


o caminho é respirar, absorver o sorriso da palavra para depois sentir o abraço, mais tarde, emoção fraturada pela pequena e também pela grande dor.
revirar tudo, lentamente, despetalar na lágrima que pinga, pinga, pinga e te cura,
despetalar,
desfolhar, desvendar…
andar, meu querido, arrancar a tristeza estúpida da ausência
constrangimento alheio, estrangeito, imposto. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2023 – Torres
sonhei a libertinagem (banho de liberdade/nenhuma angustia emprestada / nem as minhas / uf! que alívio) e o sonho amoleceu o corpo num alívio completo sem pressão ou sentido, e eu podia apenas ser eu a dormir, virar, acordar, voltar: os travesseiros, todos a me acolherem,e, os espíritos me deixaram eu comigo. a sombra desta amiga, dequele amigo, daquelas crianças, aqueles animais, fora, fora de mim, e a cabeça, finalmente, esvaziada sem exigência, que alívio… ponto zero. não sou nada nem ninguém, eu me entrego. ah! como preciso! não vou acordar, morrer deve ser assim…ir Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2023 Torres
dois caminhos sem volta / não concluem nada. o excesso de vaidade não permite que o melhor avance, escorrega; e a insegura, pois é, a pessoa insegura não consegue empunhar a lança, não luta.
assim, debruçada num passado ingenuo, o alagado do choro, o lamento, embora o motivo, (Xico Stockinger) fosse o bom começo. mas o livro se pedeu… Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2023 – Torres
“Quem eram aquelas criaturas, tão estranhas como eu não vira na Armênia e tão sujas coo não vira em lugar algum? Olhando nos olhos delas, tinha-se a impressão de que não olhavam para nada, que seus olhos estavam mortos, ou então que olhavam para longe, para um lugar que só elas viam e onde, afinal, esperavam ver alguma coisa e não viam coisa alguma. Eram como fantasmas em busca de um milagre para entrar no mundo dos vivos.” (p.65)
Lágrimas na chuva é um livro confessional que emociona e ensina, trazendo à tona retalhos da cena política já quase submersos no turbilão dos acontecimentos que inundaram este começo de século. E traz, sobretudo, a marca do grande narrador: em cada linha, cada imagem, cada episódio, comparece a mão firme deste que é um dos maiores escritores brasileiros em atividade. Os Editores
Lágrimas na chuva UMA AVENTURA NA URSS
“Lágrimas na chuva” – Sergio Faraco – presente do Lima (06-04-2002) – Porto Alegre – Garagem de ARTE
sem conversa em casa com pai e mãe, sem família, sem certidões e contos contados se perde a história se simplifica tanto que nascemos do feijão que brotou no canteira em baixo da janela, quase ao acaso, nenhuma ideologia / nenhuma fantasia nova deve apagar o rastro verdadeiro. complicado pensar que no calor de um ideia nos desfazemos de tudo… tudo que importa se desenha novo. perdemos tios e primas, cidades, lutas e conquistas, algumas fatias desaparecem.
quuero saber / pesquisa, minha filhaLuiza vai coturar o caminho e explicar ALVES DE ATHAYDE
repentinamente ele abriu as asas para voar e subir para os ares, passou pelo bosque como uma sombra e, como uma sombra deslizou pelo jardim…
sombra, quando constato que de fato, o que resta de tanto é apenas a sombra… eu me concentro no canto do rouxinol.
igual o tapete vermelho e as honrarias definem, tenho as mãos amarradas, e a vontade espicaçada, perdi. O canto, a música deve salvar desta desordem. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2023 – Torres
Fui ver o mar quando cheguei.
Aberto! Perfumado, inquieto!
Barulhento. Colorido.
O frio, contudo, não me permitiu molhar os pés.
Na casa, aproveito o calor e o fogo alto da lareira. Cozinho o pinhão e o feijão do jeito que têm de ser feitos.
O café, sem pães nem geléias açucaradas.
No fim da tarde, caminho pela cidade.
Que bicho mais louco é o homem! Depredador, nocivo, cruel.
O mar com areia e pedras. A Ilha dos Lobos.
A Lagoa do Violão, sem aguapés: poluída.
O rio Mampituba, escuro, botos seguindo cardumes; o mesmo rio. Os molhes que facilita a entrada dos barcos…
Daquele lado eu gosto, o cheiro é outro: barcos pesqueiros, canoas. Lembro a vida do começo da barranca.
Os molhes: mar e rio juntos.
Beleza importa, sim. Não a das pessoas, mas dessa natureza que sobrou. Essa, pode ser beleza.
É um equívoco, a cidade.
Como fez frio! Meus sonhos de Cambará do Sul e São José dos Ausentes na sombra. Será que eu quero a neve? Será que eu ainda quero alguma coisa?
De volta para casa estico as pernas no balanço da varanda. Pelo envidraçado, vejo objetos que se movimentam pelo chão: meias, copos, garrafas e livros; ou imagino esta dança? Se estivesses comigo! Certamente, tudo estaria arrumado…
A casa está numa desordem permanente.
Sigo com as pernas esticadas, pensando em abrir a última garrafa de vinho, comer o último pedaço de peixe, e as últimas uvas que sobraram no pote verde.
Levanto para buscar o que vou comer.
Tenho que encontrar os documentos; o corretor deve pegá-los logo, examinar. Preciso entregar o imóvel ainda esta semana, até já reservei o hotel.
E tu não estás aqui para me ajudar!,pondero. Se me perguntares como consigo tirar as coisas das gavetas, das caixas, eu não saberei te responder.
Volto aos papéis, documentos, inquietações, fotos, desânimo. Esquisito, isto tudo faz trânsito pelo chão. O meu mundo aberto, no tapete, grudado nas portas, como se os lembretes fossem solução.
Quando a noite chega e o lobisomem aparece, vou para a cama: durmo, durmo, durmo. Não faço nada. Estou doente.
Estas sucessivas mudanças adoecem meu espírito e o meu corpo.
Choveu e ventou a noite inteira. Separei alguns vasos em caixas de plástico, tudo o mais está pronto.
Que manhã escura! A chuva e o movimento sacudido das samambaias arrastam o verde. Retirei as avencas das frestas, elas, como eu, detestam vento.
Este ritual de caixas oprime. A escassez oprime.
Oprime o desejo contido. A cópia, o modelo estereotipado. Oprime o diabo do espelho. Oprime o segredo, a preguiça. As incapacidades, as ilusões frustradas, a idiota vaidade. Este mesquinho egoísmo e esta opaca mediocridade.
Oprime não termos a compreensão nem o espetáculo inteiro, só o palco do teatro. Vazio. As diferenças de linguagem. Por que não aceitar o prazer de estar outra vez em movimento?
O homem chegou com o caminhão, o corretor, e com os novos proprietários. Todos aguardam o som da minha voz. E, o pijama apertado escandaliza pela hora avançada do dia. Ninguém fala, então o motorista grita o endereço e pergunta se pode começar a recolher a mobília. Eu abro a porta por inteiro.
Escurecia, quando terminei de colocar o que restava na minha caminhonete.
No quarto do hotel, portas-janelas abertas: o mar, a montanha. O preto da noite. Aquietei-me bebendo e fumando, e disse pro silêncio o que restou.
O silêncio. A possibilidade de ler. Estudar o que posso estudar. Aceitar o limite de ser apenas mulher comum. Mulher igual a todas as outras mulheres comuns.
Falsificar lembranças, explicar o isto e o aquilo. Não há necessidade. Limito-me a esquecer.
Não vou me afobar nem me afogar.
Afinal,não importa o palco, mas o espetáculo inteiro.
Então, encontrar a casa é o fazer perfeito: aquela onde perdemos e achamos coisas, cheiros, onde o gato entra. A invenção inteira.
Não um quarto de passagem.
Escritores usaram esse método – masmorra, para poder pensar e escrever sem distrações. Pessoas e coisas nos atrapalham no pensar e interiorizar o que somos. Beijo, sexo, carícia, chocolate, morangos e álcool; tudo o mais desgasta. Perde-se o tempo de crescer, de ser alguém. A escravidão.
Depois, tudo repetido, nunca o original. Se existe o único, é o autismo. Será que eles têm, tiveram razão? Quando escrevem estão inteiros na loucura. Verdade e fantasia e loucura.
Então o menor quarto, a menor casa, os mares sonhados, ruidosos, mutantes, o terreno.
A segunda garrafa. A segunda noite. A segunda voz.
Tropeçamos nas coisas, e na ignorância de nós mesmos, paradoxalmente imóveis. Falta atenção, cuidado com nosso próprio sentimento!… Ficar, assim, com joelhos esfolados!
Convicções.
O jogo das leituras. Essas pequenas parcerias possíveis!
Abro as últimas folhas da história que precisa ser lida, e vou assinalando equívocos em vermelho.
A mão que se estende, exige troca.
Não há surpresa amorosa, nas pessoas.
Revólveres, granadas, venenos e torturas.
Nada de flores. Pão ou leite.
Nenhum perfume.
O fétido das ruas.
É melhor vender a casa.
É melhor o quarto do hotel, despojado, o mar. Elizabeth M. B. Mattos – Torres
Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual “leva ao mar”! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?1
1 541.3 III, Barrow-on-furness. Poesias de Álvaro de Campos, Ficções do Interlúdio. Obras Completas de Fernando Pessoa. Editora Nova Aguilar, 2001.
Remexer a felicidade – bonheur – a boa hora da felicidade: também o possível / impossível engano. Ou a traição. Não amor nos quebra por dentro. Sabemos distinguir os pedaços da vida / as possibilidades? É isso: quebrar pode ser dividir. Dividir as/em partes… A hora da seleção / escolher. O difícil mesmo é escolher o eu. Amarrados uns nos outros, necessariamente, amarrados, mas as escolhas nos quebram… Ou sozinhos / isolados na ilha deste eu ou a nos dividir… Isolar pode ser não amar. Um beco, ou a vida. Ser dois importa / os outros são o porto / o lugar seguro. Ou, também, partir. O agora é o imediato / este hoje redução. Tão redução! Como viver o hoje se o amanhã é verde, ou azul ou rosado, vermelho, como rosas. Amarelo amanhã. Multicolorido porque construído. Estas questões pequenas, mas monumentais. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres, o menos pode ser um mais monumental. Porta. Escada… O tempo.
Seis anos, ou sete, período, o dito, mencionado tempo: jeito/solução de vida, solução da solução, acerto. Nenhuma, nenhuma vontade de voltar. Ou de viver outra vez, vou retorno ou repetição. Sem pedacinho de saudade, nada outra vez. Saudade é quando a gente quer outra vez, de novo, mais um pouco. Aquele tempo passou.Da alegria e do bom, a superação. Estava ruim antes. Rasteiras perigosas, ficou melhor, bom naquele sol. Acerto interno meu comigo mesma, e o prato de comida virou manjar. Com solicitação de alegria, um espaço, uma brecha, uma nova picada na floresta de alguns desencontros e erros ferozes, então, a luz, aquele sol! Sou grata. Mas não queria nada de volta, nada outra vez. Precisa muito muito muito amor para ser outra vez. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres
Foto: Pedro Moog