Cartas seguem como documentos de uma época. Registro. Debaixo de cada palavra mil outras empilhadas. Uma luz, uma mágoa. Uma carta…
Esta é para Neli, mulher do ator Alberto Ruschel – famoso filme, O Cangaceiro.
“Porto Alegre, 23 de abril de 1951.
Minha querida Neli – quero ver se consigo te escrever uma carta a máquina. Há tanta coisa para te contar que a máquina devia ser o meio mais indicado para andar depressa, como gente moderna no trabalho de escrever. Acontece que eu sou ignorante e burra. Nunca me disseram que o barulho que a dita faz tem o encanto igual ao da chuva batendo no portal da casa da gente nos dias de ansiada solidão. A chuva, fecha mais a porta aos intrusos e nos isola da maneira desejada na companhia dos que tem têm verdadeiramente interesse e amizade na gente. A máquina é parecida com a chuva quando se escreve – para uma amiga, não é… Ela vai pinçando, mais devagar ou mais depressa, como o bater do coração doente, no ritmo desigual, as palavras que devem ser ditas e assim desenhando o pensamento, e isolando todos os outros ruídos da atenção. Como sabes, nada, ou quase nada tem saído direito desde que voltei (…) Anita
