descarrilhado

sensação de desastre / um desmoronamento, uma interrupção e o nada. uma canseira desta viagem interminável e difícil, subir os degraus cansa. atrapalhada com o vento, com toda esta areia e as incertezas. uma irritação pesada. também a sujeira / impressionante como se alastra na vontade… a ordem da desordem. estou cansada. igual te mando um beijo, desastrado, um abraço apertado. aquele carinho que importa. os livros estão desinteressantes… Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

do amor /para o amor / GFPRJAK, sempre amor

de março de 1999 / fragmentos / fatias do bolo recheado com chocolate, nozes, ovos moles e passas e gostosuras como na história de João e Maria. Agora te escrevo sob o impacto de nossas conversas ensolaradas no teu pequeno apartamento. desligavas o telefone da tomada para não chamar… duas gentes sem idade, sem tempo no espaço, em tempo… eu viajava Torres Porto Alegre acelerando / nem barreira nem horário. Eu me surpreendo, busco racionalidade, encontro surpresas e solavancos. Empatia. Nossas necessidades. Abandonamos pesos e mágoas e nos agarramos na alegria de amar o amor. Cuidado!!!! Amor soma, aumenta como fermento age… não magoa, nem na lágrima dói: a mágica do beijo, do abraço e dos olhos fechados: prazer. O outro, se há outro, está esquecido por uma memória que nos faz ser maior e melhor. Não substituímos nada, nunca: ‘ naquilo que tu és insubstituível, tu és insubstituível”. Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

jovens corajosos e guerreiros

histórias mal contadas, enciumadas e trapaceiras… guarda-se na memória sequelada da velhice o que convém… não é a doença problema maior do que a velhice/temos pílulas pros males, bem, pro envelhecer também… a pele de jacaré resiste, grossa, resistente, mas velha…

estou lembrando das perguntas. irmãos? não. eram primos. o pai da minha mãe era irmão da mãe dos três meninos… foco na mais velha, Anita. Formou-se no glorioso colégio São José em São Leopoldo / logo, como professora foi trabalhar /e, ganhavam razoavelmente no magistério / e ela pode comprar uma casa em Guaíba pra Dona Felícia, também professora. os guris: Júlio Clóvis e Telmo meninos ainda. tudo melhorou… dizem que era uma vida alegre. Anita vinha para Porto Alegre, atravessava o rio/lago Guaíba pra lecionar. conheceu o Roberto que morava com a mãe Rita. os ventos tinham mudado, e o pai dele, banqueiro, comerciante / perdeu tudo o portuguesinho. vida complicada: então Anita, não a do Garibaldi, entrou na história. e eles construíram o futuro / minha avó veio morar com eles / nos tempos difíceis e nos abastados: juntos. primos / ditos irmãos foram um para o exercito, outro pra aeronáutica / o mais velho, Júlio, Roberto ajudou / entrou pro SASSE / da Caixa Econômica Federal. E a Felícia foi morar com ele no Menino Deus… Clóvis voou. Telmo casou-se na casa da Vitor Hugo / Anita sempre foi de ajudar / acolher e partilhar… a irmã Joana de Athayde também morava com eles. nossa casa foi sempre festa, gala e farta. Petrópolis / o bairro, cresceu: amigos construíram suas casas e juntos eram uma grande família / pintores, intelectuais se reencontravam em Paris para se atualizarem, fazer cursos / o mundo se alargava. A minha mãe foi… outra vitória de quem não deixa pra ninguém a linha da sua própria história, mas a Ligia, morreu / o acidente do Morro do Chapéu… tudo mudou, as más línguas ferveram… os heróis aguentam… e as histórias fervem enquanto o tempo escreve. Elizabeth M. B. Mattos / novembro de 2025 – Torres – sempre houve TORRES

para meus filhos / o registro… orgulho de ser filha da Anita e do Roberto e dos meus filhos. obrigada. Anita era Roberto / Roberto era Anita / acho que expliquei certo.

pacífica desordem

esta coisa apertada e atrapalhada… esta vontade forte de tudo ordenar… estantes limpas, os livros quietos, ou cantantes, presentes. o silencio das manhãs dentro das tuas palavras amorosas, urgentes, obrigada meu querido. e agora os discos espalhados por todos os lados, ocupando o imaginário, quando o tempo volta na música, nas velhas cirandas. velhas descobertas. presentes. Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

fazer / fotografar ou sentir

não se deve interromper / deixar de olhar ou sentir / ver tão perto! as fotos da Ana estão… pássaros, terra, olhar, o clic. certeza do momento e sem transformar, enxergar! eu? paralisada com o sol deste dia esplendoroso, sinto a limpeza do vento nas folhas faceiras…

preguiçosa eu me espreguiço: passeio de carro com o João: nossa cidade / não mais balneário. ruas, outras. as mesmas casas, tantos edifícios! tanta luz! esta coisa de olhar, ver, enxergar/ momento de domingo. escreves, e eu acordo. não abro os olhos, talvez o resfriado, a gripe ainda me arrasta. o tempo se alonga como dia… uma história, uma invenção… o sono atravessa a sala, passo miúdo e me agarra. vou dormir, vou dormir errado mesmo, vou sonolejar nesta tarde. e pensar nesta coisa boa de respirar e esperar. Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

agora, há o futuro

“Seguramente, porém, tudo está menos triste doque ontem, muito mais leve, muito menos embaraçante, e de repente me parece que entendo o porquê dessa evolução: ontem ainda havia o passado na frente desse homem, empacotando e amordaçando, que o atormentava com seus horrendos ganidos: agora, ao contrário, há o futuro, e eis de qual grande máquina os carregadores trabalhando eram as engrenagens: do futuro, precisamente, do seu futuro. Um futuro que expulsa cada cansaço dos seus olhos escuros, porque contém o retorno à casa depois de trinta e seis anos, a velhice ao lado da irmã que lhe mandava garrafas de Frascati, os fenomenais molhos de tomate preparados com o segredo aprendido na escola de culinária, o acido da viuvez que se dilui na língua da infância (disse doutor: já a reencontrou), e a serena aceitação de todas as outras coisas que virão, assim como virão,

escrever, eu acho…

eu acho que escrever é costurar pequenas memórias, esticar e fazer o tal enredo, cheio de bilhetes, cartas, áudios, fotos com cheiro de passado ou enfeitando, como árvore de Natal planejada, o futuro. Natal! pois é… logo é dezembro, logo o calendário se mexe, mas eu? eu fico enraizada aqui. Gosto da minha casa, meu canta e das buganvílias… estão a enfeitar o terceiro andar cheia de cachos floridos, não podei aquele lado… / mas elas responderam florindo… ah! a jardinagem! Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

coisas q voltam…

meu querido: sei lá por onde / aonde andas…, ou caminhas, ou estacionas. se os aviões voam… estás perdido na ladeira? espreguiças, tomas uma sopa sem sal, ou batatas cozidas? bananas maduras, pedaços de maçã, bebes chá / água, muita água. pois é, quando faço sopa de ervilhas lembro de ti / dos detalhes / não liquidificar, não fazer torradinhas na manteiga / não esquentar demais… depois lembro os legumes / as frutas… e dos biscoitos e bobagens que deixei de comer. das tuas leituras, tua alegria sem risadas, do fax / e das tuas saudades guardadas nas prateiras / teus roteiros, tua vida dentro das malas. agora, hoje, deves estar estacionado, querendo salvar o planeta, eu sei. sem esta loucura das conexões, assim mesmo perdido nelas. protestas. coisas de lembranças, lembranças são saudades picadas / amor de pedaços, porque tu amas, eu amo, amamos outras coisas, outras pessoas…obsessivos? não. encaminhados… Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres

pouquinho

não é muito para recomeçar: uma taça de café, coragem, abrir as janelas e limpar a casa / ordenar devagar. importa dividir o tempo, assumir os espirros e a garganta. voltejar neste novembro / nesta época do ano começava o veraneio em Torres. / vínhamos contando as lagoas, escapando da poeira: carro cheio de mantimentos, cheirando mudança. as férias eram plantadas pro verão/ a boa rotina da vida. o encontro certo com os amigos, os banhos de mar curadores, as caminhadas na areia e a folga das férias / para nós um evento que incluía dançar, jogar cartas, comer pastéis e empadinhas de siri ou camarão, pedir sucos, encontrar sorvetes e ver filmes. Na SAPT cada noite um filme novo, arrastávamos as cadeiras para nos acomodar. E nos daremos as mãos, melhor, os dedos, disfarçados e tímidos. Elizabeth M. B. Mattos – novembro de 2025 – Torres / com saudade e plenitude / a vida espremida nesta memória ardente de te gostar