RELACIONAMENTOS

002 (4) - Cópia

P. Alegre, 15 de dezembro de 2000.

Beth:

Tuas duas longas últimas levam a me perguntar como escrevo tão pouco. Falta de talento? Ou talvez por ler todas as cartas da Beth, além de outras e além dos livros amontoados às minhas costas esperando a vez. Vai ver é isto, foste feita pra escrever e eu pra ler. Chegaremos, ou não, lá. Queres saber minha relação com teus pais. Foi com a vinda do Ruggero Jacobbi a Porto Alegre. Era famoso e a Anita que colecionava famosos o convidou para uma recepção noturna, lembrando-se de mim para enfrentar a fera cultural. A surpresa é que funcionou assim mesmo. Na época eu era também fera, embora provinciana, e o Ruggero não se deteve nas mulheres tentando me convencer. Já teu pai, uma simpatia, igual com todos, prestimoso, não se arriscava a altos papos, não se exibia. Não lembro se foi só esta noite que estive em tua casa ou noutra ainda, mas nos encontros eventuais me dava bem com os dois. Tua última que dizes conta fica na anotação de diário. Mas não vale insistir no banal, sai um pouco de ti.

Besos, Paulo

008

008 - CópiaApós sua morte os arquivos e a correspondência de Paulo Hecker Filho foram doados a

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

São Paulo, 3 de outubro de 1955

Meus caros Anita e Roberto – desculpem se escrevo só agora, mas como vocês podem ver pela data, a afobação e a correria são tão violentas, que tive de escolher o dia das eleições para ter um momento de sossego. A estas horas vocês já devem estar informados de que meu famoso negócio com a Universidade já foi aprovado pelo reitor, faltando apenas umas formalidades burocráticas. Recebi ainda ontem duas cartas (do João Francisco Ferreira e do Paulo Hecker) confirmando que vai tudo bem. O diabo é que, contemporaneamente, aqui surgiram coisas formidáveis, para Carla e para mim, especialmente no setor da TV ( o plano de teatro no Rio”gorou”, como vocês, e só vocês, já sabiam) e a gente fica com um certo remorso de abandonar tanto dinheiro em perspectiva. Em todo caso, estou praticamente certo de poder ir a Porto Alegre em março: na pior das hipóteses, Carla ficará aqui sozinha durante alguns meses, até completar a temporada de TV, e depois se mudará para P.A. – Como vocês sabem, Carla irá passar o fim do ano com Walmor; gostaria de ter o endereço de vocês, naquela época, para que ela pudesse entrar em contato com os maiores, e mais sinceros amigos que tenho na minha futura cidade. Eu embarcarei para a Europa entre o dia 30 de outubro e o dia 2 de novembro: essa informação é para Anita, que, se, se bem me lembro, tinha algo para encomendar no Velho Mundo. Disponha com maior liberdade. Espero que as várias crises psicofísicas tenham passado, e que, quando da minha chegada ali, poderei passar várias noites perto da lareira, comentando os feitos incríveis desta louca humanidade… Como vão as meninas? Cumpri minha promessa para com a Suzana, escrevendo-lhe uma carta que deveria chegar por estes dias. Sinto grandes saudades de vocês, de suas gentilezas que nada saberia agradecer, de sua casa onde me senti à vontade como em um ‘home’ natural, meu. A reforma da casa já começou? A Carla vai pedir indicações e conselhos a Anita para a localização e arrumação da nossa. Mas não vamos carregá-la de trabalho… Digam aos jovens pintores que, se eu chegar ali e puder realizar meus planos, eles também terão que arregaçar as mangas para me ajudar. Como é, a Enilda ficou muito furiosa por eu ter desaparecido nos últimos dias? Gostaria muito que vocês estivessem aqui para assistirem a um espetáculo extraordinário: ‘Maria Stuart’, dirigido por Ziembinsky, e onde a família Becker em peso dá um ‘show’ sem precedentes: classe internacional. Os preparativos para a viagem, e várias atividades no sentido de deixar a Carla sossegada durante a minha ausência, estão me deixando esfalfado e nervosíssimo. Mas vou ver muitas coisas importantes, e vou contar tudo para vocês… bem, ponto final – por enquanto. Um grande abraço para todos. Beijinho a Suzana (…).E, mais uma vez: obrigado por tudo. Até breve. Ruggero.

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Ruggero Jacobbi: Veneza 1920 – morre em Roma 1981.Cenógrafo, diretor e crítico teatral. Cineasta, roteirista ítalo-brasileiro. Foi um dos pioneiros do moderno teatro paulista.

Walmor ChagasPorto Alegre 1930 – morre em São Paulo, 2013. Ator, diretor e produtor. Viúvo de Cacilda Becker (1956-1969, morte da atriz).

Eneida de Villas Costa de Morais: Belém 1904 – morre no Rio de Janeiro em 1971. Eneida como era conhecida era jornalista, escritora e militante política e pesquisarora brasileira. Mulher forte, viva, corajosa, audaciosa e inteligente.

Zbigniew Marian Ziembiński : Wieliczka 1908 – morre no Rio de Janeiro 1978. Ator e diretor de teatro, cinema e televisão. Zimba é considerado um dos fundadores do moderno teatro brasileiro.

Paulo Hecker Filho:  Nasceu em Porto Alegre em 12 de junho de 1926 e faleceu na mesma cidade em 12 de dezembro de 2005. Formado em Direito pela UFRGS, começou sua notável carreira nas letras gaúchas aos 23 anos, como crítico literário, com seu livro “Diário” de 1949, que recebeu o prêmio PARKS de melhor ensaio do ano no país. Nos anos seguintes, publica diversos livros, não apenas de crítica literária, mas também de contos, poemas e peças de teatro, como “O adolescente” (1952) e “O provocador” (1957). Em 1986, encerrava uma pausa de 20 anos em publicações, com um de seus melhores livros poéticos “Perder a Vida”, laureado com o prêmio Cassiano Ricardo, naquele ano. Posteriormente, outras obras de poesia como “Cartas de Mor” (1986) e “A noite não se importa” (1987), foram aclamadas pela crítica. Apanhado de Antônio Miranda

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