Manhã sacudida. Papéis desaparecem no fogo. Brutal incêndio. Chamas abertas. Dormi na angústia, e acordei sem ânimo. Tudo se transforma em outra vez, outra vez, mais uma vez. É por um minuto. Todo o entusiasmo, ou vontade, disposição, tudo por um minuto. A referência documentada no talher de prata, no quadro óleo de Iberê Camargo, no retrato aquarela de Carmélio Cruz, nos livros e nas porcelanas, nos cristais, por um minuto… Depois do fogo não há identidade. Pela garganta o medo, no peito a urgência. Estou desfeita! Há que se ter ordem, energia para recomeçar. Embalei sonhos. Cada por do sol, cada amanhecer. A lembrança volta para a Rua Vitor Hugo… É o tempo preguiçoso, cor de rosa, e envolto em beleza. Olhar, olhar, olhar e escutar. Abrir os braços devagar como se o casulo fosse uma caixa de música, e a borboleta não tivesse pressa nenhuma de voar. Nenhuma… Escancarar. Abrir a janela. Gesto ensaiado por toda uma tarde. Se escurecer estou na sombra dos jacarandás esperando… A grama se confunde com os canteiros de begônias. Música, vozes, mesas redondas e meia luz de abajures. O fogo das lareiras, ou a leveza das cortinas sob o carpete. Quando voltar o sol no alpendre vermelho, estarei comendo laranjas e bergamotas porque é inverno… É muito rápido. É muito rápido esta droga de viver. Idiota, estúpido. Por que escrever?
“– Para entretenimento… – murmurava ele com um sorriso desdenhoso. Ah! Tu precisas te entreter… Para isso escreves; isto é, trabalhas. Mas, meu caro,’ entreter’ significa passar tempo. Ora o tempo passa acelerado em demasia; não necessita de impulsos. Os homens deviam procurar ‘ entreter’ o tempo, e não entreter-se a si….Eu é isso que faço…Penso no passado, revivo os dias que passaram…Assim levanto uma barreira entre o presente e o futuro. O futuro é porém um ótimo saltador… salta todas as barreiras, vai se tornado o presente e eu pouco resultado alcanço… Escreves para não te aborreceres…Ah! Como seria feliz se conseguisse me aborrecer!…”(p.266 Mário de Sá Carneiro/ Obra Completa Prosa/ Princípio. Editora Nova Aguilar.
Escrever sem saber o rumo a tomar. Vou abrir um livro, qualquer outro livro… Sem motivo. Pode ser tudo mesmo sem motivo?