pedaços de memória, coisas miúdas espalhadas pela casa / silêncio. estórias estranhas na televisão, livros////serão livros ou tentativas? escutei o piano e o violino: canções me arrastaram… desordem, tanta! será amanhã? não. não faz sentido o amolecimento. sinto saudades tuas. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro de 2025 – Torres
eu fico achando que consigo, que dou conta do recado e dos cupins / da roupa, das panelas… e que ainda posso cozinhar, caminhar bastante, ver o mar… eu fico achando…
eu fico achando que tenho quintal, gramado e jardim
” Lembro-me de uma manhã em que eu havia descoberto um casulo numa casca de árvore, no momento em que a borboleta rompia o invólucro e se preparava para sair. Esperei bastante tempo, mas estava demorando demais e eu estava com pressa.
Irritado, curvei-me e comecei a esquentá-lo com meu hálito. Eu o esquentava, impaciente e o milagre começou a acontecer diante de mim. Num ritmo mais rápido que o natural, o invólucro se abriu e a borboleta saiu se arrastando.
Nunca hei de esquecer o horror que senti então – suas asas ainda não estavam abertas e, com todo o seu corpinho que tremia, ela se esforçava por desdobrá-las. Curvado por cima dela eu a ajudava com meu hálito. Em vão. Era necessária uma paciente maturação e o desenrolar das asas devia ser feito, lentamente, ao sol. Agora era tarde demais. Meu sopro obrigava a borboleta a se mostrar toda amarrotada, antes do tempo.
Ela se agitou desesperadamente e alguns segundos depois morreu na palma da minha mão. Aquele cadáver é, eu acho, o peso maior que tenho na consciência, pois hoje entendo bem isso, é um peso mortal forçar as grandes leis. Temos que nos apressar, não ficar impacientes e seguir com confiança o ritmo eterno.” NIKOS KAZANTZAKIS
imagino a borboleta a se apressar…apressar o processo de nascer porque havia uma exigência, aquele calor vindo de não sabia onde / um querer mais forte do que seu poder de nascer e voar. senti um aperto ao ler este texto / as exigências / as pressões conscientes ou não, lúdicas ou sérias, todas elas poderosas, talvez mortais. e a dor do menino diante do acontecido… sim, devemos nos apressar na vida, mas devemos aprender a ler a natureza, a nossa, e ter uma paciência mínima para não cometermos erros fatais, mortais. verdade verdadeira: viver é lento ou pode ser apressado assim como uma exigência mal colocada. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro de 2025 – Torres
“Eu me lembro tanto de tanto ou de tudo que, talvez por isso, tentei esquecer. Quando te amo, este amor enfurecido de beijos e abraços ocupa todo o espaço da memória e, só então, vivo tranquilo e em paz. Sim, minha amada, o que os olhos viram, às vezes, tenho vontade de cegar.
Esquecer? Impossível, pois o que eu vi caiu também sobre mim, e o corpo ou a alma sofridos não podem evitar que a mente esqueça ou que a mente lembre. Sou um demente escravo da mente.
Rima? Rima, sim, e até pode ser uma rima, mas não é uma solução. A única solução é não esquecer.
E por não esquecer te conto, minha amada. Como um grito te conto. Ouve e lê.” (p.13) Flávio Tavares Memórias do Esquecimento Editora Globo 1999 / Porto Alegre
“- Da outra vez, você se salvou, mas agora não vai ter defesa!
Meu medo desapareceu. Senti, apenas, aquela profunda tristeza das despedidas. Pensei nos meus filhos e rezei pensando neles. Ou morri pensando neles, enquanto tudo se repetia igualmente à vez anterior: eu caminhei eles dispararam, senti as balas e a morte. Agora, porém, para terminar com a farsa, em vez de discutirem, eles gargalhavam. Em algumas horas, eu fora submetido a dois fuzilamentos simulados.
Simulados? Agora, mais de 20 anos depois, sei que tudo foi uma simulação porque estou vivo, mas, naquela madrugada de 15 de julho de 1977, eu fui executado em terra alheia e morri.” (p.254)
o sentimento não parece bom, muito pelo contrário… vento ventania com chuva: pedras de gelo, mas é primavera, ou verão chegando… uma coisa de ser, de existir estranha / estranho sentimento. conviver: dizer, escutar, fazer refeições entre vozes e suspiros, pressa e delicadeza simulam o demais / trop / assez / beaucoup ou sei lá como dizer. vou arrastar a vitalidade pela casa, vou me entregar. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro de 2025 – Torres
memórias caminham, o bilhete da mãe, a fantasia do tempo, importa o detalhe: folha amarela, a letra dela.. gentilezas soltas. detalhes coloridos, amorosos. pensamento açucarado pelo amor. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro – 2025 – Torres
eu me apaixonei, desabo no encanto de tropeçar neste gostar que me arrebata. não consigo não ser feliz e deixar de ter esperança: eu tenho
beleza, o detalhe, toda alegria espalhada… abro os olhos, vejo / enxergo… agarro a possibilidade: calçadas lavadas, agora, as árvores se sacodem alegres. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro – 2025 – Torres
Johan: O mundo está indo para o inferno e mesmo assim, eu me acho no direito de tratar apenas do meu quintal. Todos os sistemas políticos são corruptos. Fico enjoado só de pensar nos novos evangelistas que andam por aí… Aquele que pode dispor de computadores acaba sempre ganhando a partida. Eu sigo o ponto de vista impopular de achar que tenho todo o direito de tratar dos meus negócios e de não ligar para os dos outros.
Mariane: Eu não penso da mesma maneira como Johan.
Sra. Palm: Ah, sim. Então, como pensa você?
Mariane: Eu acredita na humanidade.
Sra. Palm: O que é que você quer dizer com isso?
Mariane: Se todas as pessoas aprendessem a se preocupar umas com as outras já desde a infância, assim, desse jeito o mundo seria diferente, tenho certeza. ( p. 15) Igmar Bergan Cenas de um casamento Sueco – editora Nórdica – 1974 –
sou atrapalhada, tenho um medo enorme de errar o erro / falar parece assustador, então, eu amontou umas tantas palavras e vou metralhando a outra pessoa / nem respiro. eu me surpreendo quando alguém escuta, estranho… desarrumo para recomeçar a arrumar, abro as gavetas, deixo abertas para fechar no dia seguinte. mato os cupins, eles ainda me seguem / perseguem. então, desanimada, sento na minha poltrona escuto música / danço depois e me alegro. vou para Marte amanhã. Elizabeth M. B. Mattos dezembro de 2025 – Torres
vou povoar para Marte / plantar / colher / ficar jovem, casar e cultivar jasmim… Marte! No foguete de Elon Musk / vou ser útil colonizar: esqueço a política brasileira, novas rodadas… não danço, ou levo música e sonhos e danço. A ver… vou. deve ter um marciano me esperando / ou, te animas, vamos juntos, tu e eu. prometo diversões: chegar, reconhecer, instalar a barraca / ou… água? frio? quente? vamos respirar? (risos) que importa? vamos para MARTE hoje ou amanhã. abriremos os presentes do Natal em Marte. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2025 – Torres