendo o sol, o gosto. Já estás a desafiar outro lado da vida: a sobrevivência. Eu a cantar pela casa, distraída, sem vontade. O som dos novos / velhos tempos se acomodam… Olho no espelho, não me reconheço, mas ainda sou eu, não sou? É a pele. Não, são os olhos. O cabelo? Não sei. O tempo se esparrama também pelo corpo. O sono! Ah! Aqueles prazeres todos do sono, aonde estarão?

“Mes vingt premières années, il y a longtemps que je désirais me les raconter; je n’ai jamais oublié les appels que j’adressais, adolescente, à la femme qui allait me résober en ele, corps et âme: il ne resterait rien de moi, pas même une pincée de cendres; je la conjurais de m’arracher un jour ce néant où ele m’aurait plongée.

Peut-être mês livres n’ont ils été que pour me permettre exaucer cette anciènne prière. À cinquante ans, j’ai jugé que le moment est vénu: j’ai prêté ma conscience à l’ enfant, à la jeune fille abandonnée au fond du temps perdu, et perdues avec lui. Je les ai fait exister en noir et blanc sur du papier.” (La force de l’âge, ed Gallimard, coll. ‘Follio’,’ Prologue’, p.11. Simone de Beauvoir)

Nesta lembrança picadas de esquecimentos, o desejo de contar/dizer o que de fato restou ou fez sentido, ou se destacou. Vida arrastada ou atropelada (estupidamente simultâneo) penso estás viva . Preciso seguir, fazer, e tecer o tear… Fazer a manta, costurar as bordas e te aquecer. Será isso escrever memórias lembradas? Caos: respirar, espirrar, doer e dançar, sou eu? Publicado o que disse/ escrevi, não sei. Repito o sentimento, canso. Repito o texto. Penso. Transbordo. Ou pensei? Foi tua carta disposta que me deixou assim reticente, desfocada? Desviei o sentimento para beleza, a urgência do limpo / belo / composto. A certeza / a importância do belo. Tanta gente descansada em cima dela, a beleza… Também tu estás? Vaidade e beleza. Se persegue a beleza como solução / prazer / estabilidade / alegria e felicidade, mas ELA é uma ponta incerta e perigosa, aquela armadilha de todos os dias, de sempre. Um fardo pesado, inútil e também perigoso. Útil, mas perigoso porque estimula a tal aparência. Estante de livros não são livros lidos. Ah! Estou mal humorada, a tal chatice de ser gente, embrulhada no faz de conta de ser feliz / mas a gente é ilha mesmo, atrás, procurando um arquipélago. E só se sente feliz no outro, aos olhos do outro, pelo abraço do outro, atenção do outro, cuidado do outro. Somos felizes pendurados no outro… Cansa a vida, cansa o outro, cansa a beleza, por que é mesmo que empurro a máquina? Não sei. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2025 – Torres

verdade verde, depois madura

coisas do tempo amor amor e tanto amor!

Às vezes, acho que nunca mais conversaremos, ou nos veremos. Faço força, remexo a vida, procuro. Volto no tempo. Depois, eu te aguardo. Espero. E depois esqueço. Será apenas o hábito? Esta coisa volta mesmo esquisita, a insegurança. Tudo volta nada volta, porque já é outra coisa. Mas volta esta vontade de te chamar na madrugada, comprar presentes, mandar flores, preparar jantares. Festejar, escrever, e escrever, todos os dias. Cartas, telegramas, bilhetes, enfim, mimar a nós dois. Estar feliz, acreditar, rir sem medo. Recomeçar. Sim, tenho vontade de fazer tudo outra vez. Acredito que tu me tomarás pela mão, e dirás querida, vou cuidar de ti.  Ou sou eu que devo cuidar de nós dois? Como num velho filme vou revendo o que já fomos. Então, eu me conto histórias de amor, e acredito nelas todas. Por que eu não aceito a vida como ela é, ou as coisas como elas são? Sinto saudade do teu entusiasmo, e sinto saudade da primeira vez, da segunda vez quando nos encontramos no café. Do presente escondido na mala do carro. Quando pegaste na minha mão. Do dia que demos uma carona, cunhado e irmã. No dia que foste ver o meu neto. E jantamos japonês. Das idas para Torres. Dos beijos telefônicos. Da vontade de misturar os fazeres. Do dia que me deixaste dormindo numa manhã de preguiça. Dos telefones desconectados. Do que nos prometemos. Sinto saudade da paixão. Das carnes na churrasqueira. Dos vinhos. Do filme que assistimos no sofá. Dos discos que nunca escutamos. Das músicas que não dançamos. Da ida pra São José dos Ausentes que sonhei sem nunca te convencer a sonhar. Das pitangas, e do mar que me faz lembrar de ti. De todos os jogos de futebol que não assistimos. Das caminhadas por Porto Alegre. Tenho saudade das tuas risadas, do teu cheiro, dos beijos roubados. Das minhas loucas fugidas para te ver, e correr de uma galeria para outra. Das meninas, das conversas sobre nós dois, eu a me queixar, e tu a consolar. De um almoço com os filhos. Das idas e vindas. Da nossa juventude com música, e velocidade. Das fotos que te mandei, da cópia da chave. Dos presentes que inventava. Da surpresa. Da raiva quando eu me sentia roubada na fresta do teu tempo. Na vontade que sempre tive de morar contigo, e ser marido e mulher todos os dias. Dos acertos e desencontros. Da minha incoerência no amor. Que saudade eu tenho da tua cama, das roupas espalhadas, da tua pressa. Da nossa preguiça. Saudade do meu beijo no teu beijo. Das fantasias. Saudade de te esperar entregue, pronta. Não ter nenhum pudor. Rasgar a vida por nós dois. Vontade de que me chames ao telefone, de hora em hora, a surpreender. Vontade de gritar no amor sufocado do teu beijo. Ter lua, ter chuva. Nenhum sol, e o mar. E, então, só nos dois na praia. Carregar as malas, e ir pro Norte, ou pra Flórida, ou pra Paris no verão.  JAK e Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2016 – Porto Alegre

seleção ler com atenção se

selecionar / fazer acontecer / o movimento: não é o dia que passa de tarde, para manhã e depois, que sabe anoitece dia outra vez. não é o jogo, mas olhar de frente / cortar a vida… fatiar / escolher. pois é mover / remover, tão difícil! escolher no escuro porque já se sabe… aquele texto importa, mas foi o outro, o mais aplaudido. o movimento sob o velado. do que certamente / justamente não é amor chorado nem resolvido, mas a criança, o broto, o grito. selecionar é difícil! Elizabeth M. B. Mattos / tudo importa, mas assim mesmo, apenas detalhe, uma seleção.

aterrorizar

cuidado, atenção, proteção! emoção terroriza… de onde vem o amor chega o medo. susto ou pânico surge como amparo, salvação da reivindicação. depois paralisa. estranha corrente do amor… o exercício do sentimento tece a tirania: rede emocional. banal dizer isso, parece óbvio, mas / assim mesmo, na evidência do dito a duvida / heróis / mitos, intelectuais e poetas… todos agem coagidos por forças internas? não sei… o que conheço são os resultados, aliás… empurrados pelo antagônico. no pânico da emoção o susto, a fragilidade. preciso reagir ao evidente. dormir na calma do sono, fecho a porta devagar, sem ruido para não acordar o dia: não posso deixar de ser eu mesma, nunca. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2025 – Torres

P.S. preciso voltar a escrever cartas / conversa de tanto silencio! as respostas chegam, se as cartas são/forem respondidas. chegam mansas dentro do envelope. passam / sofrem a espera. lidas no ímpeto silencioso da vontade, sem dano amparada conversa dentro do que chamo PENSAR.

lavar as janelas

Pensei: um dia a gente deixa de dizer / falar / não escreves, não escrevo, simples assim… vai desaparecendo o sol, o gosto. Já estás a desafiar ouro lado da vida, da sobrevivência, e eu a cantar pela casa, distraída, sem vontade. O som dos novos / velhos tempos se acomodam… Olho no espelho, não me reconheço, mas ainda sou eu, não sou? É a pele. Não, são os olhos. O cabelo? Não sei. O tempo se esparramando também pelo meu corpo. O sono! Ah! Aqueles prazeres todos do sono, aonde estarão? Se os vidros estiverem limpos…verei mais bonito o dia lá fora. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2025 – Torres cinzenta, a lagoa cinzenta, o tempo invernando outra vez.

J. W. Goethe

existe alquimia de afinidades / não define tudo, aliás, não explica nada mas MODIFICA tudo. sendo espontânea galopa na frente… e, o mais curioso, elas (as afinidades) conversam, vibram. o sentido do hoje / do agora se transforma… outro bom e justo sentimento é a saudade / saudade traz de volta o que foi vivido e sentido, acrescido do perfume. a distância boa da certeza que, afinal, existiu… poesia da palavra ao ser pronunciada. te amo / e porque te amo eu te escuto. no silêncio eu ouço. ausência quieta / imóvel. não estar ao te lado nem te escutar é seguir te amando. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2025 – Torres