Os sinais

Foto0664Porto Alegre, 14 – 5 – 84

Minha muito amiga Beth,

Vou te explicar o que se passa comigo: estou com tendinite  inflamação dos tendões da mão, segundo diagnóstico do neurologista e demais especialistas que me examinaram. Para recuperar o movimento do polegar (mão esquerda), faço, diariamente, ionização, infra-vermelho e ultra-som, além da medicação específica. O tratamento dura um mês, no mínimo. Isso impede que me afaste, no momento, de Porto Alegre, salvo se for para onde possa continuar o tratamento com a mesma eficiência e regularidade. Foi por  este motivo e pelo mundaréu de água – que fez da sanga rio, do rio fez mar -, que não fui a Santa Maria[1], onde deveria assistir a inauguração da minha  exposição (Coleção da Maria), na Universidade. Talvez compareça ao encerramento se as águas e a saúde deixarem. Como já deves ter percebido, estou preocupadíssimo com este problema da mão. Sabes bem o que elas representam para mim. Também tenho imensa vontade de te ver, de te ouvir, de te falar. Não concebo que isso não seja possível numa das tuas vindas aqui. Tu se me afigura uma princesa aprisionada num castelo[2] de mentira. Não vê nesta expressão outra coisa senão o carinho deste teu velho amigo. É que te vejo num corre-corre sem descanso. Espero que estejas contente, pois quando o trabalho não é gratificante consome-se a vida sem viver. Sou muito cioso do meu tempo, porque este é a duração da vida. Jamais entendi os que procuram passar o tempo, sem se aperceberem que estão gastando o que jamais se repõe. É ver o que a maioria é programada como robô. São sonâmbulos, apenas tateiam o mundo. Quero ser lúcido, mesmo na desgraça. Para dormir, temos a eternidade…Quero saber o que pensas do que digo. Vou telefonar à tua mãe. Depois irei vê-la. Minha exposição em Porto Alegre, em setembro, inclui retratos, nova faceta da minha obra. Vou ver se consigo para ti o exemplar dos 20 anos da Zero Hora, onde somos notícia. Acho, querida Beth, que já fui além de um bilhete. Escrevendo muito ou pouco sempre o faço com coração de amigo. Espero por ti. Quero ir a Santa Cruz, mas com saúde, e sem preocupação de trabalho.

Querida Beth, muitos abraços


[1] Coleção que pertence hoje a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS.

[2]Este desenho da princesa no castelo também desapareceu juntamente com algumas cartas e outros desenhos. A vida é cheia de equívocos, neles perdemos tempo, o caminho, e alguns pedaços de coisas valiosas. Objetos valiosos. E nos perdemos.

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